sábado, 5 de dezembro de 2009

Sobre as notas

Oi pessoas, as notas foram enviadas para a nossa lista.
a minha tabela desconfigura aqui, por isso mandei apenas pela lista, ok?
abrs e boas férias
leandro

sábado, 28 de novembro de 2009

Na FSP de hoje

ANTONIO CICERO

Sobre a lei contra a homofobia

A aprovação dela representará um passo para tornar o Brasil um país mais civilizado

ENCONTRA-SE em tramitação no Senado Federal o projeto de lei (PLC 122/ 2006) que pune a discriminação baseada na orientação sexual ou na identidade de gênero do cidadão. A aprovação dessa lei representará sem dúvida um passo para tornar o Brasil um país mais civilizado.

Por que digo "civilizado"? Porque civilizado é quem se opõe à barbárie e a deixa para trás. Ora, o bárbaro é aquele que, guiando-se por preconceitos jamais questionados, não tolera, no universo das possibilidades vitais dele mesmo e dos demais membros da sua comunidade -ou até da humanidade- qualquer comportamento alternativo: aquele que busca impor, a ferro e fogo, a sua maneira de ser a todos os demais, tentando escravizar ou eliminar aqueles que não se conformem.

Em oposição a isso, civilizado é quem é capaz de fazer uso da razão para criticar todos os preconceitos, inclusive aqueles em que foi criado. No fundo, a civilização é o ceticismo metódico. O civilizado sabe que é por acaso -porque por acaso nasceu neste e não naquele país, nesta e não naquela classe social, nesta e não naquela família- que cada qual tem os hábitos, os valores, as crenças, os preconceitos que tem; sabe, portanto, que nenhum conjunto de preconceitos é, por direito, superior a nenhum outro. Sabendo disso, o civilizado sabe também que o único motivo que pode racionalmente ser invocado para negar a alguém o direito a se comportar de determinada maneira é que tal comportamento feriria os iguais direitos de outras pessoas.

Pois bem, o fato de que uma pessoa manifeste determinada orientação sexual não impede que outras pessoas manifestem outras orientações sexuais ou que exerçam qualquer outro direito legítimo. Consequentemente, trata-se de um direito inquestionável. Ora, a lei em questão tem o sentido de garantir a cada qual o exercício pleno desse direito. Ela visa garantir que a orientação sexual ou a identidade de gênero de uma pessoa não a sujeite -como tão frequentemente ocorre hoje- a sofrer discriminação, agressão verbal, violência física ou mesmo assassinato, enquanto seus agressores gozem de impunidade. Nisso reside seu sentido civilizatório.

É claro que a barbárie, na forma, por exemplo, do fanatismo de zelotes ou fundamentalistas religiosos, não deixa de apelar a todo tipo de sofisma para tentar desclassificar esse projeto de lei.

Semelhante sofisma é, por exemplo, a tese de que o sexo não reprodutivo contraria uma pretensa lei natural. Já falei sobre tal "lei" noutro artigo, mas não posso deixar de me repetir neste ponto. É um erro confundir as leis da natureza, que são descritivas, isto é, dizem o que realmente acontece, com as leis humanas, que são prescritivas, isto é, dizem o que deve (ou não deve) ser feito. A lei da gravidade, por exemplo, não diz que todos os corpos que têm massa devem se atrair de determinado modo e sim que se atraem desse modo. Se for descoberto que determinados corpos têm massa e, no entanto, não se atraem do modo previsto, não serão esses corpos que estarão errados, mas a lei da gravidade. Assim também, se uma "lei natural" diz que os indivíduos do mesmo sexo não sentem atração erótica uns pelos outros, basta abrir os olhos para ver que essa "lei" está errada, ou melhor, não é lei, não existe.

De todo modo, tanto a física contemporânea quanto a lei da evolução das espécies já mostraram que a natureza está em constante mutação. O ser humano mesmo talvez seja a mais radical dessas mutações, de modo que não apenas a espécie humana mas cada indivíduo humano é quase infinitamente capaz de mudar a si próprio, capaz de experimentar o que nunca antes se experimentou, capaz de criar o que nunca antes existiu. Substituindo o instinto pela experimentação, o ser humano já há muito foi capaz de separar radicalmente sexo de reprodução. Diante de tudo isso, a invocação de uma "lei natural" para tentar tolher o seu comportamento é simplesmente ridícula.

Finalmente, é falso que a lei em questão restringiria a liberdade de expressão simplesmente porque proibiria praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito contra orientação sexual ou identidade de gênero. Afinal, a lei 7.716 (Lei Caó) já faz exatamente isso em relação a raça, cor, etnia, religião e procedência nacional e não é considerada prejudicial à liberdade de expressão.

Esperemos que o Senado Federal, rejeitando o fanatismo e a barbárie, escolha para o Brasil o caminho da razão e da civilização.

a.cicero@uol.com.br

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A Tarde de hoje

O jornal A Tarde desta segunda-feira, dia 9 de novembro, destacou o lançamento do livro do professor Eduardo Leal Cunha, que ocorre na próxima quarta, dia 11, às 17h, no auditório da Facom/UFBA. Além de uma entrevista, o jornal publicou uma resenha do livro, escrita pelo professor Leandro Colling, do IHAC (leia textos abaixo).

O lançamento é promovido pelo Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade, pelo Instituto de Humanidades, Artes e Ciências professor Milton Santos (IHAC), pela Faculdade de Comunicação e pelo Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT). O evento foi aprovado como atividade de extensão do IHAC e, por isso, serão emitidos certificados aos inscritos. As inscrições poderão ser realizadas na hora.

No lançamento do livro, o psicanalista e professor da Universidade Federal de Sergipe, Eduardo Leal Cunha, fará a conferência Identidade, ética e subjetivação no mundo contemporâneo, seguida de coquetel.

Leia a entrevista e resenha publicados no jornal A Tarde:

NÃO PODEMOS NOS ORGULHAR DOS NOSSOS PRECONCEITOS

Eduardo Leal Cunha

CÁSSIA CANDRA

Partindo de um aparentemente despretensioso “quem sou eu?”, o psicanalista Eduardo Leal Cunha, um baiano de 44 anos, que atualmente ensina no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, mergulhou em um debate profundo: o uso da noção de identidade no mundo contemporâneo. Este é o tema de Indivíduo singular e plural – A identidade em questão (Editora 7 Letras), que ele lança depois de amanhã, às 17 horas, no Auditório da Faculdade de Comunicação da Ufba.

Fruto de sua tese de doutorado em saúde coletiva,na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (o mestrado em teoria psicanalítica na ele fez na Universidade Federal do Rio de janeiro), a publicação se concentra na amplitude da discussão. Em seu curso, revela a agilidade intelectual do autor para dar conta das articulações que ajudam a provocar o debate em suas dimensões subjetiva, individual e política (que passa pelas identidades étnicas e nacionais).

Nesta entrevista, Eduardo Cunha fala do processo contínuo de construção e desconstrução da identidade e analisa a origem da exclusão e do preconceito, que, segundo ele, “limitam as nossas possibilidades de experimentar o mundo“. Membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos e editor da Revista psicologia: ensino e formação, Eduardo havia frequentado o mercado editorial com O adultério em dez lições (Editora Planeta, 2004) e A psicologia entre indivíduo e sociedade(UFS, 2008), em co-autoria com Liliana da Escóssia.

Como se constrói a identidade?

Para começar, é preciso saber de qual identidade estamos falando, pois a ideia de identidade pode se referir a muitas coisas, da nossa própria identidade individual, referida a nosso nome e também a nosso corpo, como sendo aquilo que nos confere um caráter único frente a outras pessoas e também estável no tempo, aquele sentimento de que somos hoje a mesma pessoa que fomos ontem e seremos amanhã. Mas também pode se referir à nossa identidade nacional ou profissional. Posso ainda tomar a identidade como um sentimento ou signo de reconhecimento deque pertenço a determinado grupo e não a outro, baiano e não mineiro, por exemplo, ou amante de música erudita e não roqueiro. Em todos esses casos, o que há de comum é que a identidade é o que me permite descrever-me para mim mesmo e para o outro, fazer-me iguala uns e diferentes de outros. Ela também pode ser tomada, como propõe o sociólogo inglês Anthony Giddens, como uma narrativa, o enunciado responsável por garantir precisamente que sou único, íntegro, uno, e constante no tempo.

Então, é ao longo do tempo?

Sim, e está diretamente ligada a minha história pessoal, ao modo como interpreto e enuncio os acontecimentos que marcaram a minha vida.

Deste modo, ela também precisa ser permanentemente reajustada, sobretudo a partir do modo como é percebida pelos outros, nas relações com as outras pessoas, que reconhecem – ou não – a minha identidade e a legitimam ou a negam. Nesse sentido, o sentimento de identidade se aproxima da confiança que posso ter no outro e em mim mesmo, no julgamento que faço a meu respeito e que o outro, a cada momento, confirma ou desmente.E a identidade dos grupos? Neste caso, talvez o mais importante é que tal processo de construção da identidade implica necessariamente excluir certas pessoas deste grupo, ou seja, afirmar que somos de algum modo radicalmente diferentes e, portanto,em certa medida, inconciliáveis. É por isso que o estrangeiro, aquele que não posso reconhecer como igual ou simplesmente aquele que não compreendo, muitas vezes surge como ameaça.Seu livro mostra a complexidade da exclusão.

Como nascem o preconceito e a intolerância?

Nascem das mais diversas formas e certamente eu não conseguiria aqui tratar com a necessária profundidade nem mesmo de uma pequena parcela dessas formas. Mas acho importante dizer que na maioria das vezes nós nem mesmo percebemos que estamos nos tornando intolerantes ou agimos guiados por preconceitos. Já seria muito bacana se nós apenas prestássemos atenção no que fazemos e dizemos, e pudéssemos perceber o quanto de preconceito e intolerância está presente nos nossos atos e no nosso discurso. Mesmo porque o outro, aquele que se sente atingido, normalmente nos sinaliza quando isso acontece.

Prestar atenção nas reações daqueles com quem convivemos é quase sempre a melhor maneira de nos conhecermos melhor. Precisamos ter cuidado quando usamos o preconceito e a intolerância para nos proteger, para nos sentirmos melhor com o que somos e assim nos livrar da necessidade de mudar.

O preconceito é inevitável?

Todos nós os temos, e não há como não tê-los, eles até nos são úteis de vez em quando. O que não podemos é nos orgulhar dos nossos preconceitos, acreditar que eles são inseparáveis de nós ou até mesmo que eles nos tornam melhores. Isso é uma grande bobagem: os nossos preconceitos nos tornam piores e, provavelmente, menos felizes do que poderíamos ser. Os preconceitos limitam as nossas possibilidades de experimentar o mundo e nos afastam das pessoas, das quais precisamos não apenas para sentir prazer, mas para viver e nos sentir humanos.

O senhor sugere a política da singularidade para nos ajudar a resolver as diferenças de uns com os outros. Como é isso?

Trata-se de imaginar formas de existência que abram mão do tipo de proteção que as identidades oferecem; que abram mão de manter o outro, o diferente, à distância, para que a proximidade com a diferença nos torne também, a cada dia, diferentes, capazes inclusive de nos movimentarmos com mais liberdade em um mundo que não para de mudar. Imaginar modos de ser nos quais a liberdade signifique não a liberdade de escolha, como numa loja de departamentos ou em um supermercado,mas a liberdade de deixar-se surpreender.
Isso não resolveria os problemas, mas talvez nos permitisse, ao admitir a presença do diferente, ao conviver com ele, encontrar formas menos violentas, de resolver nossos problemas. Usar as diferenças para a construção de um mundo mais interessante, e não gastar todas as nossas energias para nos defendermos do diferente, para segregá-lo ou mesmo eliminá-lo. A ideia de singularidade vem do filósofo italiano Giorgio Agamben e o termo exato é “uma singularidade qualquer”, pois a identidade traz consigo, e esse é outro dos seus não-ditos, uma pretensão hierárquica, ou hierarquizante: não apenas ser diferente dos outros, mas ser melhor do que eles.

Defender a singularidade e a pluralidade é acreditar que um dia poderemos abrir mão das hierarquias, pelo menos das que se fixam e nos aprisionam, e sermos simplesmente diferentes, uns dos outros e até quem sabe de nós mesmos.

CADERNO2MAIS.ATARDE.COM.BR Leia outros trechos da entrevista com o psicanalista Eduardo Leal no blog do caderno 2 +

Por uma política da singularidade

LEANDRO COLLING

Professor adjunto do IHAC/Ufba

Quem sou eu? Mesmo sem perceber, somos incitados a responder, com cada vez mais frequência, essa pergunta. Partindo disso, o psicanalista Eduardo Leal Cunha inicia o livro da sua tese de doutorado, Indivíduo singular plural – A identidade em questão, sob a orientação de Joel Birman, que assina a orelha da obra.

Leal faz uma rigorosa leitura e análise da obra do sociólogo Anthony Giddens. Depois, passa a dissecar as lacunas e influências teóricas do pensamento de Giddens e, aos poucos, aciona uma série de outros autores, alguns bem conhecidos do público, como Freud, Bauman, Foucault, Barthes e Marcuse, outros nem tão presentes em nossas bibliotecas, como Giorgio Agamben, Judith Butler, Theodor Reik, para citar alguns.

Didático - Essa lista de autores pode espantar alguns leitores. Livros ditos “acadêmicos” são considerados chatos por muitas pessoas. E alguns deles são mesmo, inclusive porque são mal escritos. Muitos autores são pernósticos e presumem que o leitor já tenha lido a obra dos citados. Esse, definitivamente, não é o caso do livro de Leal.

No entanto, não espere um panorama raso das obras com as quais ele dialoga. Leal consegue como poucos no Brasil, a exemplo do seu orientador, escrever de forma didática, clara e atraente tanto para iniciados quanto para iniciantes, desde que eles efetivamente estejam interessados nas temáticas em questão.

Mas o que defende Leal? De modo sucinto: Leal critica a tese de Giddens, para quem o homem contemporâneo, ao sofrer os impactos da modernidade tardia, produz uma narrativa do eu coerente e consciente, com vistas a garantir a adequação desse eu frente à realidade.

Leal aciona os autores para dizer que essa narrativa do eu coerente não é possível e talvez nem seja a melhor alternativa para o sujeito. Depois de Freud, que apresenta também com rigor, essa narrativa só seria possível através da exclusão e do recalque das fantasias inconscientes.

Gêneros - Leal usa Butler, apenas para citar mais um exemplo do seu estudo, para dizer que essa narrativa, em especial nas questões de gênero, só poderia ser realizada através dos gêneros que a sociedade já considera como aceitos, “naturais”, saudáveis, ou seja, aqueles que são inteligíveis.

E o que Leal propõe? O psicanalista não foge da questão. E aqui talvez resida uma de suas mais significativas colaborações para as reflexões sobre as políticas identitárias, na Bahia já bem conhecidas através dos movimentos negro, feminista e gay.

Leal aponta a contingência dessas políticas que apostam em categorias fixas, em representações identitárias dominantes.

Mostra exatamente como essas políticas geram também exclusões e novas formas de racismo, misoginia e homofobia.

Sem heróis - Leal, bebendo nas reflexões de Foucault, combinadas com Agamben e outros, propõe uma política da singularidade, na qual o desejo, a liberdade, a hospitalidade sejam governados por Eros, como um ato amoroso.

Essa política, diz , ocorre “nos pequenos atos, pequenos enfrentamentos, pequenas vitórias ou derrotas (...) fora do grande cenário, à margem (...) sem heróis.
Política sem a arrogância dos discursos vitoriosos que podemos chamar de ideologia”.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Texto da aula

Pessoas, o texto que levei para a sala na aula da última sexta, dia 6/11, pode ser lido no site
http://www.revistas.unifacs.br/index.php/sepa/article/viewFile/45/39

abrs, leandro

terça-feira, 3 de novembro de 2009

domingo, 1 de novembro de 2009

Como fazer os "projetos"

Oi pessoas, tudo bem?

O mail é dirigido especialmente para quem não compareceu na nossa aula de sexta, dia 30. Aliás, essas pessoas precisam solicitar segunda chamada da prova, não sei como se faz isso.

Informei que não teremos aula no dia 13 pq o prédio do Ihac será usado para o vestibular da UFBA. Lembrei que na próxima sexta, dia 6, vcs precisam entregar o projeto do trabalho que pretendem realizar. O trabalho pronto, fruto do projeto, deve ser entregue no dia 20, quando iniciam as apresentações.

O “projeto” simplificado deve conter, cfe explicações dadas em sala, os seguintes aspectos:

Introdução (poucas linhas resumindo a proposta)

Objetivos (pode ser apenas um objetivo geral ou um geral e alguns específicos)

Justificativas (algumas linhas dizendo pq o trabalho é importante, pq ele deve ser feito)

Metodologia (como o trabalho será realizado? Via entrevistas? Revisão de bibliografia? Produto artístico? Coleta de dados? Como essas coisas serão feitas? – claro que determinado trabalho pode contemplar mais de uma dessas alternativas).

O trabalho pode ser em dupla ou individual.

E deve versar sobre pelo menos uma de nossas quatro grandes temáticas do semestre, a saber:

Mundialização, Territorialidade e Desigualdade

Progresso, desenvolvimento e crise

Arte, tradição, transgressão

Educação, conhecimento, informação

Os projetos devem estar impressos no início de nossa aula de sexta, dia 6, para que façamos um debate coletivo sobre todas as propostas.

Um abraço, Leandro

sábado, 24 de outubro de 2009

No A Tarde de hoje

Antonio Risério

Escritor

Quando Antonio Carlos Magalhães decidiu construir o Centro Administrativo na Avenida Paralela, teve genteque achou que ele tinha enlouquecido. “O governador está louco, quer levar o governo pro meio do mato!” – era um dos comentários que então seouviam. Mas não havia nadade louco na ideia. Era, simplesmente, a primeira vez que se pensava Salvador emtermos metropolitanos.

O secretário de Planejamento, na época, era Mário Kertész. E ele soube escolher com quem trabalhar. Mário procurou Lúcio Costa, o urbanista que projetou Brasília. E Lúcio (embora reclamasse da Paralela, uma avenida bonita, mas desconfigurando, desnecessariamente, o desenho topográfico da região, cortando colinas) fez o traçado da avenida do viaduto de acesso ao Centro. E de todas as avenidas do CAB. Mais tarde, em meio ao processo deconstrução dos prédios, entrou em cena, por sugestão de AlexChacon e Roberto Pinho, o arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé. Era uma dupla, Lúcio-Lelé, pra ninguém botar defeito.

Mas houve reação. Empreiteiros locais se rebelaram logo contra o projeto em pré-moldado de Lelé. Aquilo poderia ser até bonito, mas não seria assim tão lucrativo para eles. A verdade é que Lelé projetava obras nuas, a serem executadas por um sistema nada convencional de construção. Obras difíceis de sofrerem superfaturamento. E empreiteiros costumam não gostar disso. Mas o trabalho foi feito.

Como CAB, houve um deslocamento do centro comercial da cidade. Na mesma década de 1970, tivemos a implantação do Polo Petroquímico de Camaçari. Tudo mudou. Surgiram na cidade, inclusive, bairros novos.

Mas quero falar da Avenida Paralela hoje. O que era deserto apresenta agora congestionamentos de trânsito. Pessoas fazem exercícios físicos no canteiro central da avenida. A Paralela, como o CAB, passou a fazer parte de nossa paisagem e de nossas vidas. Mais que isso: a Paralela, hoje, nos oferece um retrato perfeito de Salvador.

A começar pelas construções religiosas. Temos a Igreja da Ascensão do Senhor, no Centro Administrativo. Mas temos, também, um templo evangélico. E diversos terreiros de candomblé, que se concentram na Invasão das Malvinas, também chamada Bairro da Paz. Terreiros pra tudo quanto é gosto, por sinal.

E que se declaram de diversas “nações”: angola, ijexá, jeje, keto, etc. Até a umbanda se faz presente, no Centro Espírita Caboclo Tumba Jussara, na 7ª. Travessa Ubatã, número 12.Vemos, na Avenida Paralela, os extremos reais e vitais desta nossa cidade. A sede administrativa estadual, com todas as suas muitas secretarias, e o comércio de “crack” e cds piratas.

O prédio da Odebrecht, as jovens prostitutas e a favela sinuosa, com seus becos quase sempre perigosos. Um bairro confuso, cervejeiro e ruidista como o Imbuí. A revendedora de automóveis de luxo e a oficina furreca, reciclando fuscas. As novas faculdades particulares – que mais sugerem “shopping centers” supostamente pedagógicos – e o analfabetismo.

Projeta-se um condomínio caro ao lado de um conjunto habitacional classemediano e perto de barracos precários, que se esforçam para se manter de pé. Enfim, a Avenida Paralela, hoje, é um retrato concentrado de Salvador. Da vida atual da cidade que, bem ou mal, se metropolizou. Girando entre os camelôs do Iguatemi e os absurdos visuais de Lauro de Freitas, antiga Santo Amaro do Ipitanga. É um espaço que fervilha e esfervilha, durante todos os dias da semana, entre passarelas, táxis, indigentes, engravatados, policiais, lojas, sobrelojas, sublojas e postos de gasolina, que se revelaram bares da madrugada, com seus cheiros e sons intoleráveis.

Acho que nossos jovens estudiosos e pesquisadores, economistas, sociólogos e antropólogos têm ali um prato feito. Mas não só para “cientistas sociais” – também para jornalistas, cineastas, etc. Na verdade, a Avenida Paralela se converteu num segmento urbano altamente privilegiado para quem se disponha ao chamado “trabalho de campo”. Para quem queira ver de perto o que é, de fato, Salvador. Ou no que ela se transformou. Porque esta cidade não se resume à praia, nem se circunscreve ao seu centro histórico. É muito mais fragmentada e fragmentária do que nós, com todos os nossos clichês e estereótipos, costumamos imaginar.

Mais questões da avaliação

Pessoas, seguem as últimas perguntas de nossa avaliação:

Dialogando com o texto de Boaventura Sousa Santos, ligue pelo menos quatro idéias do autor com o surgimento e implantação do IHAC.

Um dos assuntos que atravessou pelo menos três temas discutidos no semestre têm relação direta com um pensamento conservador e elitista. Com base nisso, aponte como as cidades (Canclini), a arte (em Marcelo Coelho e no filme Arquitetura da Destruição) e a universidade (Boaventura Santos) são pensadas através de um pensamento conservador e como esses autores apresentam reflexões contrárias a esses conservadorismos e elitismos.

Ainda universidade

Pessoas, Cláudia enviou esse interessante link

http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1349665-5602,00.html

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Mais dicas

Modelo americano ou europeu: qual o melhor caminho para a Universidade brasileira?
http://www.espacoacademico.com.br/014/14bert.htm


Funcionamento do sistema de ensino superior americano
http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=2166

Perguntas da avaliação

Oi pessoas, conforme prometido, e conforme nosso cronograma, seguem as três primeiras questões de nossa avaliação, marcada para dia 30 de outubro.
As questões pretendem ligar os textos e produzir uma reflexão sobre a nossa realidade. Ou seja, depois de um esforço de entender os textos, partimos para uma ligação dos saberes (uma das fortes características de uma proposta interdisciplinar) e uma tentativa, através disso, de pensar "a realidade".
Um abraço, Leandro

1. Os territórios e as territorialidades, conforme destacou a autora do texto discutido em sala, Sarita Albaglia, possuem dimensões físicas, políticas, simbólicas e econômicas. Já Canclini refletiu sobre as cidades da América Latina. Como é possível pensar as cidades através dessas quatro dimensões destacadas por Sarita? E como essas reflexões podem ser aplicadas para pensar Salvador (ou um recorte dela, um caso) em específico?

2. O texto de Sarita fala da dimensão simbólica dos territórios (papel das identidades, sentimentos de pertencimento, papel da cultura), Caclini defende a transformação das cidades em capitais culturais (com infra-estrutura para produzir produtos culturais e também fomentar e festejar as comunidades multiculturais) e Marcelo Coelho faz uma defesa de uma visão não-conservadora sobre a arte (e, por tabela, também, de cultura). Como essas três reflexões podem ser conectadas, ligadas? Como essas reflexões podem nos fazer pensar sobre o contemporâneo e para saídas para os graves problemas de nossa sociedade?

3. A partir das reflexões sobre arte e transgressão, do texto de Marcelo Coelho e das discussões em sala de aula, avalie quais são as possibilidades transgressoras que o artista possui na sociedade atual e na baiana em particular. Caso deseje, cite casos específicos.

Algumas dicas

Pessoas.

Para fomentar o debate de nossa aula de amanhã, sobre educação superior, considero importante algumas reflexões para além do texto do Boaventura.

Boaventura cita um polêmico livro, chamado A cultura inculta. Para saber um pouco mais sobre isso, sugiro a leitura do curto artigo de outro professor português. Leiam em http://bocc.ubi.pt/~fidalgo/ubiversidade/O-que-eh-a-universidade.html

Gostaria que as nossas discussões também recaíssem sobre a chamada Universidade Nova. O reitor da UFBA tem escrito muito sobre isso. Achei na net um capítulo inteiro de um dos seus livros mais recentes. Vejam em www.anped11.uerj.br/doc14/protopia.doc

O texto é meio longo, selecionei esse trecho para postar aqui:

"Dizem alguns críticos da Universidade Nova que a sociedade brasileira mal está se recuperando das ações afirmativas nas universidades públicas e já tem que começar a pensar em algo novo. É função da universidade justamente fazer isso. O que enfim se espera da universidade? Sabemos que ela foi inventada para estar à frente da sociedade, para construir a cultura, para ser vanguarda na história. Quando o projeto Universidade Nova estiver em curso de implantação, possivelmente vamos ter que abrir alguma outra vanguarda. O fato de a universidade brasileira, historicamente, ter abdicado de construir o novo, fez com que a sociedade fosse buscar a inovação em outras instituições. Justamente por isso, a instituição universitária foi paulatinamente perdendo seu valor perante a cultura nacional.

Outros críticos se mostram céticos frente a qualquer possibilidade de mudanças na universidade sem antes termos resolvido o imenso débito histórico e político do ensino médio e fundamental. Argumentam que não faz sentido falar de reforma na universidade enquanto continuarmos com uma educação básica incapaz de efetivamente preparar seus alunos para prosseguir em sua formação intelectual. Pontificam, sisudos e solenes: precisamos renovar a escola pública em todos os níveis, depois vamos reformar a universidade. Penso, a partir de uma lógica oposta, que se trata de uma posição imobilista e paralisante. Não podemos esperar mais.

Uma reforma universitária verdadeira, justificada e focada na arquitetura curricular, poderá contribuir para (e, quem sabe, catalisar) a desejada transformação de todo o sistema educacional. No momento em que o sistema federal de educação superior mudar sua arquitetura curricular, redefinindo o conceito de formação universitária e, por conseqüência, a sistemática de recrutamento de novos estudantes, estou certo de que haverá um efeito reverso no ensino médio e quiçá também no ensino fundamental. Como e quando isso ocorrerá, é difícil prever e mesmo conceber. Mas não tenho dúvidas de que mudanças profundas na educação básica advirão do projeto Universidade Nova.

Faz parte dos pensamentos esperançosos que, neste livro, pretendi compartilhar com os eventuais leitores, a reflexão de que agora estamos mobilizando mais o debate sobre esses temas relevantes e assim ganhamos visibilidade e auto-afirmação. Por exemplo, colocar o Brasil no cenário educacional do mundo é responsabilidade da universidade. Para isso, é imprescindível que, nas relações complexas de trocas internacionais, tenhamos sistemas educacionais que sejam valorizados e compatíveis com os centros intelectuais e econômicos do mundo contemporâneo. Não podemos criar e fomentar, sob o pretexto da autonomia institucional e da soberania nacional, formas de perpetuação do nosso atraso. É claro que a universidade brasileira conta com centros de pesquisa de excelência e reconhecimento internacional, mas o avanço pontual não faz a instituição como um todo ser vanguarda. A universidade precisa de algo que a unifique nessa direção. E aí entra o projeto Universidade Nova.

Talvez por mera dialética, parece que as condições de superação do constrangimento histórico de termos uma universidade arcaica e inerte se acumulam, indicando algum horizonte de transformação.

Primeiro, as mudanças pretendidas pela Reforma Universitária de 1968 foram completamente digeridas e neutralizadas pelas forças do tradicionalismo na universidade. De fato, em menos de 10 anos, as universidades brasileiras que passaram por aquela reforma já haviam recuado, quase completamente, em relação às alterações de estrutura institucional e de arquitetura curricular.

Segundo, nem mesmo o deus ex-machina chamado “mercado de trabalho” parece mais se importar com os padrões de formação profissional dos egressos da educação universitária. Grandes corporações, empresas de pequeno e médio porte, instituições públicas (principalmente do judiciário), simplesmente retreinam todos os profissionais recrutados para compor seus quadros técnicos e executivos, como se a passagem pela instituição educacional e a conquista do diploma universitário apenas cumprissem a função de credenciamento e não de formação profissional.

Por último, os modelos de formação universitária que inspiraram nossas instituições de educação superior já se encontram totalmente superados em seus contextos originais. Quando o prazo de consolidação do Processo de Bolonha for alcançado (a data é 2010), o Brasil corre sério risco de ser o último país com algum grau de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial a possuir uma arquitetura curricular com padrões e modelos estabelecidos na Belle Époque. Caso isso ocorra, o País do Futuro terá enfim cumprido sua sina de ser para sempre o “país dos bacharéis”.

Anísio Teixeira tinha clareza das estratégias necessárias para realizar a reforma universitária verdadeira, em um espírito plenamente concordante com as iniciativas do atual movimento pela Universidade Nova. Novamente, a palavra presciente do mestre Anísio (2005, p. 178-9) nos guia, como se fosse hoje:O desafio do presente é criar ordem e padrões de métodos e ação universitários na galáxia imprecisa, múltipla e vaga do ensino superior brasileiro, em expansão incoercível."


Para saber o que é o modelo de Bolonha e o de Harvard e uma certa crítica a Universidade Nova, ver http://www.isecure.com.br/anpae/316.pdf

Também selecionei um trecho desse texto:

"Efetivamente, os formuladores da Universidade Nova são reticentes em admitir coincidências com os modelos existentes nos EUA ou na Europa. Naomar de Almeida Filho, reitor da UFBA e principal sistematizador da idéia, intitula um dos principais capítulos de seu livro, Universidade Nova: textos críticos e esperançosos, de “Universidade Nova: Nem Harvard Nem Bolonha” (ALMEIDA FILHO, 2007, p. 259).

Entretanto, em essência, a Universidade Nova não é uma negação dos modelos existentes nos EUA ou em implantação na Europa (Processo de Bolonha), mas sim, uma mescla tímida de ambos. Há algo contraditório no discurso a favor da Universidade Nova. Por um lado, no título, Almeida Filho nega os modelos norte-americano (Harvard) e europeu (Bolonha); por outro, declara que “é imprescindível que, nas relações complexas de trocas internacionais, tenhamos sistemas educacionais que sejam valorizados e compatíveis (sem grifos no original) com os centros intelectuais e econômicos do mundo contemporâneo [EUA e Europa?]” (2007, p. 293).

Almeida Filho também afirma que a Reforma Universitária de 1968, inspirada no modelo norte-americano, foi deturpada pelo tradicionalismo na universidade brasileira. Mais que uma crítica ao modelo de 1968, o reitor da UFBA lamenta a respeito da incompletu de da Reforma inspirada no Relatório Atcon10. Segundo suas próprias palavras, “em menos de 10 anos, as universidades brasileiras que passaram por aquela reforma já haviam recuado, quase completamente, em relação às alterações de estrutura institucional e de arquitetura curricular”(2007, p. 293).

A lógica da Universidade Nova pode ser compreendida como um modo de se afastar do Processo Bolonha e se reaproximar do modelo norte-americano (não totalmente implantado em 1968), isto sem precisar montar a infra-estrutura necessária da universidade norte-americana e sem a necessidade de encaminhar a formação profissional na graduação como, de fato, continua acontecendo na Europa do Processo de Bolonha.

Como tem acontecido na história recente (séculos XX e XXI) da diplomacia brasileira, ao que tudo indica, o Brasil aprecia e admira as novidades européias, embora deixe-se levar pela força gravitacional dos EUA. Apesar do discurso otimista, o Brasil, com a Universidade Nova, corre o risco de transformar suas Universidades Públicas em Liberal Arts Colleges, abrindo mão de alcançar o padrão de qualidade das universidades de primeira linha dos EUA (Universidade de Harvard?).

Almeida Filho, antecipando-se à crítica, escreve que "Nos Estados Unidos, a educação fundamental e média, desde o início do séculoXX, é gratuita e universalizada. A elite brasileira critica a high-school americana por ser mais fraca que o nosso padrão do ensino médio. Este é um equívoco, pois se compara um sistema público de educação (o norte-americano) com uma elite de escolas privadas, especialistas em preparar jovens para ingresso em universidades públicas (brasileiras). O aluno norte-americano entra na universidade para um período de formação científica e cultural no undergraduate college, e só depois tem acesso a cursos de mestrado ou doutorado, definidores de profissões". (ALMEIDA FILHO, 21 ago 2007, < http://www.twiki.ufba.br/>)."

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Cinema e transgressão

Pessoas, essa matéria foi publicada no A Tarde de hoje. Penso que, no cinema, Lars é um bom exemplo de transgressão. Sugiro que todos vejam esse filme. Recomendo também Dogville.

Precedido por polêmica, o filme do dinamarquês Lars Von Trier entra em cartaz em cinco salas

JOÃO CARLOS SAMPAIO

Quando Anticristo (Antichrist) foi exibido pela primeira vez, na mais recente edição do Festival de Cannes, em maio passado, as reações da imprensa especializada foram contundentes. Seu diretor, o cineasta dinamarquês Lars Von Trier, que se tornou célebre pelos temas e projetos polêmicos, novamente conseguiu abalar corações e mentes. Mais uma vez colheu elogios e vaias, nunca indiferença.

É fácil entender o motivo de manifestações tão exaltadas, já que a obra resolve centrar os seus cem minutos de duração num mergulho claustrofóbico em direção ao imponderável dos jogos mentais envolvendo seus personagens. Com pouquíssimas locações e dois únicos tipos em ação – o casal interpretado pelos atores Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe –, a trama tem aspirações asfixiantes, atormentadoras.

O ator norte-americano Willem Dafoe, de 54 anos, atua num dos papéis que mais exigiram o gesto mínimo, a menor manifestação de expressões e gestos. Coisa rara numa carreira tão arrebatada por tipos grandiloquentes, seja numa caricatura independente de David Lynch, como Coração Selvagem (1990), ou em produções para grandes plateias, como na série do Homem-Aranha, em que ele aparece encarnando o Duende Verde.

Charlotte Gainsbourg, que é filha de Serge Gainsbourge Jane Birkin (famosos vocais da canção Je T\'aime Moi Non Plus, do filme Emanuelle), é uma atriz e cantora nascida em Londres, mas radicada na França. Sua atuação como a personagem feminina de Anticristo rendeu o prêmio de Melhor Atriz em Cannes, láurea que se soma ao reconhecimento que goza na França. Internacionalmente, é mais conhecida por atuar em filmes como Não Estou Lá (2007) e 21 Gramas (2003).

Tragédia

A trama de Anticristo se resume à observação em torno de uma tragédia que envolve o casal protagonista. Enquanto faziam amor, eles não perceberam que o filhinho deles desceu do berço e foi brincar na janela do apartamento, desafiando inocentemente a gravidade. A partir deste episódio, surge na tela a vida destroçada dos personagens, que passam por etapas que vão do sofrimento ao autoflagelo, separadas em capítulos.

Além do prólogo no apartamento, o filme passa por mais umas poucas ambientações, como um cemitério e um hospital. Depois, toda a ação se centra num bosque onde o casal mergulha rumo ao lado mais sombrio da alma.

O nome deles nunca é revelado, Von Trier se limita a mostrar os embates mentais, as crises e dilemas. Em suma, um laboratório sobre um homem e uma mulher em situação-limite. Lars Von Trier, 53 anos, pertence à casta de cineastas-autores que não temem a polêmica, muitas vezes criando fitas que fazem mais barulho do que propriamente contribuem para a evolução da linguagem. Ainda assim, não faltam grandes momentos na obra do realizador, que já em 1991 chamou a atenção com as inovações do drama Europa.

Trilogia

O filme fazia parte da trilogia de filmes iniciados com a letra E, uma das muitas brincadeiras do diretor com as questões de forma. Independentemente de jogos com letras, Europa é notável por vinhetas, que utilizam imagens projetadas sobre os atores. Em 1995, Von Trier se uniu a outros diretores da Europa nórdica e criou o manifesto Dogma 95, que ganhou grande publicidade em todo o mundo com sua rígida tábua de procedimentos que os cineastas deveriam tomar para fazer um cinema barato e fiel ao real. Na prática, apenas o filme Os Idiotas (1998) segue as normas do documento, mas ainda assim o diretor se permite burlar algumas regras.

O Dogma 95 foi muito criticado por suas esquisitas recomendações, como a de não usar trilha sonora. Dois anos depois de Os Idiotas, Lars Von Trier esqueceu completamente o discurso do manifesto e realizou o melodramático musical Dançando no Escuro, estrelado pela cantora Björk e pela diva Catherine Deneuve. O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2000.

O cineasta criou mais jogos com a forma ao lançar a proposta da trilogia iniciada, em 2003, com Dogville. O filme trouxe personagens atuando num palco de teatro, quase sem objetos de cena, e criando uma narrativa desconcertante.

Manderlay (2005) foi o segundo filme do projeto a ser lançado e nos próximos meses o diretor deve fechar a tríade com Washington.

Dimension Em paralelo toca o inusitado projeto de Dimension, um filme que será composto de imagens coletadas até 2024, seguindo a prática de gravar três minutos por ano. Por ideias assim, Lars Von Trier é sempre questionado, ao tempo em que consegue se manter em evidência.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O que é o prazer de estudar?

Pessoas

A discussão em nossa lista, para além de questões pessoais, que eu não vou apontar aqui (e elas existem), tem também a ver com o prazer de estudar. Alex disse que estava tendo muito prazer em estudar. Outros dizem que não. No nosso encontro do dia 16, acho que esse deve ser um ponto a ser discutido.

Para ajudar a pensar sobre, sugiro o texto que está nesse site: http://cev.org.br/biblioteca/a-escola-prazer-o-lazer-numa-instituicao-voltada-para-obrigacoes

Ele trata mais do ensino fundamental e médio, ao que parece, mas também pode ser útil para nossas reflexões.

Um abraço, desde Quito,

Leandro

sábado, 26 de setembro de 2009

Aviso e novo cronograma

Pessoas, tudo bem?


Segue abaixo o nosso cronograma até o final de semestre, com os ajustes que eu disse em sala que faria. Na sala expliquei que, em função de mais uma viagem a trabalho, a aula do dia 2 de outubro será ministrada pelo professor Adalberto Santos (ele tb passará uma lista de presença na sala - digo isso pq vários alunos já estão com 3 ou quatro faltas - mais de 4 faltas e o aluno está reprovado).



Adalberto dará uma aula sobre arte e tradição, tema de suas pesquisas. Assim, nosso tema de educação começará a ser discutido no dia 16, com o texto do Boaventura Santos, que está na xerox em nossa pasta. Nesse dia, como todos sabem, vcs devem entregar o roteiro de leitura, é o último roteiro. Quem quiser esse texto em pdf, mande mail para leandro.colling@gmail.com



Na nossa aula de sexta, encerrou o prazo para entrega de trabalhos anteriores. NÃO VOU RECEBER MAIS NENHUM TRABALHO ANTERIOR, POR FAVOR, NÃO INSISTAM. O meu adiamento de alguns prazos, infelizmente, foi interpretado por muitos como falta de rigor nos prazos, ou falta de prazos. Portanto, somente aqueles com quem já conversei na última semana podem entregar as versões finais dos trabalhos no dia 16 de outubro.


Gostaria também de dizer que lamentei muito as ausências da última aula. Creio que as pessoas perderam uma oportunidade de dialogar com um artista transgressor (não estou aqui avaliando a qualidade artística das obras do referido artista).


Era isso, e até dia 16.


OUTUBRO
2 – Aula sobre arte e tradição, com professor Adalberto Santos, do IHAC. (Leandro não estará em sala nesse dia)
9 – Congresso na Bolívia (não teremos aula)
16 – Início das discussões sobre Educação, conhecimento, informação. Ler SANTOS, B. de S. Da Idéia de Universidade à Universidade de Idéias. In: Pela Mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1999, p.187 a 226. Entrega do roteiro sobre esse texto.
23 – Continuação das discussões sobre Educação, conhecimento, informação e Revisão dos conteúdos e divulgação das perguntas da prova
30 – prova (sorteio de perguntas divulgadas com antecedência. Prova sem consulta)


NOVEMBRO
6 – Entrega dos projetos e acompanhamento dos trabalhos em desenvolvimento
13 - acompanhamento dos trabalhos em desenvolvimento
20 – Entrega dos trabalhos projetados e apresentação em sala
27 – apresentação dos trabalhos em sala


DEZEMBRO
4 – Entrega dos trabalhos corrigidos e notas. Avaliação do semestre


Formas de avaliação acordadas:
Primeira nota: Roteiros de leitura dos textos obrigatórios: peso 10
Segunda nota: prova (peso 10)
Terceira nota (dividida em):
projetos de pesquisa e/ou artísticos: 1,0
apresentação dos trabalhos em sala: peso 1,0
texto e/ou produto artístico: 8,0

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Nossa próxima aula

O cantor e compositor da banda Solange tô aberta, Pedro Costa, participa de um bate-papo com alunos no IHAC, nesta sexta-feira, dia 25, às 18h30, na sala 101 do PAF 3.

A atividade fará parte do componetente curricular de Estudos da Contemporaneidade II, ministrado pelo professor Leandro Colling, que está discutindo o tema arte e transgressão.

“Pedro vai falar sobre a sua experiência e eu vou explicar como eles utilizaram a teoria queer para formar a banda e transgredir as fronteiras dos gêneros (inclusive musicais). Todos os interessados em participar estão convidados”, explica Colling.

Quem deseja conhecer a banda, pode acessar os seguintes sites: http://esquizotrans.wordpress.com/2008/10/29/sobre-solange-to-aberta e www.youtube.com/solangetoaberta

Para saber um pouco sobre teoria queer, acesse http://www.cult.ufba.br/maisdefinicoes/TEORIAQUEER.pdf

O VALOR COGNITIVO DA ARTE (texto de Aires Almeida) Lisboa,2005

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Que a arte tem valor é algo que ninguém contesta seriamente. Mas o que faz a arte ter valor? Formalismo, hedonismo e instrumentalismo estético são algumas das principais teorias candidatas a explicar o valor da arte. O formalismo defende que as obras de arte têm valor intrínseco e que este é independente de quaisquer aspectos extra-artísticos. O hedonismo defende que a arte tem valor porque é um meio para obter prazer. O instrumentalismo estético defende que a arte é valiosa porque nos proporciona experiências estéticas compensadoras. Por diferentes razões, nenhuma destas teorias do valor responde satisfatoriamente ao problema. Uma alternativa mais credível é o cognitivismo, de acordo com o qual a arte proporciona conhecimento, sendo esse conhecimento que justifica o valor da arte qua arte. Nesse sentido, argumenta-se que as obras de arte, incluindo muitas obras de música instrumental não programática, são objectos intencionais. Intencionalidade que decorre das suas propriedades expressivas e representacionais, sendo a música instrumental capaz de exprimir e também de representar emoções. Assim, o conhecimento proporcionado por muitas obras de música instrumental é um conhecimento experiencial do nosso repertório emocional e decorre das propriedades estéticas das obras musicais. Conclui-se, mostrando, por um lado, que o cognitivismo estético não está comprometido com a ideia de que todas as obras de arte têm valor cognitivo — mas apenas com a tese de que as obras de arte paradigmáticas têm, tipicamente, valor cognitivo — e, por outro lado, que também não está comprometido com qualquer teoria normativa da arte.
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Aluno: C_BERNAS

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Plágio

Pessoas, encontrei dois plágios em trabalhos. Dou nota zero para alunos que praticam esse crime.

"O plágio é crime tipificado no art. 184 do Código Penal e com cominação de pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa."

vejam mais em http://prtr.blogspot.com/2008/10/plgio-crime.html

Arte e contexto

Recebi esse texto, via mail, da professora Elaine. Vejam que interessante.


"Quanto vale um artefato de luxo sem a sua etiqueta de grife?

Um cara desce na estação do metrô de Washington D.C, vestindo roupa casual: jeans, camiseta e boné, encosta-se próximo à entrada, tira o violino da caixa e começa a tocar com entusiasmo para a multidão que passa por ali, bem na hora do rush. Ele coloca em sua frente o case do seu violino e aos poucos alguns apressados deixam uns trocados (chamados de "pennys e quarters") na case do seu violino.

Durante os 43 minutos que tocou, foi praticamente ignorado pelos pouco mais de 1.000 usuários do metrô. Ninguém sabia porém, que o músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, executando peças musicais consagradas num instrumento raríssimo, um violino feito a mão por Anthonio Stradivari em 1713.

Este pequeno violino foi fabricado no "golden period" do luthier, período este quando Stradivari teve acesso as melhores matérias primas. Hoje este violino é estimado em mais de 3 milhões de dólares. Durante este evento Joshua fez questão de usar o valioso violino.

Alguns dias antes Bell havia tocado o mesmo "set list" no Symphony Hall de Boston, onde os melhores assentos tinham o custo aproximado de 1.000 dólares. E, pasmem, todos os ingressos foram vendidos! A apresentação teve sessão esgotada em poucas horas.

A experiência, gravada em vídeo, mostra homens e mulheres de andar ligeiro, copo de café na mão ou celular no ouvido, crachá balançando no pescoço, indiferentes ao som do violino. A iniciativa realizada pelo jornal The Washington Post era a de lançar um debate sobre valor, contexto e arte.

A conclusão da experiencia: estamos acostumados a dar valor às coisas quando estão num contexto. Joshua Bell e seu raríssimo Stradivarius eram uma obra de arte sem moldura. Um artefato de luxo, porém sem uma etiqueta de grife.

O vídeo da apresentação no metrô de Washington está no You Tube. Basta > procurar por: "Stop and Hear the Music" -- ou acessar diretamente o link: http://br.youtube.com/watch?v=myq8upzJDJc

Pra se interessar pelo assunto, encontrei o link do artigo completo > redigido e publicado no jornal The Washington Post em janeiro de 2008:> > > http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2007/04/04/AR2007040401> 721.html


PS: apenas como último comentário, as apresentações de Joshua Bell em seu Stradivarius, custam aproximadamente USD 150.000,00 (cento e > cinqüenta mil dólares!!!) por uma apresentação de cerca de uma hora. Neste evento no metrô, o mesmo set list, com o mesmo músico e o mesmo violino Stradivarius arrecadou USD 32,17 (pouco mais de trinta e dois dólares!!!).

É o valor da obra de arte, sem a sua devida grife!"

Vejam tb o vídeo de uma apresentação dele em um teatro: http://www.youtube.com/watch?v=3hkvkbuctiU&NR=1

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Aviso importante

Os alunos e alunas que ainda não entregaram todos os roteiros de leitura (foram 3 até agora - textos de Sarita, Canclini e João Teixeira) podem entregar os trabalhos até a próxima sexta-feira, dia 18 de setembro, impreterivelmente.

Esses roteiros devem conter o seguinte: cinco idéias centrais de cada texto MAIS uma rápida análise de algo contemporâneo. Essa análise deve ser feita à luz de alguma ou algumas das idéias de cada texto. Por exemplo: como podemos analisar algo da nossa realidade com as discussões sobre território e territorialidade?

Na nossa próxima aula, o quarto roteiro deve ser entregue, sobre o texto de Marcelo Coelho (Crítica cultural - teoria e prática). O texto foi enviado para a nossa lista e também está na xerox da Facom. Quem não recebeu o texto pelo e-mail, é só pedir: colling@oi.com.br

Lembro ainda que outro texto deverá ser entregue dia 25 de setembro. Nesse texto, o aluno deve estabelecer relações entre o texto sobre crise econômica com o filme A arquitetura da destruição, exibido em sala na última sexta, dia 11 de setembro.

Ao trabalho.

Boa semana, Leandro

domingo, 13 de setembro de 2009

Ainda sobre nossa última aula

Pessoas, ao final de nossa aula da última sexta, lembrei dessa entrevista que fiz em 2000, quando eu era repórter do Correio.
Um abraço, Leandro


“Fui ao banheiro da UFBA e vi a suástica na parede’

Pingue-pongue / Paul Gilroy

Leandro Colling Correio da Bahia, 08/08/2000, caderno Folha da Bahia.

Professor de Sociologia e Estudos Afro-americanos da Yale University (Estados Unidos), Paul Gilroy, 44 anos, esteve em Salvador, no final do mês passado, participando do VII Congresso da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic). Além de palestrar, ele também lançou aqui o seu mais novo livro Against race (416 páginas, U$29,95). Gilroy ficou conhecido internacionalmente com o livro The black atlantic (280 páginas, U$14,95). Ambos foram editados pela Harvard University Press e podem ser adquiridos pelo site http://www.hup.harvard.edu/.

Nesta entrevista, traduzida pela professora Liv Sovik, ele retoma algumas das suas preocupações como a presença do fascismo na sociedade contemporânea, a redução dos negros a meros símbolos, a validade da crítica ao pensamento de Gilberto Freyre.

Folha - Gostaria de começar repetindo uma pergunta que a professora Luiza Bairros, ligada ao movimento negro da Bahia, fez após a sua palestra no Congresso da Abralic. O senhor sugeriu uma mudança de ênfase no conceito de diáspora, não apenas relacionando-o com a idéia de movimentação de pessoas. Qual é a aplicabilidade do conceito para os movimentos negros do Brasil?

Gilroy - O conceito de diáspora tem maior utilidade quando é mais ligado à história da violência e terror. A visão mais escolástica o vê como sinônimo de viagens e produz uma inocência que, para mim, é profundamente preocupante. É muito fácil somatizar o deslocamento se você está numa situação confortável. Na intervenção que ela fez, enfatizou a elasticidade do conceito. Eu acho que a elasticidade é um dos motivos pelos quais vale a pena brigar por esse conceito. O que me interessa é a forma em que resistem as inclinações disciplinares e autoritárias dos que querem construir a nação. Mesmo quando eles têm boas intenções, acabam envolvidos em outras dinâmicas. No momento em que o nacionalismo insurgente se torna um nacionalismo governamental, está aí um umbral que precisamos olhar com cuidado. Porque o nacionalismo, em todas as suas formas, é um conjunto de patologias.

F - Na palestra, o senhor falou que essa mudança de ênfase do conceito de diáspora pode interromper a lógica daquele que tem o poder de determinar a identidade cultural. Como isso pode ocorrer?

PG - Existem diversas camadas nesse processo. A primeira é a circulação das pessoas, em geral relutantemente. É uma viagem forçada e por obrigação. Em segundo lugar, está a circulação de culturas materiais. Os objetos, à medida que circulam, podem transcender o seu estatuto de simples ou meras mercadorias. Em terceiro lugar, temos a circulação de idéias e mentalidades, a sensibilidade com relação ao mundo natural, externo e interno. Todas essas camadas contribuem com esse processo. E, depois, entram os processos tecnológicos, os complexos tecno-culturais promovendo diferentes padrões ou modelos de solidariedade. O meio acadêmico se identifica muito melhor com o movimento de culturas textuais do que com outros complexos tecnológicos e as formas em que a vida das pessoas pode se conectar.

F - Ao falar da terceira camada desse processo, lembro do seu novo livro, Against race, onde o senhor defende que a mídia reduz as pessoas negras a meros símbolos. O senhor poderia desenvolver esta afirmação? Em que segmento da mídia, o senhor vê isso com mais ênfase?

PG - Quando eu escrevi esse livro, estava pensando na revolução fascista política dos anos 30. Eu vejo esse momento como uma inovação primária política. Uma das formas em que isso se registra é na discussão, já antiga, chamada de estetização da polícia. Eu queria desenvolver essa discussão tomando outro rumo. Não como a política é fruto do ser espectador e da diversão em massa, mas rumo à presença dos significantes icônicos. Os símbolos destilados que são parecidos com esses planetas pesados que nós conhecemos, onde a matéria é tão densa que uma colherinha de chá já fura a terra. O surgimento destes significantes icônicos está ligado com a proibição da fala que os regimes autoritários e totalitários exigem.

F - O senhor poderia dar um exemplo?

PG - O símbolo da Nike vira um choque posterior ao da suástica. Esse aspecto de associação se dá através das rotinas da cultura da empresa. Me interessei em saber o que acontece com o corpo do negro nessas circunstâncias. Para tomar um exemplo óbvio, que não é o de Pelé, cito a figura de Michel Jordan. Eu sei que há algumas resistências a essas questões aqui, mas eu sei que ainda estão presentes. Se você compra a roupa com a grife dele, a logomarca é uma imagem dele pulando no ar com uma bola na mão. Isso torna-se um ícone em si mesmo. Eu queria entender como essa mentalidade empresarial tratou desta política identitária. A necessidade de saber e ter certeza de quem se é em circunstâncias que produzem uma ansiedade em torno de quem se é. Isso foi colonizado por interesses empresariais.

F - Então, o negro se transformou apenas num símbolo de vitalidade e isso também tem importância, mas não uma importância substancial?

PG - Na história do pensamento da raça, que divide claramente os atributos do corpo com os atributos da mente, aos negros foram delegados os atributos do corpo há muito tempo. Mas o diferente é que neste momento pós-moderno, a atividade corporal adquiriu um novo prestígio que atravessa culturas. Eu já observei da janela do quarto do hotel (ele estava hospedado na orla da Barra), os cidadãos privilegiados que estão fazendo exercícios na academia ali em frente. Esta é a cena primal do pós-moderno. É diferente, me parece, do praticar capoeira na praia.

F - No seu novo livro, o senhor também fala que o poder de sedução do fascismo não morreu com o fim dos fornos na Alemanha. Onde o senhor identifica o fascismo com mais força?

PG - Quando eu fui ao banheiro na universidade (UFBA), vi uma suástica na parede. Eu sei que vocês têm aqui um movimento neonazista pequeno. Quando perguntei a respeito, alguém me falou que queriam deportar os judeus, homossexuais e outras pessoas do Nordeste. Me pareceu que não iria sobrar mais ninguém. Eu não estou tão preocupado com as pessoas que colocam um crachá com a sua filiação ao fascismo dos anos 30, ou anunciando isso com uma linguagem política. Estou interessado nas pessoas que repetem os hábitos, os gestos, a solidariedade e as hierarquias como a pureza daquela política, sem dizer que são membros daquele grupo. Mesmo as pessoas que foram oprimidas podem ser vulneráveis a essa sedução. Essa é uma mímese muito perigosa deste poder. Podemos ser vítimas de manhã e, à tarde, podemos ser quem realmente aplica este mesmo terror. Isto tem a ver com o meu argumento em torno da falta ética em torno do nosso anti-racismo. A história do sofrimento não pertence apenas às vítimas e seus dependentes, mas tem um significado maior. Se as pessoas avançam em boa fé, podem ousar lançar mão disso e serão julgadas a partir daí, a partir do que fazem com a sua história.

F - Na palestra e também no novo livro, o senhor disse defender a aceleração da morte da raça. Como essa proposta repercute entre os próprios negros, depois de todo um movimento que tenta a afirmação da raça?

PG - Não me interessa tanto a morte da raça quanto a morte do racismo. Isso é o mais importante. Eu acho que podemos trabalhar melhor contra o racismo quando nós não antagonizamos a diferença racial. Existe um argumento histórico também. Depois da revolução da biotecnologia, e o surgimento do que na palestra eu chamei de biocolonialismo, temos um patrimônio em nossas assinaturas do nosso DNA. Não acho que a definição de raça do Século XVIII vai sobreviver a este encontro. Não implica que a ciência vai desmontar o racismo para nós, mas nos lembra que o discurso racial muda com o tempo e que, com a biotecnologia e o biocolonialismo, ele está passando por uma grande mudança. É possível que as aspirações eugênicas que acompanharam este movimento nostálgico vão nos dar saudades da época da raça.

F - Ainda é importante fazer a crítica a Gilberto Freyre sobre a miscigenação e responsabilizar ele pela criação do mito da democracia racial no Brasil?

PG - Como forasteiro, eu observo que este mito permite que a burguesia não se sinta nada pressionada sobre o racismo que existe no Brasil. Até que este recurso não exista mais, esta crítica terá que ser feita. Mas é uma crítica que não deve ser descartada inteiramente porque é o nosso alerta de padrões ou modelos de interdependência que ainda são muito importantes. A negrofobia e a negrofilia podem co-existir.

F - É a primeira vez que o senhor vem ao Brasil? Quais as suas impressões sobre Salvador?

PG - Sim, é a primeira vez. Há muito tempo que eu queria vir, mas seria errado vir sem ter um ponto de diálogo. Eu queria ouvir o que as pessoas estão dizendo. As impressões são um pouco misturadas, mas chamou a atenção a ambivalência de um Pelourinho disneyficado. Na palestra, eu quis dizer que o Pelourinho não era um lugar de memória da maneira que eu esperava. É estranho quando você vê o material turístico que nós recebemos aqui, como visitantes privilegiados, e a palavra escravidão nunca ser mencionada. Nós somos informados que a indústria açucareira teve um grande boom no Século XVIII. Me parece que a incapacidade de falar a palavra escravidão não é um bom sintoma.

sábado, 12 de setembro de 2009

Ainda cidades - hoje na Folha

ANÁLISE

Paris mira o futuro para evitar catástrofe

FERNANDO SERAPIÃO

ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando Georges Pompidou idealizou o Beaubourg para o bairro do Marais, em Paris, nasceu um novo paradigma na arquitetura e no urbanismo universal: um potente edifício cultural, que misturasse arquitetura de vanguarda e intensa programação, poderia renovar espontaneamente áreas degradadas (a equação não é tão simples assim e nem sempre eficaz: vide a Luz, em São Paulo).

Uma década depois da abertura do prédio, outras regiões de Paris foram renovadas com essa estratégia: François Mitterrand construiu projetos culturais grandiosos -como, por exemplo, a pirâmide do Louvre e o Museu d'Orsay. Esses dois fatos consolidaram o início da era dos museus, que aposta em projetos arquitetônicos midiáticos e que teve o seu ápice longe de um tecido urbano histórico: Frank Gehry, um ex-caminhoneiro, colocou Bilbao no mapa global ao desenhar a filial espanhola do Museu Guggenheim.

De lá para cá, o aquecimento da economia mundial colocou a arquitetura contemporânea de cabeça para baixo: estranhos edifícios, encomendados por políticos e instituições, saíram das pranchetas das grandes estrelas do mundo arquitetônico.

Tal como aconteceu recentemente no MIS (Museu da Imagem e do Som) do Rio de Janeiro, os contratantes não pensam somente em bons projetos: preocupam-se, sobretudo, em criar "ícones arquitetônicos" (é necessário que se diga: quase ninguém chegou lá). Após a recente crise da economia mundial, os críticos mais ligeiros apostaram no fim dessa lógica perversa. O presidente dos EUA, Barack Obama, ajudou no raciocínio quando anunciou investimentos na construção de escolas, parques, habitações públicas etc.

Plano de Sarkozy

Mas coube novamente a um presidente francês criar novo paradigma. Deixando de lado os edifícios midiáticos, Nicolas Sarkozy idealizou o Grand Paris, um conjunto de ideias que pretende pensar o futuro das grandes metrópoles. Assim, a discussão deixa o âmbito estético e vai para o plano urbano, visando o bem-estar de todos, a sustentabilidade no pós-Kyoto. É a primeira vez que um presidente de um país central convoca grandes cérebros para pensar o assunto.

O problema imediato de Paris é a articulação entre o centro histórico, rico, e a periferia, de imigrantes pobres. E as soluções apresentadas são diversas. Agora, vem a fase mais difícil que será analisar a pertinência das ideias e, possivelmente, colocar algumas em prática. Só o tempo dirá se é ou não um golpe de marketing político. Seja como for, a ação tem, desde já, grande virtude: nos convoca a discutir o futuro realista da cidade, que fica entre a utopia e a catástrofe.

Assim, podemos deixar de lado o curto raciocínio da ampliação de avenidas ou da construções de novas pontes. Fica a pergunta: qual cidade tendes em mente?

FERNANDO SERAPIÃO é arquiteto e editor-executivo da revista "Projeto Design

Na FSP de hoje

MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma cidade flexível, repleta de parques por diversos bairros, transporte fácil e qualidade de vida acessível a todos os habitantes. Essa metrópole ideal, imaginada pelo arquiteto Christian de Portzamparc, é quase uma utopia, frente aos graves problemas enfrentados por locais tão diversos como São Paulo, Paris e Pequim.

"Paris, assim como São Paulo, está à beira do colapso", afirma Portzamparc, 65, o principal arquiteto em atividade na França e ganhador do Prêmio Pritzker (o Nobel da arquitetura), no ano de 1994.

"Quando eu falo na França que Paris vive os mesmos problemas de São Paulo, as pessoas acham que é um exagero, mas não é", diz ele. "As metrópoles são fenômenos novos. Suas dificuldades devem ser enfrentadas de novas maneiras."

À frente de um dos dez escritórios de arquitetura contratados pelo governo Sarkozy para reformular o urbanismo da Grande Paris em um período de 20 a 40 anos, Portzamparc esteve em Brasília na segunda e na terça para participar de seminário internacional sobre as metrópoles.

De lá, pela TV, viu o caos que se abateu sobre São Paulo após temporal, na terça. "É uma situação esperada. Privilegiar grandes vias expressas [como as marginais] e o transporte individual termina por criar coisas desse tipo."

Para Portzamparc, as grandes avenidas criam, pouco a pouco, bairros-enclaves, que não se relacionam com o restante da cidade de forma sustentável. "Em Paris, por exemplo, essa circulação expressa cria setores segregados. Isso cria espaços sem futuro, que vivem unicamente de um tipo de atividade. Uma cidade sustentável tem de ser flexível."

Por isso, o arquiteto observa semelhanças entre as atuais configurações da capital francesa e seus arredores e da Grande São Paulo. "A separação física e social, os problemas gerais de transporte, resultaram, em 1995, na grande onda de violência pela qual passaram Paris e outras cidades francesas. São Paulo não passou por isso, mas também vive um problema grave de circulação."

Pequim, que o urbanista visitou recentemente, também está optando por um modelo errado, segundo ele."É uma loucura, eles têm seis ou sete autoestradas periféricas e não investem nada em transporte público. Por que não? Porque todas as indústrias automobilísticas estão lá e vão investir em décadas de crescimento do mercado automobilístico na China, uma coisa imensa."

Soluções

O conceito de cidade flexível proposto por Portzamparc para Paris reinventa uma antiga ideia sua, a de quadra aberta, junto de grandes intervenções sobre o tecido urbano da capital e seus arredores. O plano cria "arquipélagos" verdes, parques espalhados por diversas regiões e espaços ociosos de linhas férreas.

Transporte coletivo é outro foco do programa, com a construção de um monotrilho (espécie de metrô) sobre o atual anel periférico da Grande Paris, além de outras linhas para integrar todas as cidades.

"Falo em quadras abertas há 20 anos, cujo centro é a rua, uma invenção extraordinária. Temos de revalorizar a rua, que é a verdadeira organização espacial de democracia, onde pobres e ricos andam lado a lado."

Brasil

Fascinado pela arquitetura brasileira feita por nomes como Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy (1909-1964, que projetou o MAM Rio), "a melhor do mundo quando a estudava na adolescência, nos anos 60", Portzamparc diz que espera que seu projeto no Rio, a Cidade da Música, seja concluído no final do ano que vem.

"Seria uma coisa desastrosa se não a finalizassem. Existem detalhes de acústica muito específicos que devem ser seguidos. O público de um concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira e da Osesp, por exemplo, merece receber um bom som."

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Na FSP de hoje

SILAS MARTÍ

DA REPORTAGEM LOCAL

No verão de 1974, Andy Warhol decidiu mudar seu estúdio para um prédio no outro lado da rua, da Union Square West para uma esquina da Broadway. Queria juntar no mesmo piso as obras e objetos que já ocupavam três andares do ateliê que deixava para trás -o mesmo onde levou tiros calibre 32 no baço, estômago, fígado, esôfago e nos pulmões disparados pela atriz Valerie Solanas, num atentado em 1968.

Sobreviveu e, seis anos depois, quis abrir uma nova Factory, nome que dava a seus estúdios. Não queria estranhos mexendo nas coisas e determinou que seus assistentes pessoais teriam de carregar tudo para o novo endereço. Então um deles, Vincent Fremont, desceu à rua e voltou com centenas de caixas modelo 42 F da A & A Carton Company.

"Disse que as caixas poderiam ser como cápsulas do tempo, e o Andy gostou muito disso", lembra Fremont, que dirigiu a Factory por 20 anos. "Ele passou a ter sempre uma caixa perto da mesa dele e jogava tudo dentro. Fez isso até morrer."

De 1974 a 1987, quando Warhol não sobreviveu a uma cirurgia na vesícula, conseguiu encher 610 caixas com tudo que passou na sua vida: desenhos, anotações, convites, fotografias, até restos de comida.

Agora o Museu Andy Warhol, em Pittsburgh, contratou quatro arquivistas para catalogar tudo que foi encaixotado pelo maior nome da pop art e pretende lançar neste mês um blog para destacar, semana a semana, os tesouros de Warhol.

Tem um pôster autografado de Jackie Kennedy nua, cópias assinadas de livros de Tennessee Williams, Truman Capote e Allen Ginsberg. Um pedaço embolorado de um bolo de casamento, pão mofado, pastilhas de menta. Cartas de Elizabeth Taylor e Arnold Schwarzenegger, convites para a festa de inauguração do Studio 54.

"Andy guardava tudo e todos os tipos de coisas, de envelopes vazios ou nunca usados a grandes cartas de celebridades", conta Matt Wrbican, arquivista do museu. Ele deve passar os próximos seis anos mergulhado nas pilhas de caixas, tempo que deve levar para inventariar o que sobrou da vida de Warhol.

É como se o artista que fez do escrutínio da condição de celebridade o mote central de sua obra agora virasse vítima da própria lógica, uma estrela fetichizada um tanto em vida e cada vez mais depois da morte.

Nos inventários dos itens de algumas caixas, obtidos pela Folha, estão instruções detalhadas para preservar até mesmo um pedaço de pão num embrulho plástico, já invadido por insetos que devoraram parte das sobras. Também foram contadas as balas Altoids esquecidas em várias embalagens -estão nas caixas 171 e 227.

Esse cuidado obsessivo se sustenta na visão de parte do entourage do artista, que vê o conjunto de suas cápsulas do tempo como obra. Ele mesmo considerava, como escreveu em seus diários, que essas caixas poderiam ser trabalhos em si. Pensou até em vender algumas delas, mas não conseguia se desfazer de quase nada.

"Encaramos mesmo isso como obra de arte, um trabalho em série, com 600 partes", diz Wrbican. "No diário, ele falava em vender isso tudo, só que às cegas, já que o comprador não poderia olhar o que estava na caixa antes de levar para casa."

Obsessão pelo comum

Warhol nunca foi em frente com a ideia porque gostava de acumular tudo, num colecionismo voraz de fragmentos do tempo, índices banais da época. "Ele não conseguia jogar nada fora", lembra Wrbican. "Andy gostava de tudo em grandes quantidades, não comprava um de nada, eram sempre dez, adorava ter muitos múltiplos de múltiplos", completa Fremont.

Mesmo das coisas sem valor. Warhol tinha obsessão pelo comum, a coisa qualquer, e gostava mais ainda se fosse algo que não era vendido. Roubava talheres de trens e aviões, fazia estoques de caixinhas de fósforo quando ainda eram distribuídas nos voos da Air France.

"Era um processo de documentar o seu tempo, a cultura em que ele vivia, as pessoas que conhecia", descreve Fremont. "É um momento congelado no tempo, um pedaço dos anos 70 e dos anos 80 que vai durar enquanto houver essas caixas, como num mapa do passado."

Fremont também acredita que os índices reais da vida ardida de Warhol possam esclarecer algumas questões e desmontar mitos que surgiram em torno da Factory e os excessos de purpurina e anfetaminas.

Se essa mitologia apagou parte do discurso, também ressalta uma contradição. "Ser fascinado pelo que já foi é diferente de ser fascinado por algo que existe agora", diz Christopher Makos, fotógrafo que trabalhou com Warhol e registrava suas viagens pelo mundo.

"Andy era conhecido por ser do momento, queria ver o último filme, ouvir o último disco. Nem ele entenderia esse fascínio de agora por seu próprio passado."

E o passado de Warhol ofusca o presente dos que sobreviveram à Factory. Makos deve sua carreira fotográfica aos registros que fez do artista e até hoje é chamado para expor retratos e trabalhos daquela época.

Já Paul Morrissey, que produziu os filmes de Warhol, se ressente de ter sido sempre relegado a um segundo plano nos créditos. Ele vê na história das caixas uma metáfora triste da personalidade de Warhol. "Ele era uma caixa vazia e usava seu nome para apresentar o trabalho dos outros", diz Morrissey.

Mas não importa para a história e seus fetiches. "Só existe um Andy", diz Peter Wise, outro assistente do artista. "Da mesma forma que só existe um Elvis ou um Deus."

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

CRISE QUE DESAFIA A CAPACIDADE DE MUDANÇA

Um ano de cores sombrias: 2009 aparece em todas as previsões como o primeiro ano da maior crise mundial desde o fim da Segunda Guerra. Mas o ano que se inicia no dia 20 de janeiro, com a posse do primeiro presidente negro americano, promete ser também um ano de fortes mudanças. Barack Obama foi eleito com a promessa da mudança e, por conta do muito prometer e de formar um gabinete de adversários reunidos em torno de uma grande mesa de negociações, à sombra de Abraham Lincoln, o novo presidente tem quase tudo para decepcionar as altas expectativas em torno de seu governo. Para evitar o pior, terá que priorizar: milhões de empregos para a classe média e um plano de saúde para todos os americanos são as metas anunciadas já para 2009. Para tanto, Obama fala em investimentos iniciais de US$ 700 bilhões. Terá, porém, que investir bem mais. Investimentos maciços do governo são a única luz no fim do túnel de 2009. Para tanto, será preciso ampliar a dívida, emitir títulos do Tesouro, reorientar a economia na direção de energias alternativas e da redução da dramática dependência americana do petróleo importado. No front da política externa, as promessas mais aguardadas são a retirada das tropas do Iraque, o aumento de efetivos no Afeganistão e o fechamento de Guantánamo. Quem decidiu ter um gabinete de adversários numa grande coalizão nacional, incluindo democratas, republicanos e independentes na máquina governamental, terá que muito rapidamente aprender a dizer não e desagradar uns e outros.

Não será tarefa fácil. A audácia da esperança, para usar o jargão de Obama, vai depender sobretudo da capacidade do presidente em administrar conflitos sem perder a liderança. Obama recebe o pior legado do governo anterior desde Harry Truman. Mas conta com um Congresso de ampla maioria democrata nas duas casas. A luta será sobretudo interna ao Partido Democrata: correntes muito diversas disputam a hegemonia dentro do novo governo. Obama prevê para si mesmo o papel de fiel da balança, e deve tornar-se rapidamente um arriscado equilibrista na corda bamba de um país em forte convulsão interna, causada pelo alto índice de desemprego, que já beira 9% da força de trabalho, e pelos dolorosos ajustes de mercado. O Congresso americano, ao aprovar a ajuda emergencial para a indústria automobilística, já sinalizou o que deve dar a tônica do ano de 2009: a ajuda do governo terá como contrapartida a renegociação dos direitos trabalhistas, em nome da garantia de competitividade, num mundo em que os mercados asiáticos, sobretudo a China, pagam menos e produzem mais. A garantia de emprego vai cobrar o preço da perda de benefícios, o que certamente redefinirá o padrão de vida americano e o impacto da crise no consumo e, em consequência, em outras economias, sobretudo as emergentes. Qual o tamanho da queda? Esta é a incógnita de 2009.

O melhor cenário: negociações hábeis e rápidas, capazes de diversificar a economia e produzir ações globais, negociadas internacionalmente, para reverter ou amenizar os impactos da recessão, com expectativa de melhoria no primeiro semestre de 2010. O pior cenário: conflitos internos e impasses internacionais nos fóruns de negociações podem fazer com que a crise se arraste bem mais tempo e leve a uma depressão de médio prazo. O cenário mais provável: Obama deve decepcionar quem tem altas expectativas de mudança e agradar quem pensa simplesmente em sobreviver a tempos difíceis. De um modo ou de outro, o mundo de 2009 nunca mais será o mesmo de antes da crise.

(texto de Marília Martins - diário de Nova Yorque)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Para ajudar a entender a crise

TENDÊNCIAS/DEBATES

As políticas keynesianas à prova

PAUL SINGER

O combate a crises oferece oportunidades de expandir serviços e infraestrutura vitais para a qualidadede vida dos mais carentes

KEYNES demonstrou que o nível de atividade e emprego, em qualquer economia de mercado, depende da demanda efetiva por bens e serviços de consumo pelas famílias e por bens e serviços de investimento pelas empresas. Quanto mais as famílias consumirem e as empresas investirem, tanto mais crescerão a produção e o emprego. Se, por algum motivo, os gastos de consumo e de investimento caírem, a produção e o emprego os acompanharão na queda.

A crise resulta do encolhimento da demanda efetiva (como Keynes, também não consideramos aqui efeitos do comércio externo e do gasto público, para facilitar o entendimento).

A queda da demanda efetiva em muitos países, a partir de 2008, tem por causa a redução do crédito, resultante da crise de inadimplência causada pelo estouro da bolha imobiliária em 2006. Entre 2001 e 2006, bancos de investimento passaram a oferecer abundantes financiamentos para a compra de moradias, em condições muito favoráveis, o que fez a demanda por imóveis crescer à frente da quantidade posta à venda. Logo, os preços dos imóveis subiam o tempo todo, caracterizando a bolha.

Em 2006, o número de compradores começou a cair, enquanto a quantidade de prédios e casas em construção ainda crescia. A falta de compradores fez com que os preços dos imóveis começassem a encolher, decretando o fim da bolha. As famílias que haviam comprado moradias a prazo, cujos valores caíam abaixo da dívida por pagar, suspenderam sua amortização, dando aos bancos e aos fundos que possuíam esses créditos em carteira prejuízos totalizando muitos bilhões de dólares.

As instituições financeiras atingidas não tinham mais como cumprir suas obrigações com as demais, assim também alcançadas pelo vórtice da inadimplência. O resultado se tornou patente em 2008: as finanças de todas as economias nacionais globalizadas foram tomadas pelo pânico. Mesmo os bancos pouco atingidos suspenderam as operações de crédito, com medo de os tomadores ficarem inadimplentes. O crédito se tornou ultraescasso e a crise atingiu empresas não financeiras. A crise da indústria automobilística, por exemplo, se deveu à queda das vendas, relacionada ao encurtamento dos prazos de pagamento dos carros, e a formação de estoques invendáveis deixou a indústria sem dinheiro para pagar fornecedores e empregados, que haviam construído os carros encalhados nos pátios.

Processos como esses atingem paulatinamente todas as atividades econômicas, que tendem a parar se nada for feito. A política anticíclica keynesiana consiste essencialmente em ações do setor público em substituição ao setor privado, paralisado pelo pânico. Os bancos públicos "salvam" tanto bancos privados em crise -oferecendo-lhes o crédito que eles se negam mutuamente- como empresas não financeiras em crise.

Além disso, as instituições governamentais podem ampliar a oferta de serviços públicos -educação, saúde, pesquisa, saneamento, segurança, justiça etc.-, pois, diferentemente das firmas privadas, não visam lucro e não correm o risco de quebrar.

Os governos são responsáveis pela construção, conservação e restauração da infraestrutura urbana -de transporte e energia, entre outras- e as promovem até o limite de seus recursos orçamentários, quase sempre aquém das necessidades. O combate a crises oferece oportunidades para expandir serviços e infraestrutura vitais para a qualidade de vida dos mais carentes. Além disso, governos democráticos distribuem renda diretamente aos mais pobres, sob a forma de Bolsa Família, cestas básicas, merenda escolar, habitação de interesse social e reforma agrária. Na medida em que essas políticas são financiadas por impostos arrecadados dos mais ricos, a demanda efetiva de consumo sobe, contribuindo diretamente para o aumento da produção, do emprego e do investimento.

Como os ricos entesouram rendas adicionais -ao passo que os pobres as gastam para satisfazer suas necessidades mais urgentes-, a redistribuição de renda financiada pelos impostos pagos pelos primeiros contribui com o aumento de produção, emprego e investimento e, portanto, com o combate à crise. Todas essas políticas ativam a economia e ao mesmo tempo a tornam socialmente mais justa. Elas terão sucesso, no entanto, apenas se puderem superar o pânico e restaurar a confiança na sociedade civil de que a economia está reagindo e de que os primeiros a ampliarem suas atividades produtivas serão recompensados. O que, na prática, não deixa de acontecer.

PAUL SINGER , 76, economista, é professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (Universidade de São Paulo) e secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).

FSP São Paulo, quinta-feira, 19 de março de 2009

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Na FSP de hoje

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

DA REPORTAGEM LOCAL

Era o dia 7 de agosto, Lucas Santtana passeava de bicicleta pelo bairro do Leblon, na zona sul carioca, quando o celular tocou. Um amigo ligava para avisar que seu mais recente CD, "Sem Nostalgia", ainda a caminho das lojas, estava recebendo comentários faixa a faixa, naquele instante, no Twitter.

O miniblog, que só aceita intervenções de até 140 caracteres, não é o espaço mais bem bolado para o exercício da crítica musical. Por isso mesmo Lucas gostou ainda mais da notícia. Usar ferramentas e instrumentos de maneira criativa é uma das coisas que admira. E foi o que procurou fazer em "Sem Nostalgia", disco raro, cool e inventivo, já entre os melhores do ano, que terá show de lançamento paulista na sexta-feira, no Sesc Pompeia.

O CD é feito apenas com voz e violões -acompanhados por sons ambientais, programações eletrônicas e "arranjos de insetos". Cinco das 12 canções têm letras em inglês -e três delas são parcerias com Arto Lindsay. O onipresente músico Curumin e Ricardo Dias Gomes, da banda Cê, estão entre os convidados.

O responsável pelas "tuitadas" foi o jornalista Pedro Alexandre Sanches, ex-crítico da Folha, que mantém um blog e escreve sobre música para diversas publicações. Seus comentários sobre o CD atraíram fãs e propiciaram uma troca de posts entre ele e Lucas."Estabeleceu-se um acontecimento raríssimo. Artista e crítico conversaram quase em tempo real e publicamente sobre esse encontro -em geral um desencontro- da produção com a análise da produção", conta Sanches.

Ao final de uma hora, tempo que durou o divertido experimento, o crítico havia acrescentado mais de cem seguidores à sua lista- "provavelmente gente que seguia Lucas no Twitter". Provavelmente. O músico é assíduo frequentador da blogosfera e responsável pelo diginois.com.br, lançado em 2006, que oferece músicas e CDs para ouvir, baixar e remixar. "Sem Nostalgia" inclusive.

Na banda de GilNascido em Salvador, em 1970, Lucas é filho de Renato Sant'Ana, importante produtor musical, que criou, em 1961, o lendário espetáculo "Nós, Por Exemplo", com participação de Tom Zé, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Djalma Corrêa. Na Polygram, em fase áurea, produziu diversos LPs, entre os quais "Refavela", de Gil.Aos 13 anos, Lucas foi ter aulas na AMA, a Academia de Música Atual, escola particular criada em Salvador por professores universitários que haviam estudado na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Anos depois, ingressou na faculdade de música da Bahia, conhecida pela herança renovadora de Hans Joachim Koellreutter e Walter Smetak.

No período em que trabalhou como instrumentista (tocou flauta com Gil no "Acústico" e participou de sua banda durante três anos), Lucas usou o tempo ocioso das turnês para compor. Em 1998, o produtor Chico Neves o convidou para fazer um disco. Lançado em 2000, "Eletro Ben Dodô" teve uma mãozinha de Peter Gabriel, que gostou das canções e ofereceu gratuitamente seu estúdio londrino para a finalização do trabalho. Depois vieram "Parada de Lucas" (2003) e "3 Sessions in a Greenhouse" (2006), o primeiro a ser lançado na internet não apenas para download mas também para remix.

"Nesse quarto disco, eu já tinha a vontade de gravar só com voz e violão, mas achava que fazer isso de maneira tradicional não acrescentaria nada." O que faltava era encontrar o que Lucas chama de "textura" musical, aquilo que vai além da melodia e da harmonia -mas não é exatamente um "arranjo".

Para ele, a ideia de textura nos remete à pintura. "É a maneira como as tintas serão usadas, se serão adensadas ou não, se vão refletir essa ou aquela luz, se comporão esse ou aquele plano." Lucas considera que o conceito contemporâneo de canção se estende da composição básica à mixagem final.

Aos poucos a textura de "Sem Nostalgia" foi se desenhando. A ideia era expandir o uso do violão com samples de clássicos brasileiros, percussão no próprio instrumento e programações. Quanto a isso, "Super Violão Mashup", a faixa que abre o disco, é exemplar. Depois, vieram os sons de insetos, que ele havia ouvido no Museu de História Natural, em Londres.

Finalmente, diz o músico, "quis imprimir o som das salas de gravação, que está ali mas a gente não ouve porque é um som quase "invisível". Só as máquinas nos permitem obter esse superouvido, assim como usamos binóculos para obter um superolho".

Para discussão do módulo 3

Músico declara amor ao avesso pela tradição

MARCUS PRETO

DA REPORTAGEM LOCAL

Os insetos são o de menos. O que Lucas Santtana discute neste seu quarto e melhor álbum é a desgastada relação entre a canção feita no Brasil e seu instrumento essencial, o violão.

Tudo já foi inventado nas cordas de náilon de Dorival Caymmi, João Gilberto, Baden Powell, Jorge Ben, Gilberto Gil. Tudo já foi replicado -e diluído- à exaustão pelos que vieram depois deles. E agora, esgotaram-se as possibilidades?

Santtana comenta o enfraquecimento da "tradição violonística da canção brasileira" sampleando justamente ícones dela. É quase o que Caetano fez com a bossa nova quando arquitetou o projeto tropicalista.

No fim dos anos 60, a invenção transgressora de João Gilberto já estava diluída e, em seu nome, muito nhenhenhém era produzido. Para que as ideias iniciais de João não se perdessem nisso, Caetano se valeria de elementos dela própria para implodi-la. João, ele sabia, sobreviveria ao estrondo.

O violão também sobreviverá, sempre, como espinha dorsal da canção brasileira -e Lucas grita isso em seu disco. Mas o grito é dado para dentro, escondendo os nomes dos gênios "orgânicos" do instrumento -Caymmi, João, Baden etc.- por trás da liquidificação promovida pelos computadores.

É uma declaração de amor às avessas. Não à tradição, simplesmente -mas ao caráter subversivo que ela carregava em seus tempos iniciais, antes de se chamar "tradição". E uma declaração desse quilate só funcionaria dessa maneira, com boas doses de subversão.

Na FSP de hoje

No A Tarde de hoje

Crise urbana: não é o fim do mundo

Antonio Risério Escritor

De uns tempos para cá, é cada vez maior o número de pessoas que me dizem que, em matéria de crise urbana, chegamos a um beco sem saída. Estaríamos vivendo em cidades definitivamente encalacradas, à beira do colapso final. A propósito, costumo lembrara posição de Peter Hall contra a perspectiva apocalíptica de Lewis Mumford.

Em The culture of cities, Mumford argumentou que a megacidade mais não era do que uma parada ou estação na estrada para Necrópole, a cidade dos mortos. Por seu gigantismo disforme, terminaria estrangulada em suas próprias tripas urbanas. Esta visão da macrocidade estrangulada em seus próprios intestinos é retomada em A Cidade na história. “A desintegração de Roma foi o resultado final de seu supercrescimento, que resultou numa falta de função e numa perda de controle dos fatores econômicos e agentes humanos que eram essenciais à continuação de sua existência”, escreve Mumford.

Para ele, “a principalcontribuição de Roma ao desenvolvimento da cidade é a lição negativa de seu próprio super crescimento patológico”.

Vejam: “Todo centro megalopolitano supercrescido, hoje em dia, e toda província, fora dele, que é tocada por sua vida, exibe os mesmos sintomas de violência e desmoralização.

Aqueles que fecham os olhos para estes fatos estão repetindo, com mímica exótica, justamente os atos e palavras, igualmente cegos, de seus predecessores romanos”. E ainda: “Em toda parte onde se reúnem multidões em números sufocantes... Necrópole está perto, embora não tenha ruído sequer uma pedra”.

Escrevendo seis décadas mais tarde, Peter Hall diz, em Cities in civilization, que não pode partilhar a perspectiva mumfordiana, pelo fato de que “estamos mais longe do que nunca de assistir à destruição da cidade gigante.

Pelo contrário: rebatizada de Cidade Global, ela atrai desproporcionalmente as organizações que comandam e controlam a nova economia global, tanto quanto as agências de serviço especializado que as atendem; por esta razão, continua a atrair os talentosos e ambiciosos; e, justamente por isso, permanece um crisol único de criatividade”.

Em Cities in civilization, Hall defende que “nenhuma espécie de cidade, ou qualquer tamanho de cidade, tem o monopólio da criatividade ou do bem viver; mas que as cidades maiores e mais cosmopolitas, apesar de todas as suas desvantagens evidentes e óbvios problemas, têm sido, através da história, os lugares que acenderam a chamas agrada da inteligência e da imaginação humanas”.

Para lembrar o milenar conceito védico, podemos dizer que Mumford aponta para o advento da kali yuga, o mais tenebroso e desgraçado entre todos os ciclos das épocas humanas.

E que Hall, ao contrário, acena para uma futura idade de ouro da vida urbana, a partir da articulação ou da união de arte, tecnologia e organização. Por isso mesmo, Kotkin fala, a propósito de Hall, em The city: a global history, de um “novo otimismo”, fundado na passagem da economia industrial para uma economia baseada na informação.

Penso que o melhor é ter um olho mumfordiano e um olho halliano. E cruzá-los, sistematicamente, diante da realidade. Mas, em última análise, tendo mais para o ponto de vista de Peter Hall. Coisas decaem, sim. Cidades gigantescas, inclusive. Mas é preciso cultivar uma desconfiança essencial diante do elenco de teses que a armadilha e a realidade, simultaneamente inscritas na palavra decadência, têm gerado.

Num livro intitulado, justamente, A ideia de decadência na história ocidental, o historiador Arthur Herman escreveu:“Gostaria de salientar que, apesar de os intelectuais andarem prevendo o iminente colapso da civilização ocidental por mais de um século e meio, sua influência aumentou mais, durante este período, do que em qualquer outra época na história. Hoje, as instituições e os conceitos culturais [doOcidente] gozam de mais prestígiodo que durante o apogeu do império europeu e suas colonizações”.

Do mesmo modo que a cultura ocidental não decaiu, o grande núcleo urbano não experimentou o colapso. Nem acredito que vá experimentar.

Mas também não se tem dúvida de que a crise atual das grandes cidades é complexa, tremenda eassustadora. Pode não ser o fim do mundo. Mas, com certeza, é o fim de um mundo.

domingo, 30 de agosto de 2009

Na FSP de hoje

SÉRGIO DÁVILA

DE WASHINGTON

Chris Anderson, editor da revista de tecnologia e novas tendências "Wired" e um dos pensadores da internet, é o promotor de dois conceitos muito caros a esse meio. O primeiro é a "teoria da cauda longa", estratégia de negócio segundo a qual a meta é vender poucas unidades de muitos e variados itens, o que substituiria o popular modelo dos "best-sellers".

O segundo é o que ele chama de "freeconomics" ou a economia das coisas de graça, alicerçada no fato de que o custo de armazenamento e transmissão de conteúdo digital baixa cada vez mais. De onde vem o dinheiro? Do conceito "freemium", junção das palavras "free" e "premium": a maioria consome de graça ("free"), bancada por uma minoria que paga por uma versão de mais qualidade ("premium").

Ambos os conceitos foram desenvolvidos em artigos, viraram palestras e livros.O segundo surgiu recentemente em livro nos EUA e chegou neste mês ao Brasil. É "Free - O Futuro dos Preços" (Free - The Future of a Radical Price, no original). Nele, e na entrevista que deu à Folha por telefone, Anderson defende que, sim, diferentemente do que popularizou o economista Milton Friedman (1912-2006), existe almoço de graça -desde que a sobremesa seja bem paga por alguém.Nos EUA, a versão eletrônica do livro ficou disponível gratuitamente por alguns dias. Agora é vendida por US$ 26,99 [R$ 50], em papel, e US$ 9,99, versão eletrônica -o "audiobook" em inglês continua de graça e pode ser baixado do site do autor, www.thelongtail.com.

No Brasil, só papel e só a dinheiro: R$ 59,90 por 88 páginas. A editora Elsevier já vendeu a primeira tiragem, de 10 mil cópias, prepara a segunda e colocou os três primeiros capítulos de graça em www.elsevier.com.br.

FOLHA - Se a informação quer ser livre/de graça, por que tenho de pagar R$ 59,90 para ler seu livro?

CHRIS ANDERSON - Não tem. Poderia ir ao site e baixar o "audiobook" gratuitamente.

FOLHA - Sim, mas quem quer ler em português, caso da maioria dos leitores brasileiros, tem de desembolsar.

ANDERSON - Cada região tem um editor diferente, cada um tem um enfoque diferente para isso, uma estratégia própria.Nos EUA, era de graça. No Reino Unido, na Bélgica. A única parte que eu controlo é o "audiobook". Eu encorajei todos os editores a dar o livro, alguns aceitaram, outros não.

FOLHA - Por que um editor pagaria milhares de dólares pelos direitos de seu livro, outro tanto para traduzir, mais ainda para imprimir e distribuir e finalmente daria de graça aos leitores brasileiros? Faz sentido economicamente?

ANDERSON - O livro trata disso extensivamente, mas sim, eu acredito que, se feita corretamente, essa ação vai levar a mais vendas do livro, não a menos. Você não precisa dar a versão física, pode dar a digital.E, se você acredita que a versão física é a "premium", que as pessoas ainda preferem ler em papel por todas as razões óbvias, para manter, fazer anotações, ler na praia, então não precisa temer dar a versão digital de graça, pois será uma forma de marketing, de amostra que vai promover a física.

FOLHA - Em seu livro, o sr. defende que sim, há almoço de graça, no sentido de que há toda uma economia florescendo baseada em dar os produtos, e não vender. Como isso funciona no caso específico da indústria de conteúdo?

ANDERSON - Em primeiro lugar, não há nada de novo aí. O que está mudando é o conceito, que evoluiu de um truque de mercado para um modelo econômico. Essa mudança é impulsionada pela indústria tecnológica. A ideia de conteúdo livre tem cem anos: rádio é de graça, TV aberta é gratuita. O problema é que agora anúncios não são mais suficientes para sustentar o modelo. Daí o que chamo de "freemium", onde você dá a maior parte de seu conteúdo de graça, mas reserva parte dele, geralmente a melhor parte, para os que pagam.

FOLHA - O sr. cita Brasil e China como a nova fronteira da "freeconomics" e a forte presença de pirataria nos dois países como algo positivo. Como a pirataria pode ser benéfica para uma economia?

ANDERSON - Pirataria é uma palavra mal compreendida. Nem todo o conteúdo distribuído dessa maneira é pirata. Alguns são, outros são "pirateados", entre aspas, por vontade dos autores, que valorizam a distribuição gratuita. Um dos exemplos que dou é o tecnobrega brasileiro. Não é pirataria, porque os autores autorizam os camelôs a reproduzir e vender os CDs sem lhes pagar nada.Meu ponto é: conteúdo digital pode ser copiado e distribuído a um custo cada vez mais próximo de zero e, de uma maneira ou de outra, vai ser distribuído. Usar os mesmos canais de distribuição dos piratas será uma decisão de cada artista.Mas o fato é que essas são as forças motoras da atual economia, são intrínsecas à internet e à era digital e impossíveis de serem contidas. A pirataria não é boa para a economia, mas a distribuição gratuita sim, e os piratas são os primeiros a usá-la.

FOLHA - O sr. diz ter problemas com as palavras "mídia", "jornalismo" e "noticiário". Por quê?

ANDERSON - Eu sei o que "mídia profissional", "jornalismo profissional" e "noticiário profissional" significam. Mas como chamar quando isso é produzido por amadores? A maior parte do que eu leio hoje em dia está on-line e não vem desses canais. Está no Facebook, no MySpace, no Twitter, em blogs. Leio sobre amigos, família, hobbies. O que é isso? Eu não acho que a palavra "jornalismo" descreve o que está acontecendo. Acho que precisamos de novas palavras.

FOLHA - Ao mesmo tempo uma breve visita a sua conta no Twitter revela que o sr. segue o "New York Times", a revista "New Yorker" e várias outras contas da chamada mídia tradicional. Além disso, seu trabalho principal vem de editar uma revista de papel, a "Wired". Como o sr. concilia isso?

ANDERSON - Nós vivemos num mundo de hipermídia, onde não temos mais o monopólio sobre a atenção do leitor. Acho que há um papel para a mídia tradicional, mas há também um papel crescente para todo o resto. Nós vivemos em ambos os mundos. Você não vive em ambos os mundos?

FOLHA - Mas o sr. é o evangelista desse novo mundo e edita uma revista do velho mundo. Como concilia os dois?

ANDERSON - Nós usamos o modelo "freemium". O que está na wired.com é de graça, faturamos um pouco com a publicidade on-line, e isso levanta assinaturas para a revista, que é o nosso "premium".

FOLHA - Se o sr. me dá o conteúdo de graça on-line, por que eu pagarei por ele na revista?

ANDERSON - Porque não é o mesmo conteúdo, as palavras podem ser as mesmas, mas a revista é mais que palavras, é um pacote visual, com fotos, arte e um conceito de edição. De graça, você não tem o pacote.