domingo, 31 de maio de 2009

Mais Berlin e para continuar nossa discussão da segunda passada

Um pensador no meio do caminho

NEWTON BIGNOTTO, RICARDO MUSSE E FÁBIO WANDERLEY REIS FALAM DA DIFICULDADE DE CLASSIFICAR O OBRA DE BERLIN E O QUE É SER DE DIREITA HOJE

CYRUS AFSHAR
DA REDAÇÃO

Admirado pela direita, visto com desconfiança pela esquerda, o filósofo político Isaiah Berlin, que completaria cem anos no próximo sábado, era, sobretudo, um "humanista", na opinião de três destacados acadêmicos brasileiros ouvidos pela Folha. Newton Bignotto, professor de filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ricardo Musse, professor do departamento de sociologia da USP e Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor emérito também da UFMG, debatem seu legado e as implicações políticas e sociais de suas ideias e conceitos mais importantes. Para eles, os conceitos que consolidou -pluralismo, liberdades positiva e negativa- podem ajudar a compreender os interesses em jogo por trás dos conflitos nas democracias contemporâneas e ajudam a organizar o debate de ideias. Na entrevista abaixo, discutem também o que significa ser de direita no Brasil de hoje.

FOLHA - O que significa ser direita no Brasil? NEWTON BIGNOTTO - É uma pergunta difícil de responder hoje. Em primeiro lugar, porque essas noções, derivadas da Revolução Francesa (1789) e que tiveram tanta importância nos dois séculos que se seguiram, se dissolveram razoavelmente. E, sobretudo, no Brasil, onde poucas pessoas se declaram de direita, e nenhum partido político se declara de direita. O máximo a que podemos chegar, no cenário político, é encontrar pessoas com posições conservadoras, como em relação ao aborto ou ao modo de financiar campanhas. RICARDO MUSSE - Isaiah Berlin não é um teórico da direita brasileira. Ele é um liberal quase clássico em sua vertente, fortemente ligado ao Iluminismo. No Brasil, seria de centro-esquerda. Ele mesmo se diz, em seus textos, mais de centro-esquerda. Mas foi muito admirado por Noel Annan, um dos gurus da ex-premiê britânica Margaret Thatcher [conservadora]. Então, talvez por isso ocorra a associação. FÁBIO WANDERLEY REIS - Acho que ser direita em qualquer lugar do mundo pode ser posto em termos de certos valores que subsistem -apesar da tentativa de desqualificação de esquerda e direita que há por aí. Por um lado, [trata-se] da ênfase na ordem ou eventualmente na ênfase na adesão a uma dinâmica eficiente no plano econômico -do sistema capitalista em particular. Enquanto do outro lado, na esquerda, haveria a preocupação com a igualdade, promoção social dos destituídos, dos mais pobres, uma perspectiva mais igualitária, em que o valor básico da igualdade é um valor de referência. Quanto ao Brasil, não há a menor dúvida de que o grosso do eleitorado popular não entende essas categorias e as usa de maneira equivocada, que envolve confusões banais como [associar direita a] "ser um sujeito direito", coisas desse tipo.

FOLHA - Por que há, no Brasil, uma dificuldade de setores da elite política de se assumirem como "de direita", quando não ocorre a mesma coisa em outros países? BIGNOTTO - Os partidos políticos brasileiros, ou pelo menos a maioria deles, não têm um perfil político definido -e nunca tiveram. Mais que isso: temem ter esse perfil porque querem disputar eleitores em todas as faixas. Os próprios programas dos partido são muito vagos. E isso impede que haja uma identidade tanto programática quanto uma identidade ideológica. REIS - A [categoria] "direita" adquiriu no país uma conotação marcadamente negativa, transformou-se em uma pecha, em um xingamento -e as pessoas são levadas a se dissociarem disso.

FOLHA - Qual é a influência das ideias de Isaiah Berlin nas correntes políticas atuais? BIGNOTTO - Ele é tipicamente um pensador liberal, porque conduziu um combate contra os totalitarismos e contra forças que ele associava à formação dos regimes totalitários. Algumas de suas contribuições foram importantes.Por exemplo, foi ele que consolidou -não inventou- a distinção entre liberdade positiva e liberdade negativa. Outra contribuição fundamental foi ter chamado a atenção para a ideia de pluralismo ético. E ter dado tanta importância à ideia de liberdade é o que marca sua herança atual.

FOLHA - O que é o conceito de pluralismo de Isaiah Berlin? BIGNOTTO - A partir da leitura de Maquiavel e de escritores russos, como Tolstói e Dostoiévski, ele pensou: o que eles têm em comum? Para ele, têm em comum o fato de que sociedades diferentes vão ter conjuntos de valores diferentes. A pergunta que fica é: isso é relativismo? Ele responde: não, isso não é relativismo, isso é pluralismo. Não é a ideia de que nós não tenhamos ou possamos partilhar ideias no campo ético, mas sim que sociedades concretas históricas terão um conjunto de valores diferentes, que poderão comerciar, negociar entre si -nós podemos reconhecer isso em outras sociedades, mas elas serão diferentes nos seus conjuntos de valores. E ele chamava isso de pluralismo ético, o fato que civilizações diferentes necessariamente reconhecerão valores diferentes. MUSSE - Grande parte das questões e dos conceitos que desenvolve é forjada no âmbito do Iluminismo. Há um reconhecimento da diversidade dos valores humanos, mas ele é tão amplo que chega, em certos textos, a reconhecer o nazismo como uma expressão da diversidade cultural humana.

FOLHA - A vitória do "não" no referendo do desarmamento no Brasil, em 2005, foi uma vitória da liberdade negativa? BIGNOTTO - Em alguma medida, a gente pode formular isso sim, ao passo que a ideia de liberdade negativa se aproxima da ideia de direitos civis e, sobretudo, de direitos individuais. Acho que não é incorreto pensar -no plano dos direitos- que direitos, em geral, acolhem a ideia de liberdade negativa. São sobretudo os direitos individuais. Então, muitas pessoas se posicionaram em relação a essa questão da seguinte forma: "Não queremos ter nossos direitos restringidos por uma lei". Então dá para falar nesses termos, sim. MUSSE - Acho difícil estender o conceito de liberdade negativa para determinados âmbitos como esse. Logicamente, poderia ser dito que sim. Mas isso estaria em desacordo com o corpo central do pensamento de Berlin. Não podemos esquecer que Berlin era um humanista. E essa ideia de universalismo moral impõe um limite, porque, por um lado, a vitória do "não" é a prevalência do indivíduo sobre o Estado. É uma forma de diminuir o controle. Mas, por outro lado, a noção moral e a própria ideia de humanidade estão em desacordo com a ideia da guerra de todos contra todos, que de certa forma o "não" significava -ou, pelo menos, que a questão da segurança é uma questão individual, e não coletiva. REIS - Vejo aquilo de maneira muito negativa. Não acho que seja uma forma de afirmar legitimamente o que a liberdade negativa tem de melhor. Com o estímulo da presença do Estado, da atuação reguladora do Estado e até da atuação repressiva do Estado, percebe-se menos o fato de que, se cada um usa livremente sua liberdade negativa, isso resultará em pessoas pisando umas nos calos das outras. Isso resultaria em violência, em criminalidade. Haveria uma sociedade hobbesiana.

FOLHA - Pode-se dizer que isso é um indício de que a tendência encontra respaldo entre os brasileiros? BIGNOTTO - Acho que o problema que nós devemos nos colocar é o da presença do liberalismo na sociedade brasileira. Essa separação ajudou Berlin a consolidar uma crença muito forte de um tipo de liberalismo. [O cientista político] Wanderley Guilherme dos Santos, num texto antigo, mas muito interessante, diz que o Brasil adotou ideias do liberalismo econômico cedo em sua história e que o liberalismo político sempre patinou entre nós. É fato que ideias próximas do liberalismo político têm ganhado espaço na mídia, assim como na sociedade civil e na sociedade brasileira em geral. E, entre elas, certamente no terreno dos direitos individuais. REIS - Depende como se lê.É algo que ilustra um certo grau em que é possível manipular a chamada opinião pública ou o eleitorado com slogans adequados. Bastaram que certos temas fossem agitados, como se aquilo envolvesse uma certa castração das pessoas, para que a coisa [a posse de armas] fosse apoiada.Mas eu evitaria vincular aquilo como um exemplo de uma manifestação de um liberalismo em um sentido mais adequado, mais rico, por parte do eleitorado brasileiro em geral. Foi um momento infeliz, sob essa ótica.

Folha Online
Leia a íntegra da entrevista com os três acadêmicos em www.folha.com.br/091471

conceitos do autor citado abaixo

Conceitos-chave

Liberdade negativa

É a ausência de restrições impostas à ação do indivíduo. Segundo essa concepção, a pessoa é livre se ninguém a impede de fazer o que ela deseja. Quando se pensa na relação indivíduo e Estado, pela concepção da liberdade negativa, o indivíduo deve ser resguardado das restrições que o Estado o impõe. As leis devem proteger o indivíduo da ação de outros indivíduos e do Estado.Em linhas gerais, é associada ao liberalismo político e aos direitos civis.

Liberdade positiva

É a presença de controles que possibilitam ao indivíduo agir livremente, segundo sua vontade.Aplicada à política, a concepção da liberdade positiva defende que o Estado deve fornecer ao indivíduo as condições materiais (saúde e educação, por exemplo), para que ele esteja plenamente apto a fazer suas escolhas. É associada à social-democracia e aos direitos sociais.

Pluralismo

É o reconhecimento da diversidade de valores humanos.Opõe-se ao monismo (uma verdade única que pode determinar toda a vida). O pluralismo ético defendido por Berlin diz que sociedades têm conjuntos de valores diferentes, que podem ser compartilhados entre si, mas elas são diferentes nos seus conjuntos de valores.

Incomensurabilidade

Para Berlin, os valores não podem ser medidos, e não há um procedimento para resolver os conflitos de valor.Assim, a ideia de unidade perfeita -como aparece na tradição filosófica utilitária, ao defender a síntese de valores em uma única categoria, como "bem-estar" ou "felicidade"- é impossível.

Para pensar

JOÃO PEREIRA COUTINHO
COLUNISTA DA FOLHA

Certo dia uma amiga contou-me por que motivo terminara uma relação amorosa de vários anos.

Aconteceu em sala de cinema: ela e o namorado assistiam ao filme "As Pontes de Madison", o melodrama de Clint Eastwood sobre escolhas agônicas que definem uma vida.

E na cena sacrificial do filme, quando a personagem Francesca [interpretada pela atriz Meryl Streep] hesita entre ficar com a família ou partir com o amante, ela, com os olhos rasos de água, olhou para o namorado. O namorado estava perdidamente entediado.

Talvez exista algum exagero na reação dela. Eu disse isso: gostos cinéfilos não justificam medidas tão drásticas, exceto se a outra pessoa gosta, sei lá, do "Star Trek".

Ela riu. E depois disse a maior verdade filosófica que existe: o problema não estava no filme; estava na evidência final de que nenhum dos dois habitava já o mesmo universo.

Tarefa decisiva

Seria possível escrever vários tratados sobre o assunto. Felizmente, para nós, alguém já se encarregou da tarefa.

O nome é Isaiah Berlin, nasceu cem anos atrás, em Riga, atual capital da Letônia. Acabaria por morrer em 1997, na Inglaterra, país que o acolheu ainda na infância.

Os obituários foram generosos e aclamaram sir Isaiah como um dos mais importantes intelectuais do século 20.

Difícil discordar. Mas mais difícil será resumir, ou tentar resumir, essa importância.

Os textos elegíacos falaram de Berlin como um eminente professor de história das ideias em Oxford; como um especialista na intelligentsia russa do século 19; como um defensor clássico da liberdade; e todos lembraram o seu papel durante a Guerra Fria, condenando o totalitarismo soviético quando muitos outros preferiam desviar o olhar.

Mas nenhum dos textos foi tão cristalino como a minha amiga desencantada: Isaiah Berlin conseguiu ver as sociedades humanas como aglomerações de indivíduos que não habitam necessariamente o mesmo universo.

Somos distintos. E, precisamente por isso, desejamos valores distintos. Um estudo da história das ideias não é apenas uma tarefa intelectualmente importante.

Somos distintos; e, precisamente por isso, desejamos valores distintos

Para Berlin, é uma tarefa conceitualmente decisiva. Dos gregos a Maquiavel; dos "philosophes" do século 18 aos românticos do século seguinte, a história dos homens é a história da diversidade humana.

Mas Berlin não se limitou a vislumbrar essa diversidade. Berlin não se limitou a cartografar a tensão recorrente entre o múltiplo e o uno: entre aqueles que defendem uma visão pluralista da existência humana (as "raposas", para usar a terminologia que Berlin pediu de empréstimo ao poeta Arquíloco) e aqueles que procuraram, nos seus esforços intelectuais, encontrar um único princípio explicativo, capaz de reduzir a multiplicidade a uma única hierarquia de valores (os "ouriços").

Berlin foi ainda mais longe ao declarar que não são apenas os homens que desejam valores distintos. Os próprios valores, disse Berlin, são também radicalmente distintos.

A importância da tese está no "radicalmente": quando afirmamos que os valores são radicalmente distintos, não pretendemos apenas dizer que eles são diferentes uns dos outros, o que seria um truísmo digno de La Palice.

Queremos afirmar que os valores são incompatíveis uns com os outros: como no filme de Clint Eastwood, os valores implicam escolhas trágicas e agônicas; escolher certos valores implica abandonar outros.

Podemos amar a liberdade. Podemos amar a igualdade. Mas não podemos ter ambas na sua expressão máxima, porque ambas se neutralizam na sua expressão máxima. "A liberdade total dos lobos seria o fim dos cordeiros", escreveu.

Mas Berlin escreveu mais: os valores não são apenas distintos e por vezes incompatíveis. Eles podem ser incomensuráveis. Eles podem ser tão radicalmente distintos que não existe uma forma de os avaliar ou medir "a priori".

Contra as utopias

A filosofia contemporânea ainda hoje discute as verdadeiras implicações do pluralismo de Isaiah Berlin.

Até que ponto esse pluralismo é distinto de uma forma de relativismo moral e cultural?

Até que ponto esse pluralismo permite sustentar uma posição liberal, ou seja, uma posição que concede à liberdade do indivíduo prioridade lexical sobre todos os outros valores? E até que ponto é racionalmente impossível hierarquizar valores incomensuráveis?

Não vou perder o tempo dos digníssimos leitores com esse debate esotérico que, confissão pessoal, ocupou os últimos sete anos da minha vida, em Lisboa e em Oxford.

Prefiro dizer simplesmente que o pluralismo de Berlin, a defesa de que os seres humanos são distintos e também por isso desejam valores radicalmente distintos, é o mais poderoso argumento contra o mundo fechado das utopias.

O pensamento utópico acredita e professa que, no passado ou no futuro, existiu ou existirá um estado onde as necessidades humanas se encontram resolvidas.

Um mundo perfeito onde os seres humanos desejam necessariamente os mesmos fins de vida e onde os valores caros à existência se encontram harmoniosamente reconciliados na sua expressão máxima.

Infelizmente, o pensamento utópico falsifica a natureza dos homens e a própria natureza dos valores.

O século 20, com seu longo cortejo de horrores e atrocidades, não foi apenas um século de crimes vulgares. Foi um século que cometeu esses crimes porque pretendeu iludir a natureza pluralista dos homens e dos valores sob a capa da mais feroz uniformidade.

As utopias estão condenadas ao fracasso, não porque os homens são fracos, ou ignorantes, ou insuficientemente sonhadores. Mas porque a própria ideia de utopia como um estado perfeito onde os homens desejam os mesmos valores e onde os valores podem ser harmonizados na sua expressão máxima assenta na mais pura falsidade existencial e filosófica.

Os homens não são assim. Os valores também não.

Cem anos depois do seu nascimento, o legado de Isaiah Berlin permanece válido para o futuro: as nossas sociedades só sobrevivem quando somos capazes de estabelecer equilíbrios entre valores concorrentes, sem nunca permitir que o poder político leve ao extremo esses valores.

No extremo, eles apenas se destroem; eles apenas destroem as sociedades que marcham na cegueira rumo à solução final.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Na FSP de hoje

LUIZ FELIPE PONDÉ

De ratos e homens

Hamlet e Jó têm alma; quem apenas quer ser feliz não suporta a sina de ter uma alma

HOJE ESTOU no lado negro da força. Dormi mal. Um leitor pergunta: "você é contra a democracia?" Não! Eu?! Mas acho sim que a democracia moderna tem algo de idiota.Mais do que um conceito, esta ideia é uma sensação, assim como um odor. Digo "idiota" no seguinte sentido: vivemos numa época na qual os idiotas venceram porque descobriram pelo voto que são maioria absoluta. Eles impõem ao mundo sua vida medida pelas estratégias de sucesso e pelo amor opressivo do medíocre -esta nossa face indesejável, estampada em nosso espelho íntimo. Antes de ser senhora do mundo, essa multidão de iguais vivia sua pequena vida, imersa num pessimismo modesto, de quem não tem para onde ir. Hoje, essa praga da vida estratégica é uma deformação em cada rosto.Assumindo ares de senhores, os idiotas tomam conta do pensamento, construindo um mundo visto pelos olhos de quem só sabe viver contabilizando as vitórias de seu desejo. Sua religião vira uma "espiritualidade" que crê num universo conspirando a favor de seu sucesso, fazendo do universo um idiota, como ele, só que infinito. Vivesse Kafka hoje, certamente escreveria histórias de medo sobre como a elite intelectual (talvez com face de rato) virou proletária, em busca de carreiras, somando seus pontos, escrevendo artigos para não serem lidos, somando suas mesquinharias, anulando a inteligência em nome do acúmulo.O idiota faz da ética um divã a serviço de suas utopias de alcova. A modernidade, com sua vocação natural para fluxos administrativos e sistemas organizacionais, deixa o idiota em êxtase. Criticar a democracia moderna não implica amar regimes antidemocráticos. Implica, sim, reconhecer que a democracia é, também, em sua intimidade, uma forma específica de desastre. Proponho o ensaio "The Masses in Representative Democracy" (as massas na democracia representativa) do filósofo inglês Michael Oakeshott (século 20). Neste ensaio, ele narra o nascimento do anti-indivíduo ou homem massa. A diferença entre o filósofo inglês e o tratamento mais comum dado pelos especialistas ao homem massa é que para Oakeshott a ideia de que todo ser humano venha a ser um indivíduo autônomo é uma lenda. Ai está um dos dogmas da democracia moderna: todo homem é capaz de ter vida subjetiva válida e de ser "portador" de uma personalidade autônoma. A sensibilidade democrática moderna, com sua mesquinha paixão pela felicidade, treme diante desta hipótese, apesar do acúmulo de evidências empíricas cotidianas a seu favor. O Renascimento criou a lenda do indivíduo como uma possibilidade aberta a todos, posteriormente concretizada nas revoluções modernas. Para além da ideia (comum) de que a sociedade ou a mídia esmaga o indivíduo nascente, Oakeshott duvida da probabilidade mesma de que exista em todos nós um indivíduo possível. O debate supera a mera questão política e adentra o campo da psicologia social e seus mecanismos de construção dos comportamentos. Não se trata de reduzir a questão à cidadania, mas sim pensar nosso regime naquilo que ele tem de miséria moral. A tese central de Oakeshott é: um dos grandes motores da democracia moderna é o ódio ao indivíduo e sua obscena capacidade de ser livre de modelos coletivos. Vivia o homem, na idade média, em sua pequena comunidade sem futuro, entre os terrores noturnos e as esperanças religiosas, quando foi despertado pelos sinos do sonho de virar o "senhor de sua alma", superando seus determinantes sociais. Hamlet e Jó têm alma. Quem apenas quer ser feliz não suporta a sina de ter uma alma.Os processos "de salvação" sempre esmagaram os indivíduos reais porque a autonomia (substância dos indivíduos de fato) não é irmã da felicidade, não "salva" ninguém. E os idiotas só querem ser felizes. Os totalitarismos do século 20 já foram parte do surto. O anti-indivíduo adora certezas, causas e utopias. Goza sentindo-se parte de um todo.Perdidos nos escombros de sua vila natal, nosso homem massa se reencontrou na obsessão de grandes coletividades identificadas com um ideal de mundo. A ideia do "bem público" tornou-se seu credo. A verdade é que o homem massa sempre fala em nome da liberdade, da autonomia, mas ele as detesta, porque teme o inferno que é a alma. As obras de autores como Kierkegaard, Nietzsche e Burckhardt (todos do século 19) são gritos contra esse ódio típico de quem é apenas sombra.

luiz.ponde@grupofolha.com.br

domingo, 24 de maio de 2009

mais do mais

pessoas.
na medida q leio o mais de hoje, mais posto textos aqui.
esse a seguir passa a ser obrigatório para as nossas aulas de ciência, tecnologia e inovação.
abrs, leandro

+ autores

Reciclando ideias

Imagem da inovação como repentina e individual contrasta com a evolução dos saberes, que é gradual e coletiva

PETER BURKE
COLUNISTA DA FOLHA

Muitas pessoas no mundo hoje, especialmente nos domínios dos negócios e da ciência, se dedicam à inovação. Pensam, lecionam e escrevem sobre as maneiras pelas quais se pode estimular, medir e gerir a inovação.Como e por que a inovação acontece, perguntam.Por que existem lugares e momentos históricos que parecem mais favoráveis do que outros à inovação?Florença durante o Renascimento serve como exemplo ou a Inglaterra nos estágios iniciais da Revolução Industrial -quando as máquinas têxteis e locomotivas a vapor e tantas outras máquinas foram inventadas- ou o Vale do Silício [EUA] na década de 1970.Algumas pessoas acreditam que a inovação possa ser encorajada por meio da criação de centros de pesquisa, outras preferem meditação, sessões de discussão ou até mesmo softwares que facilitam a geração de ideias.Mas o que exatamente é inovação? Suspeito que a visão da era do romantismo sobre a inovação continue a prevalecer ainda hoje.De acordo com ela, a inovação é trabalho de um gênio solitário, muitas vezes um professor distraído que carrega uma ideia brilhante na cabeça -aquilo que meu tio, um físico que trabalhava no setor industrial, costumava chamar de "onda cerebral".Einstein, por exemplo, ou Isaac Newton, que supostamente descobriu a gravidade quando uma maçã caiu em sua cabeça, ou, no mais famoso dos exemplos, Arquimedes, que saiu correndo nu pelas ruas de Atenas gritando "eureca!".No entanto existe uma visão alternativa sobre a inovação, da qual eu por acaso compartilho.De acordo com essa segunda visão, a inovação é gradual em lugar de súbita e coletiva em vez de individual.Não existe uma oposição acentuada entre tradição e inovação. É possível até mesmo identificar tradições de inovação, sustentadas ao longo de décadas, como no caso do Vale do Silício, ou de séculos, como nos campos da pintura e da escultura durante a Renascença florentina.Novos usosPor isso, em lugar da metáfora da "onda cerebral", talvez fosse mais esclarecedor usar como metáfora a reciclagem, o reaproveitamento ou o uso improvisado de materiais.O caso da tecnologia serve como exemplo.Na metade do século 15, Johannes Gutenberg inventou as máquinas de impressão. No entanto, prensas estavam em uso na produção de vinho havia muito tempo na Renânia natal de Gutenberg e em muitos outros lugares. Sua brilhante ideia não surgiu do nada; na verdade, representou uma adaptação da prensa de vinho a uma nova função. A invenção do telescópio por Galileu [1564-1642], da mesma forma, pode ser mais precisamente definida como reinvenção. Ele havia ouvido falar de que alguém na Holanda teria inventado um instrumento para fazer com que as estrelas parecessem maiores. E, assim que obteve essa informação, imediatamente descobriu uma maneira de produzir instrumento semelhante para seu uso. A inovação nas ideias, por exemplo em disciplinas acadêmicas, parece acontecer de maneira semelhante, pela proposição de analogias e adaptação daquilo que já existe a novos propósitos. Alguns historiadores falam em "deslocamento de conceitos" de um campo intelectual a outro. Por exemplo, a arqueologia se tornou disciplina científica no começo do século 19, quando as pessoas compreenderam que os objetos encontrados em escavações podiam ser datados de acordo com sua profundidade na terra com os "estratos" em que foram encontrados. A linguística, outra nova disciplina que estava em desenvolvimento no começo do século 19, também precisou de adaptação criativa. Quando classificavam idiomas, alguns linguistas se deixaram inspirar pela metodologia que Carl Linnaeus desenvolveu para classificar plantas, enquanto outros seguiram o modelo de "anatomia comparativa" proposto pelo zoólogo Georges Cuvier. Uma vez mais, na metade do século 19, Charles Darwin desenvolveu sua ideia de uma luta pela existência entre as coisas vivas e da sobrevivência dos mais aptos depois de ler o trabalho de Thomas Malthus sobre população. Ele adaptou o que Malthus tinha a dizer sobre os seres humanos ao mundo dos animais e das plantas. No começo do século 20, quando a antropologia se tornou uma disciplina científica, ela era definida pelo método de "trabalho de campo" no seio de povos "primitivos". Mas a ideia de trabalho de campo foi inspirada pela história natural, já que os naturalistas se orgulhavam de observar diretamente os animais e plantas em seus habitats naturais. Tradução Em todos esses casos, seria possível utilizar a expressão "tomado de empréstimo", mas metáfora melhor seria "tradução", que enfatiza o trabalho que é preciso realizar quando ideias se movimentam de um lugar ou domínio a outro. As novas disciplinas oferecem oportunidades especiais para observação ou inovação, já que os fundadores dessas disciplinas foram treinados em outros campos. Por exemplo, os primeiros professores de línguas e literaturas vernáculas foram treinados como estudiosos do grego e do latim clássicos. Um dos fundadores da sociologia, Émile Durkheim, estudou filosofia, e outro, Max Weber, era historiador. Os primeiros antropólogos foram recrutados de uma variedade de disciplinas, entre as quais os estudos clássicos (James Frazer), geografia (Franz Boas), medicina (W.H. Rivers), biologia, psicologia e até mesmo geologia. Alguns dos primeiros estudiosos do campo hoje conhecido como biologia molecular haviam estudado física, como Francis Crick, ou química, como Max Perutz. A inovação nas disciplinas mais estabelecidas muitas vezes segue o mesmo caminho. Um antigo colega meu, o biólogo John Maynard Smith [1920-2004], estudou engenharia. Quando mudou de ramo, passou a observar o corpo humano do ponto de vista de um engenheiro, e isso permitia que visse coisas que haviam escapado à atenção de biólogos anteriores. Analogias e metáforas parecem desempenhar papel essencial no pensamento, da física (vide a ideia de "ondas", por exemplo) à antropologia, na qual culturas estrangeiras são muitas vezes comparadas a livros que precisam ser lidos. Essas analogias são fundamentais na construção daquilo que o filósofo da ciência Thomas Kuhn [1922-96] costumava designar como "paradigmas" intelectuais. Eu duvido um pouco que seja possível fazer uma lista de regras para a inovação, porque os inovadores muitas vezes quebram as regras em lugar de segui-las. Tampouco estou certo de que seja possível desenvolver uma teoria da inovação. Mas seria seguro afirmar que analogias e adaptações têm posição central no processo de inovação. A reciclagem intelectual é tão importante para a inovação quanto a reciclagem de objetos materiais o é para nossa sobrevivência no planeta.

PETER BURKE é historiador inglês, autor de "O Que É História Cultural?" (ed. Zahar). Tradução de Paulo Migliacci.

mais uma entrevista publicada na fsp de hoje

Oi pessoas.
O grande volume de entrevistas e artigos publicados na imprensa, que têm relação com os temas que estamos discutindo no semestre, comprova a atualidade das temáticas escolhidas pelos professores do componente. Leiam essa entrevista abaixo. É possível fazer o link com vários momentos de nossas aulas (para quem está ligado nelas, é claro). Lembrei muito, por exemplo, daquela idéia do Bauman, sobre colonização da esfera pública pela esfera privada, espetacularização da vida cotidiana etc etc. Bom domingo nublado, de "inverno" baiano.

NA CASA DO PATRÃO

APRESENTADORA QUE ALAVANCA A AUDIÊNCIA DO PROGRAMA DE SILVIO SANTOS AO FUNDIR ESPONTANEIDADE E HUMILHAÇÃO, A MENINA MAISA REVELA A DUPLA FACE DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

CYRUS AFSHAR

DA REDAÇÃO

Ela acaba de completar sete anos, mas já tem mais de três anos de experiência profissional, e seu trabalho já é conhecido em todo o país. Maisa comanda um programa no SBT e, aos domingos, é protagonista de um quadro em que conversa longamente com ninguém menos que seu patrão, Silvio Santos, e ajuda a alavancar a audiência do restante da programação. Mas, nas duas últimas semanas, o quadro dominical foi palco de cenas ao vivo de gritos e choros da criança. "A questão é saber quando acaba o lúdico e o adorável e começa a perversão e a monstruosidade dessa situação-mídia", provoca Ivana Bentes, professora do programa de pós-graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.Na entrevista concedida à Folha, por e-mail, Bentes explica alguns dos mecanismos de funcionamento da apropriação da imagem de novas celebridades, o comportamento do público e a importância da internet para o processo de espetacularização.

PERGUNTA - O que está acontecendo com a menina Maisa é um caso de exploração midiática?

IVANA BENTES - "Exploração midiática" é quase uma redundância. A expropriação/apropriação é base de funcionamento do próprio regime midiático em que nós, telespectadores, somos a matéria-prima em diferentes sentidos. Na busca de criar fatos midiáticos incessantemente, capturar nossa atenção e comprar nosso tempo, a televisão convoca, explora e mobiliza nossos afetos, nossa atenção. O espectador é o primeiro "explorado" pela publicidade, pela ficção, pelas "atrações". Somos nós que emprestamos nosso tempo, nossa subjetividade e nosso imaginário para criar valor na TV. Ou seja, o que a mídia vende/explora não é a publicidade -somos nós mesmos. E, para isso, precisa minimamente que essa audiência se conecte, se deixe afetar por um personagem, uma situação, que crie hábitos e possa voltar -criando um sentimento de pertencimento a uma "comunidade imaginada". Aí se chega a Maisa, a menina-prodígio do SBT, a "menina-monstro" como definiu ironicamente, mas com precisão, o "Pânico na TV". A garota é realmente adorável e "monstruosa" ao mesmo tempo. Tem a dupla face da mídia atual, que incorpora e utiliza o mais "espontâneo", o íntimo, a gafe, o erro, o choro e todo tipo de assujeitamento e humilhação como matéria altamente valorizada. Isso sem abandonar a celebração do visível, da formalidade e da encenação.Não é à toa que os vídeos de Maisa estão no YouTube anunciem "pérolas de Maisa", gafes de Maisa, micos de Maisa, choro de Maisa, tropeços etc. A questão é saber onde acaba o lúdico e o adorável e começa a perversão e a monstruosidade dessa situação-mídia. Não se trata de julgar nem de moralizar "este" caso, num momento em que o valor de "exposição" da vida, da intimidade, da subjetividade na TV, na internet ou em qualquer outra mídia é um valor em si. A visibilidade é um bem altamente valorizado e disputado -"naturalizado". É preciso justamente desnaturalizar esse novo regime midiático que não para de testar os limites do tolerável e do aceitável.

PERGUNTA - Nesse contexto (de exploração midiática), qual é o papel da mãe? E o do apresentador?

BENTES - Não é difícil entender o seu nível de satisfação/excitação do pai e da mãe da menina (satisfação simbólica e real, com sua galinha dos ovos de ouro mirim). E o apresentador/dono da emissora cumpre o mesmo papel de outros homens de negócio de TVs abertas que vendem "produtos" tão ou mais discutíveis e monstruosos: homofobia, intolerância religiosa, espetáculos de descarrego e expulsão de demônios dos corpos, preconceito racial, condenações morais, denuncismo, criminalização da pobreza e dos pobres e toda uma pauta conservadora e moralista. A questão que importa é saber qual o papel da "comunidade" de telespectadores e da sociedade diante desse quadro.

PERGUNTA - Como tem sido e como deveria ser o tratamento dado pela mídia neste caso?

BENTES - A televisão não tem programa de debate e de discussão do seu próprio conteúdo. A TV não dá direito de resposta, o que é escandaloso. Confunde audiência com legitimidade social e qualidade. Daí que não vi na mídia (com raras exceções, como a coluna de Bia Abramo do dia 17/5, na Folha) nenhuma discussão sobre os limites e constrangimentos de colocar uma criança de seis anos no horário nobre de domingo falando de "pum", gases, bunda, meleca.E, ao mesmo tempo, tendo que responder sobre assuntos extremamente complexos, como outras celebridades televisivas, profissões, afetos, casamento, Deus e infidelidade. E sempre constrangida por Silvio Santos até o limite do embaraço, do choro ou da mudez com reprimendas, ameaças, provocações.

PERGUNTA - Pessoas antes quase desconhecidas são alçadas rapidamente à condição de celebridades por conta dos milhões de acessos, casos da escocesa Susan Boyle, de Cris Nicolotti e de Maisa. Qual a importância hoje da internet no processo de criação das celebridades?

BENTES - "Celebridade" talvez seja um nome antigo (coisa do século passado, de mídias "modernas", como cinema e TV) para descrever os processos da visibilidade contemporânea. A internet e o YouTube criaram um novo público, pós-televisivo, um consumidor-produtor superativo, que clica tudo e que vê tudo -sem dúvida é uma nova força. O YouTube é genial porque é o esgoto público das imagens, onde é possível experimentar o que há de mais potente e monstruoso (no sentido positivo e negativo dos excessos e das exceções) na multidão de usuários, sem mediação. Sem o "patrão", como Silvio Santos se apresenta para a menina Maisa no SBT, num dos quadros.

PERGUNTA - Quando procuramos vídeos da artista mirim no YouTube, o site remete a entradas como "Maisa chorando", "Maisa chora" e "Maisa peidando", a partir das buscas mais realizadas. Os fãs sentem prazer em ver celebridades em situações constrangedoras?

BENTES - Trata-se de um fenômeno bem mais amplo e disseminado de midiatizacão, comercialização da intimidade e da "visibilidade". A partir do momento em que ruiu a barreira entre intimidade e publicidade, em que se esgarçou o limite entre público e privado, o que poderia ser constrangedor? Maisa chorando, Daniela Ciccarelli transando na praia, a cabeça de Saddam Hussein rolando, os exames de saúde da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, em jornais assistidos por milhares de pessoas? Exibir a intimidade vem deixando de ser um constrangimento para se tornar um "valor". A intimidade na era da sua visibilidade máxima e as tecnologias de exibição de si são uma característica geral e uma exigência do capitalismo contemporâneo.

PERGUNTA - O caso da construção da ex-atriz Shirley Temple é paradigmático para entender a situação atual deste caso?

BENTES - Bem, o visual da apresentadora mirim do SBT parece inspirado nos vestidinhos de babados e cabelos cacheados da mais famosa menina-prodígio de Hollywood.Mas é preciso lembrar que Shirley Temple é um produto da máquina fordista hollywoodiana, dos anos 1930 e 1940, de um capitalismo disciplinar e disciplinador em que a ideia de "infância" e "criança" ainda estava bem delimitada e definida.Hoje, quando foram desenvolvidos produtos midiáticos para crianças de zero a um ano -como os Teletubbies, que aceleram os processos cognitivos enquanto ensinam a criança a desejar e a consumir-, a comparação com Shirley Temple talvez não seja apropriada.Pois o capitalismo contemporâneo tem necessidade de incluir e modular todos, desde o ano zero e mesmo antes do nascimento.O aprendizado se faz pela mídia -com o fim dos tempos "mortos" da infância, de ócio e lazer, em nome de uma hiperprodutividade infantil- e por adestramento precoce, cujo modelo visível Maisa encarna.O assustador é que a subjetividade-Maisa é o modelo de criança e de infância em via de se universalizar.São muitos os indícios: o assédio e crescimento da publicidade infantil, sem controle no Brasil; a invasão de bichinhos e desenhos animados em anúncios de cerveja, carros, criando uma sensibilidade precoce e formando consumidores futuros, a erotização do universo infantil dissociada, mais tarde, do abuso sexual por adultos e da violência contra crianças.Enfim, a garota-prodígio do SBT aponta para antigas questões e novos limites, em torno da intimidade, da visibilidade, da infância.Nesse sentido é uma menina-modelo, exemplar de uma série de transformações.

Para pensar em tecnologia, poder e em vigiar e punir

Saiu na FSP de hoje.


+ SociedadeBig Brother no varejo

Opressão de "1984" é praticada hoje por indivíduos, não pelo Estado, diz geógrafo Jerome Dobson

RAFAEL GARCIADA
REPORTAGEM LOCAL

O pesadelo imaginado por George Orwel no romance "1984" está se tornando realidade, afirma um dos geógrafos mais reconhecidos dos EUA. No clássico da ficção científica, o ditador Big Brother (grande irmão) exercia controle sobre os cidadãos rastreando-os com câmeras e telas. Isso acontece agora com cada vez mais frequência, mas na vida real não é obra de um tirano autoritário, afirma Jerome Dobson, presidente da Sociedade Geográfica Americana. "O problema agora são os "Little Brothers" (pequenos irmãos)", diz o cientista. Criador do termo "geoescravidão", Dobson diz que o controle sobre a vida de indivíduos está acontecendo mais no varejo do que no atacado, e o grande culpado é o barateamento dos rastreadores com sistema de localização por satélite, o GPS. Qualquer um disposto a pagar US$ 40 por mês pode rastrear uma pessoa 24 horas por dia, e, segundo ele, isso trará mudanças sociais profundas, alterando relações entre pais e filhos, maridos e esposas, patrões e empregados. Em entrevista à Folha por telefone, o pesquisador da Universidade do Kansas explica por que acredita que essa nova tecnologia precisa ter um controle de uso mais rígido.

FOLHA - O historiador Francis Fukuyama defende a ideia de que Orwel disseminou um medo errado em "1984" pois, quando a tecnologia da informação finalmente ganhou corpo com a internet e os celulares, ela trouxe liberdade para os indivíduos, não opressão. O GPS e os rastreadores, agora, são o contrário?

JEROME DOBSON - Há grande diferença entre o Big Brother de George Orwel e aquilo que está acontecendo hoje. Primeiro, o perigo do qual eu falo não é necessariamente hierárquico, imposto pelo governo aos indivíduos. O que estou dizendo é que há muito mais "Little Brothers" mundo afora. A habilidade de uma pessoa vigiar outra não é hierárquica, e abre caminho para vários tipos de relações de poder em que maridos controlam esposas, patrões controlam empregados etc. O que acontece é que isso é uma forma de vigilância muito muito mais propensa a ser aceita do que propostas anteriores, como o Big Brother. Ela é uma forma muito mais eficiente e apresenta uma ameaça não só à privacidade, mas à liberdade pessoal. É a maior ameaça já experimentada pelos humanos às liberdades individuais.

FOLHA - Que exemplos desse tipo de abuso podem ser mencionados?

DOBSON - Veja o caso de Stacy Peterson, que a imprensa de Illinois [EUA] noticiou. É uma mulher que está desaparecida e seu marido, um policial, alega que ela simplesmente tinha ido embora. Mas descobriram que ele estava usando coordenadas do telefone celular dela para rastreá-la. E ela tinha ficado muito incomodada com isso. Os amigos disseram que ela tentou se livrar daquele controle, mudando de telefone. Mas ele conseguia sempre usar os números para rastreá-la. O advogado do policial foi questionado num programa de TV e justificou o comportamento de seu cliente dizendo: "Bom, todos os policiais na delegacia estavam fazendo isso". Então, a tecnologia já está aí, em certo sentido. Certamente é uma ferramenta boa contra o crime, mas as pessoas honestas em atividades honestas também estão sob risco de serem observadas e controladas.

FOLHA - O sr. acha que já é hora de criar leis que impeçam a ocorrência de casos como o de Peterson?

DOBSON - Sim. Deveria haver legislação sobre isso. Há muitos casos em que o que está sendo analisado são os requisitos para as autoridades. Um departamento de polícia deve ou não precisar de um mandado para fazer isso? Alguns Estados fazem de um jeito, outros fazem de outro. Isso ainda está sendo aperfeiçoado no sistema legal.

FOLHA - Alguém que não é policial tem acesso a isso hoje? O sr. escreveu em um artigo que é possível monitorar uma pessoa 24 horas por dia pagando US$ 500 anuais.

DOBSON - Esses US$ 500 são o que você paga a um serviço simples. Você entra na internet e consegue achar esses produtos à venda. As taxas que cobram por um chamado Wherify Wireless [vendido como "rastreador de crianças"] são mais ou menos as da assinatura de um telefone celular. Provavelmente você terá de pagar US$ 200 por um aparelho básico, mais a taxa mensal de uns US$ 20.

FOLHA - O sr. diz que um uso benéfico dessa tecnologia é a capacidade de rastrear condenados pela justiça, em vez de prendê-los. Já há muitas experiências com isso?

DOBSON - É usado rotineiramente. O caso mais famoso é o de Martha Stewart, apresentadora de TV. Ela cometeu irregularidades em negociações de sua empresa e foi colocada sob prisão domiciliar. Tinha de usar, então, uma tornozeleira eletrônica com o rastreador. Algo que tem de ser esclarecido é que quando juízes põem alguém sob esse tipo de confinamento, costumam chamar isso de encarceramento, com o mesmo significado da prisão em uma cela, no sentido jurídico. É uma prisão de extensão maior, mas não é liberdade.

FOLHA - O rastreamento deve ser sempre legal, quando consentido? Um patrão não pode coagir seus funcionários a portar rastreadores?

DOBSON - As pessoas devem negociar para decidir o que é válido para elas. Alguém pode se ver obrigado a usar isso se a alternativa for a demissão. Mas as pessoas se candidatariam a um emprego sabendo disso? William Herbert, jurista especialista no aspecto legal do rastreamento, fez carreira no sindicalismo e desenvolveu argumentos para defender que isso não seja permitido. Mas eu tenho uma abordagem diferente. Acho que é uma questão que deve ser submetida a uma decisão pensada, tomada pelos próprios trabalhadores. Por exemplo, se um sindicato está negociando um contrato para seus afiliados, será que isso poderia ser posto na mesa como moeda de troca, assim como se faz com salários, jornadas, férias e benefícios de saúde? É algo que tem sido pouco debatido, mas acho que os sindicatos alguma hora vão reconhecer que isso é um custo para eles. Se as empresas acreditam que isso vai torná-las mais eficientes, então elas deveriam estar dispostas a pagar por isso. Pessoalmente, eu não aceitaria um emprego assim. Insisto muito na minha independência de ação e nunca aceitaria ter de ficar relatando a alguém onde estou e o que estou fazendo, mesmo sem estar fazendo nada errado. Não quero pessoas bisbilhotando minhas coisas e sabendo onde estou. É uma questão de princípios para mim.

FOLHA - O sr. acha que os atentados terroristas de 2001 contribuíram para essa paranoia vigilante?

DOBSON - Sim. Temporariamente, eles alimentaram a tendência das pessoas a aceitar mais restrições. Mas tivemos uma eleição depois disso, e há indícios claros de que as pessoas estão preparadas para retornar aos seus princípios.

FOLHA - Como o sr. começou a se interessar por esse problema?

DOBSON - Estou nesse campo desde 1975. Trabalhei no Laboratório Nacional de Oakridge por 26 anos antes de vir para a Universidade do Kansas. Foi quando eu estava lá que essa nova capacidade de rastreamento se tornou uma questão importante. Na época, um empresário do setor privado foi ao laboratório e me pediu para ajudá-lo a construir um desses sistemas [de vigilância de empregados], mas eu me recusei.

sobre a aula show

Nem exatamente show, nem propriamente aula, mas uma mistura original das duas coisas. A UFBA realiza a aula show “Nas palavras das canções”, com José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski na próxima sexta-feira (dia 29 de maio), às 20h, no Salão Nobre da Reitoria da UFBA (Canela). Reunindo os talentos musicais, literários e acadêmicos do compositor, cantor, pianista e professor da USP Zé Miguel Wisnik – reconhecido como um dos nomes de ponta da música brasileira – e do compositor, violonista, crítico, escritor e editor da PubliFolha Arthur Nestrovski, a aula show traz uma seleção de canções dos dois e também de outros autores, entremeadas de conversas sobre vários assuntos. Na programação da aula show, Wisnik e Nestrovski cantam e contam histórias sobre a nossa música, situada por eles no contexto da cultura brasileira hoje: da formação do cancioneiro brasileiro ao artesanato de letra e música, das potências transformadoras da bossa-nova e do tropicalismo ao debate sobre a “morte da canção”. A aula show "Nas palavras das canções" já foi apresentada em várias universidades do Brasil e é a primeira vez que acontece na Bahia. Aqui é uma realização conjunta de vários projetos da UFBA: o Rasuras (professores Henrique Freitas, Nancy Vieira e Milena Britto), o Observatório da Crítica (Rachel Lima), do Instituto de Letras, juntamente com a Reitoria da UFBA, IHAC, Enecult, Pós-Cultura, PPGLL, CELF e Escola de Música.

sábado, 23 de maio de 2009

blog do enecult

O V Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (V EENECULT) tem blog e vinheta.Vejam no endereço:http://enecult.wordpress.com

Sobre religião

Crítica

Obra faz minuciosa análise sobre a religiosidade nos EUA
Lins da Silva organiza a coletânea de ensaios "Uma Nação com Alma de Igreja"

ANTÔNIO FLÁVIO PIERUCCI

ESPECIAL PARA A FOLHA

O país mais rico e poderoso do mundo capitalista é também o mais religioso -um fenômeno. A aparência de contradição nos termos funciona como provocação à curiosidade analítica de cientistas sociais e outros observadores profissionais, como os jornalistas. O livro "Uma Nação com Alma de Igreja", organizado pelo jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, ombudsman da Folha, aceita a provocação e monta-lhe um cerco com seis ensaios mais um, a introdução assinada por Gilberto Dupas. Fato há muito sabido, não faz tanto tempo assim que se passou a falar nele com tanta insistência e tempo dedicado como se faz agora. Dados para comprovação do fenômeno é que não faltam; pelo contrário, são levas. E toda vez se repetindo no apontar o essencial: a "excepcionalidade americana" de manter no olho do furacão da modernidade capitalista uma oxigenação religiosa efetiva e generalizada dos mundos da vida social. Independentemente do teor dos dados, se de natureza objetiva (índices de frequência a cultos, de recrutamento de pastores e padres, de suporte monetário às igrejas etc.) ou subjetiva (porcentagem de quem declara crer em Deus, na salvação da alma individual por Cristo, na vida após a morte etc.), o fato é que todos os índices estatísticos de comportamento religioso são muito mais altos nos EUA que nos outros países. Convergem normalmente para cima na aferição do fato nu e cru do vigor da vida religiosa naquele país, demonstração que já assume ares de afirmatividade identitária. Teorias antagônicas É bom lembrar, porém, que essa realidade factual "já está" interpretada teoricamente na sociologia de maneiras antagônicas: ou bem no bojo da clássica "teoria da secularização", ou bem na esteira de uma agressiva "tese da dessecularização". Da primeira resulta essa figura do "excepcionalismo americano", que diz o seguinte: se a modernidade implica secularização, a forte presença da religião "no país mais moderno do mundo moderno" só pode representar uma exceção à regra. A segunda defende a inversão dessa figura, pondo a Europa -porque secularizada- no lugar dos EUA: "a exceção é a Europa", a religião vai bem obrigado no resto do planeta. Logo, babau secularização. Alto lá! O "excepcionalismo europeu" é uma tese dos neoconservadores. Há que se ter cautela para não cair na cilada neoconservadora quando se apresenta o viço da religião na "Christian America" do século 21. Neoconservador americano é assim, teima em querer que a modernidade volte a ser tão religiosa quanto lá. Ao apontar para a Europa em bloco como uma exceção, o neoconservador evita expor que é bem comprida a lista dos países desenvolvidos com religiosidade em permanente declínio: Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha, Suíça, Holanda, Suécia, Itália, hoje até a Polônia... Por toda parte na Europa ocidental e central a vida religiosa não mostra essa bola toda que exibe nos EUA. Vem então o neoconservador e decreta que esse múltiplo desmentido europeu da inopinada tese da dessecularização é a única exceção à regra -a nova regra que os EUA estariam a enunciar com sua robusta vida religiosa. Minucioso na análise de curto e longo prazo, o livro de Lins da Silva impõe-se como estudo sério, desapaixonado, honesto a ponto de deixar que ao longo da leitura sejamos aqui e ali alertados dos indesejáveis efeitos colaterais que pode haver em esbaldar-se de religião um país tão narcisista e poderoso como os Estados Unidos da América.

ANTÔNIO FLÁVIO PIERUCCI, sociólogo da religião, é autor de "Ciladas da Diferença" (34) e chefe do Departamento de Sociologia da USP.

UMA NAÇÃO COM ALMA DE IGREJA: RELIGIOSIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS NOS EUA Organizador: Carlos Eduardo Lins da Silva Editora: Paz e Terra Quanto: R$ 36 (288 págs.) Avaliação: bom

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Avisos e perguntas para nossa prova

Oi pessoas.

Aviso 1: O texto do módulo de tecnologia está na xerox. Trata-se de um pequeno livro de Sérgio Amadeu da Silveira, com o título Exclusão digital, editado pela Fundação Perseu Abramo.

Aviso 2: na sexta-feira, dia 29 de maio, não teremos aula. Vocês estão liberados para assistir a aula-show dos músicos José Miguel Wisnik e Arthur Nestroviski, no salão da reitoria da UFBA, às 20h. É de graça. Sugiro que cheguem cedo, pois acreditamos que vai lotar. A atividade encerra o V Enecult, organizado pelo Ihac via CULT. Vejam a programação completa em www.enecult.ufba.br

Aviso 3: Seguem abaixo quatro das primeiras perguntas para a nossa avaliação final do semestre. Como vocês sabem, as perguntas serão sorteadas (ainda não sei quantas) no dia da prova. Outras perguntas, obviamente, ainda serão formuladas.

1. Dos textos lidos e discutidos em sala, qual deles segue mais o paradigma da complexidade e a proposta transdisciplinar proposta por Edgard Morin? Justifique sua resposta com pelo menos 3 argumentos.

2. Que ligações podemos fazer a partir das discussões sobre a teatralização da vida cotidiana (Maffesoli) e identidade cultural (Hall)? Crie pelo menos três elos entre os dois autores e suas discussões conceituais e teóricas.

3. Como podemos pensar as relações entre o corpo e a identidade de gênero? Que relações podemos fazer entre essas duas grandes questões?

4. Depois de nossas discussões sobre identidade, afinal, qual é a sua identidade cultural? Como a sua identidade passou a ser pensada/problematizada ou até parcialmente modificada?

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Novos estudos sobre gênero serão debatidos no V Enecult

O V Enecult (Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura – www.enecult.ufba.br), que ocorre na próxima semana em Salvador, vai contar com a participação de três importantes pesquisadores que estudam gênero e sexualidade no Brasil. Guacira Lopes Louro, Larissa Pelúcio e Luiz Paulo da Moita Lopes debaterão os novos estudos sobre gênero em uma mesa-redonda, no dia 29 de maio, às 10h, no salão da Reitoria da UFBA. “Quais são as colaborações dos chamados estudos gays e lésbicos, da travestilidade e da masculinidade, ainda pouco desenvolvidos no Brasil, para as discussões sobre gênero? Essa é uma das questões centrais propostas para a mesa-redonda”, explica o professor do IHAC, Leandro Colling, vice-coordenador do Cult (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura – www.cult.ufba.br), que realiza anualmente o Enecult.

A professora Guacira Lopes Louro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é conhecida divulgadora e estudiosa da teoria queer no Brasil. Vários dos seus trabalhos tratam sobre como a escola não está preparada para discutir gênero e sexualidade, especialmente quando os professores se deparam com estudantes que não são heterossexuais. O professor Luiz Paulo da Moita Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também trabalha com temáticas semelhantes, em especial como ocorre a construção das identidades de gênero em várias instituições, a exemplo da escola, a família e a mídia. Já a pesquisadora Larissa Pelúcio, da Universidade de Campinas, estuda as travestis. Atualmente, desenvolve sua pesquisa de pós-doutorado intitulada "Trans migrações: corpos, gêneros e prazeres na experiência de travestis brasileiras na indústria espanhola do sexo".

A mesa-redonda foi sugerida pelo grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (Cus), que integra o Cult. O grupo pesquisa a representação da homossexualidade nas telenovelas da Rede Globo. Os primeiros resultados do estudo já se encontram disponíveis no site http://www.cult.ufba.br/pesq_cult_sexualidade.htm. No V Enecult, os pesquisadores do Cus também apresentarão novos resultados da pesquisa, em uma sessão de trabalhos que ocorre na sala 9 da Faculdade de Comunicação/UFBA, na quarta-feira (27), das 14h30 às 16h.


Veja o mini-currículo dos integrantes da mesa-redonda:

Guacira Lopes Louro/UFRGS - Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, aposentada como professora titular da Universidade Federal do Rio Grande Sul - UFRGS, onde continua atuando como pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação. Fundadora do GEERGE (Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (www.ufrgs.br/faced/geerge) da UFRGS, dentre os livros de sua autoria destacam-se: Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista; Currículo, gênero e sexualidade; Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer; e a organização de O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Dentre demais trabalhos: O "estranhamento" queer; Teoria queer: uma política pós-identitária para a educação; Os Estudos feministas, os estudos gays e lésbicos e a teoria queer como políticas de conhecimento; Heteronormatividade e homofobia; Currículo, gênero e sexualidade -- O "normal", o "diferente" e o "excêntrico"; Sexualidades contemporâneas: politicas de identidade e de pós-identidade.
CV: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4787265H1

Larissa Pelúcio/UNICAMP - Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR, pesquisadora-colaboradora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu (UNICAMP) e participante do grupo de pesquisa Corpo, Identidades e Subjetivações, da UFSCAR. Atuando em temas como sexualidade, saúde, corporalidade, travestis e gênero, atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado intitulada "Trans migrações: corpos, gêneros e prazeres na experiência de travestis brasileiras na indústria espanhola do sexo". Dentre as suas principais publicações, destacam-se: Nos nervos, na carne, na pele: uma etnografia sobre prostituição travesti e o modelo preventivo de AIDS (tese); Toda Quebrada na Plástica: Corporalidade e construção de gênero entre travestis paulistas; Três Casamentos e Algumas Reflexões: nota sobre conjugalidade envolvendo travestis que se prostituem; Sexualidade, gênero e masculinidade no mundo dos T-lovers; A prevenção do desvio: o dispositivo da Aids e a repatologização das sexualidades dissidentes; "Mulheres com Algo Mais" - corpos, gêneros e prazeres no mercado sexual travesti; Fora do Sujeito E Fora do Lugar: reflexões sobre performatividade a partir de uma etnografia entre travestis que se prostituem; Gozos ilegítimos Tesão, erotismo e culpa na relação sexual entre clientes e travestis que se prostituem; Travestis Brasileiras - Singularidades nacionais, desejos transnacionais; Soropositividade, Pressão e Depressão: da Vida Nervosa das Travestis Vivendo com HIV/Aids; Mover-se é Luxo - travestis brasileiras e mercado transnacional do sexo, restrições, desafios e direitos no cenário europeu contemporâneo; Politização da Aids e formação do ativismo soropositivo; Academia, gestores públicos e movimento social - diálogos necessários.
CV: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4758592T6

Luiz Paulo da Moita Lopes/UFRJ - PhD em em Linguística Aplicada pela Universidade de Londres, Professor Titular do Programa Interdisciplinar de Lingüística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e pesquisador do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Estuda especificamente os processos de construção das identidades sociais (gênero, sexualidade e raça), o discurso e práticas identitárias em contextos institucionais (escola, família, mídia, hospital, sindicato, comunidades de samba, de hip-hop etc.) e letramentos escolares e não-escolares (digitais, midiáticos etc.) como espaços de construção das identidades sociais. Dentre os seus livros publicados, destacam-se: Identidades: Recortes Multi e Interdisciplinares; Discursos de Identidades: Discurso como espaço de construção de gênero, sexualidade, raça, idade e profissão na escola e na família; Identidades Fragmentadas: a construção discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. Dentre demais trabalhos, estão: Discursos sobre gays em uma sala de aula do Rio de Janeiro: é possível queer os contextos de letramento escolar?; Discurso como ação social: construindo a identidade de orientação sexual na escola; Momentos queer no contexto educacional: desafios na construção de performances alternativas para os corpos; Desestabilizações discursivas queer no letramento escolar: desafiando performances corporais naturalizadas; Como ser homem, heterossexual e branco na escola: posicionamentos múltiplos em narrativas orais; Gêneros e sexualidades nas práticas discursivas contemporâneas: desafios em tempos queer; A teoria queer em Lingüística Aplicada: enigmas sobre 'sair do armário' em salas de aula globalizadas.
CV: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4783230P6

terça-feira, 19 de maio de 2009

Na FSP de hoje

Polícia do RS descobre nova célula nazista

DA AGÊNCIA FOLHA

A Polícia Civil do Rio Grande do Sul anunciou ontem que detectou uma nova célula neonazista no Estado.Em ação realizada ontem pela manhã, em cinco municípios, policiais apreenderam três bombas de fabricação caseira, facas e uma "grande quantidade" de material com conteúdo neonazista.Em nota divulgada ontem pela corporação, o delegado que coordenou a ação, Paulo César Jardim, afirmou que não havia mandado de prisão contra os integrantes.Jardim investiga as atividades de extremistas desde 2002. As apreensões foram realizadas em Porto Alegre, Cachoeirinha, Viamão e duas cidades da serra gaúcha, que não foram divulgadas.Na ação da polícia, foram apreendidos, além das armas e bombas, material como livros, camisetas, CDs e DVDs.Na nota, o delegado Paulo César Jardim disse que o grupo neonazista se preparava para realizar ataques a sinagogas e a homossexuais. (MATHEUS PICHONELLI)

domingo, 17 de maio de 2009

Entrevista publicada na Folha de hoje

+Sociedade

UM DOS PRINCIPAIS HISTORIADORES DO NAZISMO, O INGLÊS IAN KERSHAW MOSTRA COMO HITLER CHEGOU AO PODER E EXPLICA POR QUE O REGIME NÃO PROSPEROU EM OUTROS PAÍSES

O nazismo não nasceu do psiquismo ou de uma característica específica da população alemã

MARTHA ZUBERMARTINE FOURKIEN

Apesar da fama que seus trabalhos sobre o nazismo lhe garantiu na comunidade internacional, Ian Kershaw continua apegado a sua Inglaterra natal.

Ele concedeu a entrevista abaixo na Universidade de Sheffield, onde leciona história contemporânea. Kershaw fala de seus estudos sobre o nazismo com confiança tranquila, revelando conhecimento aprofundado de inúmeras publicações sobre o assunto.

Como esse homem sossegado se tornou um dos maiores especialistas no regime hitlerista? Um pouco por acaso, explica. Duas circunstâncias orientaram sua escolha.

Por um lado, seu interesse nas questões políticas desse período e na história social; por outro, as aulas de alemão que cursou no Instituto Goethe de Manchester.

Em 1972 e 1974, duas estadas na Baviera reforçaram seu interesse pela civilização alemã. Trabalhou no prestigioso Instituto de História do Tempo Presente, em Munique, dirigido pelo historiador alemão Martin Broszat.Dessa época nasceria o livro "Popular Opinion and Political Dissent in the Third Reich" [Opinião Popular e Dissenso Político no Terceiro Reich].

Uma coisa levou a outra, e várias questões começaram a despertar a curiosidade do historiador: como explicar o "sucesso" do nazismo? A população alemã era impregnada de um antissemitismo mais profundo que o antijudaísmo tradicional dos países católicos? Por que, entre todas as economias industriais e capitalistas, a Alemanha foi a única a ter produzido uma ditadura fascista tão extrema?

PERGUNTA - Hitler elaborou uma teoria política ou aproveitou circunstâncias favoráveis para instalar sua ditadura? A quem, de fato, cabe a responsabilidade pelo nazismo?

IAN KERSHAW - Hitler foi alguém que tinha opiniões muito fortes e decididas sobre qualquer assunto. Radicalizava tudo e podia igualmente bem se enfurecer rapidamente ou entusiasmar-se de maneira desmedida.Em Viena, ele era solitário e pouco sociável. Na Primeira Guerra, foi considerado um soldado muito corajoso, mas um pouco excêntrico, que se mantinha à margem dos outros.Mas em 1919, em Munique, ele se deu conta de que podia ser ouvido. Ele diz em dois momentos do livro "Minha Luta": "Então tomei consciência de que eu podia falar". Essa visão muito maniqueísta das coisas se tornou um trunfo formidável quando ele começou a falar com as pessoas nas cervejarias de Munique.Foi essa visão de conjunto, taticamente muito flexível, que lhe permitiu, nos anos 1920 e 1930, adaptar-se aos interesses mais diversos -aqueles das diferentes facções nazistas e os da população alemã.Contudo seria restritivo demais dizer que a responsabilidade pelo nazismo recai sobre um único indivíduo. É verdade que Hitler tem mais responsabilidade que qualquer outra pessoa, mas, à medida que a crise da democracia alemã foi se desenvolvendo, ele foi atraindo mais e mais pessoas.Tampouco podemos dizer que o nazismo tenha nascido do psiquismo ou de uma característica específica da população alemã. Nas eleições de 1932 e 1933, 13 milhões de alemães votaram no partido nazista, número que não representava mais do que um terço dos eleitores. Quando as eleições eram livres, Hitler nunca recebeu mais de um terço dos votos, o que significa que dois terços dos alemães não votaram nos nazistas.O que se pode afirmar é que Hitler conseguiu articular certas tendências da cultura política alemã e atrair mais e mais pessoas. Portanto, a responsabilidade pelo regime nazista cabe, ao mesmo tempo, a Hitler, o homem, e a certos setores da sociedade -mas não à sociedade alemã em sua totalidade.

PERGUNTA - Então o sr. não aprova a tese do americano Daniel J. Goldhagen, que defende que o conjunto da população alemã, fundamentalmente antissemita, foi cúmplice do nazismo e do Holocausto?

KERSHAW - É evidente que havia um antissemitismo profundo na Alemanha muito antes da Primeira Guerra. Talvez mais do que na França, mas não mais que em toda a Europa oriental -na Polônia, Romênia, Hungria, Áustria, onde Hitler nasceu, e, sobretudo, Rússia. Nos anos 1920, porém, esse antissemitismo alemão era sobretudo passivo; o antissemitismo violento -e ativo- era obra de uma pequena minoria.É claro que essa minoria despertou entre 1929 e 1932, e os eleitores que votaram no Partido Nacional Socialista alemão (ou seja, os nazistas) sabiam que estavam votando num partido que odiava os judeus. Mas os estudos que foram feitos sobre o voto nazista nesse período mostram que o antissemitismo não foi a motivação principal desses eleitores.

PERGUNTA - Foi Hitler quem decretou a "solução final"?

KERSHAW - Considerar que Hitler tenha decretado a solução final equivaleria a dizer que essa ditadura funcionava segundo as leis ditadas por ele. Acontece que o que constatamos ao estudar o período dos anos 1930 é, antes, uma forma pragmática de governar.A radicalização do nazismo se deu por etapas até 1941-42, quando a Alemanha já estava em plena guerra contra a União Soviética, visando a erradicar o "bolchevismo judaico".Para os nazistas, judeus e bolcheviques eram a mesma coisa. Desde o primeiro dia da operação Barbarossa (a invasão da União Soviética pelas tropas alemãs), não houve nenhuma ordem explícita de Hitler.É preciso destacar o papel das SS como a organização mais poderosa e mais radical do Estado nazista. Foram elas que, nessa fase, colocaram em prática a divisa de Hitler sobre ser preciso livrar a Alemanha dos judeus.No verão de 1941, na União Soviética invadida pelas tropas alemãs, esse movimento se radicalizou. Os judeus começaram a ser fuzilados às dezenas de milhares. Em setembro, 33 mil judeus foram mortos em dois dias!O que seria feito, então, com os outros judeus da Europa? O extermínio já tinha começado na União Soviética; os chefes nazistas pressionavam Hitler para deportar os judeus austríacos e alemães para o leste, e Hitler deu sinal verde. Em seguida, o mesmo passou a ser feito com os judeus da Europa ocidental (incluindo a França).Os massacres foram o resultado de um processo que se desenrolou por etapas. Hitler tinha uma visão geral das coisas, mas deixava os outros agirem em seu lugar.Não pode haver dúvida quanto a sua responsabilidade nem quanto ao fato de ele ter sido um antissemita fanático. Mas foi o sistema nazista, com sua radicalização progressiva, que levaria ao genocídio dos judeus.

PERGUNTA - Em que Hitler, como o sr. diz em seus trabalhos, foi um líder carismático?

KERSHAW - É preciso entender a palavra "carismático" em seu sentido técnico, e não no sentido usual que assumiu hoje, quando falamos do carisma de um astro da música pop ou até mesmo de John F. Kennedy.Para o sociólogo Max Weber, o carisma significa que uma comunidade se investe em uma pessoa e atribui a ela certo número de qualidades heroicas. O que retiro de Weber é que o indivíduo não necessariamente possui essas qualidades que os outros enxergam nele.No caso de Hitler, por que esse homem que descrevemos como estando à margem da sociedade, ao mesmo tempo excêntrico e tão voluntarista, começa a ser ouvido por certas pessoas?Porque ele responde às aspirações delas.Na sociedade alemã dos anos 1920, as pessoas que nunca tinham ouvido falar em Hitler consideravam que o regime era corrompido pelos políticos, que a Alemanha estava afundando e que ela precisava de um grande líder como Bismarck ou Frederico, o Grande -alguém que pudesse salvar o país dessa terrível crise política e econômica e que permitisse um renascimento nacional.Foi assim que as pessoas começaram a acreditar em Hitler.Para um megalomaníaco como ele, que naquele momento já conquistara muita autoconfiança, o caminho estava traçado: o grande personagem que salvaria a Alemanha era ele.Ele ocupava o ápice de um sistema, tendo por missão alcançar certos objetivos.Mas, por trás disso, era submetido a pressões de diferentes facções -entre as quais é preciso destacar o papel poderoso do Exército, que até 1938 teve exatamente os mesmos objetivos de expansão militar que Hitler, embora a maioria dos oficiais não fosse nazista.Durante muito tempo, os objetivos dos nazistas mais ou menos coincidiram com os de grande número de nacionalistas alemães que faziam parte das elites tradicionais do país. Podemos afirmar que as Forças Armadas, os grandes empresários, os grandes proprietários de terras e os altos funcionários apoiaram Hitler durante muito tempo, até que foi tarde demais e se viram presos numa armadilha, dentro do culto a esse líder carismático.

PERGUNTA - Um modelo como esse poderia funcionar em outro país?

KERSHAW - É preciso levar em conta que uma das causas muito importantes para a ascensão do nazismo foi a crise profunda que atingiu a Alemanha nos anos 1930.A particularidade dessa crise é que ela foi multiforme: crise do sistema político e governamental, crise econômica, social e ideológica, tudo isso associado a um sentimento de humilhação nacional devido à derrota na Primeira Guerra.A Alemanha era um país em que a democracia tinha raízes frágeis, e o sistema político instalado após a guerra (a República de Weimar) nunca chegou a ser verdadeiramente aceito, nem por grande parte da população, nem pelas elites.Quando chegou a depressão mundial, em 1929, todo o sistema que passou a ser questionado, e não apenas certos setores. Na Grã-Bretanha, por exemplo, de 1929 a 1931, houve uma crise econômica e política, mas não uma crise de Estado. Com a exceção de uma pequena minoria muito radical, ninguém cogitava em questionar o rei ou o Parlamento. O sistema era suficientemente estável para fazer frente a uma crise.Na França, os governos da Terceira República (1870-1940) foram muito frágeis. Mas a França estava no campo dos vencedores (de 1914-18) e não passava por uma crise de amplitude igual à dos países em que o fascismo se instalou.Na Alemanha, a necessidade de uma regeneração nacional era uma mensagem muito forte da qual Hitler era o portador.Alguns imaginaram que ele não permaneceria no poder por muito tempo, mas, sob o Terceiro Reich, a economia começou a crescer novamente, o Exército foi reconstituído, a Alemanha recuperou territórios que havia perdido.Os ingleses e os franceses se mostraram muito fracos diante de Hitler, que foi se fortalecendo mais e mais. Diante disso, os alemães que hesitavam ou que não gostavam de Hitler se uniram à sua volta. E a dinâmica carismática funcionava cada vez melhor.Quando a guerra chegou, já era tarde para recuar -a ditadura já estava bem instalada por um processo progressivo de radicalização. O mito só desabou com a derrota, quando o sistema se audodestruiu depois de ter exterminado mais de 5 milhões de judeus.

A íntegra desta entrevista saiu na revista francesa "Sciences Humaines". Tradução de Clara Allain.

Leia mais sobre o debate em torno do nazismo, que divide os historiadores em "intencionalistas" e "funcionalistas", em www.folha.com.br/091331

terça-feira, 12 de maio de 2009

Mais um aviso

Oi pessoas.

Em função da dificuldade de definir um bom texto para as discussões sobre ciência e tecnologia, vamos modificar um pouco a ordem do nosso cronograma e programa. Por isso, o grupo 5, de comunicação, redes e globalização, passa a ser grupo 4 e ciência e tecnologia passa a ser grupo 5, ok? Isso vale para as duas turmas, de segunda e sexta.

O texto sobre comunicação, redes e globalização já está na xerox. Trata-se de um capítulo do livro do professor Milton Santos, Por uma outra globalização. O nome do capítulo é: A globalização perversa.

Enquanto isso, fico no garimpo para escolher um bom texto para ciência e tecnologia.

Um abraço, Leandro

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Seleção de estudantes

A assessoria de comunicação do IHAC seleciona estudantes que desejam atuar como bolsistas voluntários. Serão selecionados cinco discentes do IHAC, que deverão trabalhar na assessoria por oito horas semanais. A carga horária será creditada como Atividade Complementar dos voluntários.

Para participar da seleção, os interessados devem se dirigir à secretaria do IHAC, de 11 (segunda) a 15 de maio (sexta) e preencher a ficha de inscrição. A assessoria é coordenada pelo professor Leandro Colling e pela professora Karla Brunet.

O projeto da assessoria de imprensa foi aprovado na última reunião da Congregação Ampliada do IHAC, realizada no dia 5 de maio. A assessoria de comunicação tem os seguintes objetivos:

divulgar as atividades do IHAC (direção, funcionários, docentes e discentes) para os diversos públicos (internos e externos) através de veículos de comunicação existentes em Salvador ou, eventualmente, de outras cidades baianas ou de outros estados brasileiros;

divulgar as atividades da instituição através de publicações dirigidas e/ou redes específicas de informação;

criar e manter uma boa imagem do IHAC junto à comunidade da UFBA e junto à sociedade em geral;

tornar os integrantes do IHAC, em especial a direção e os pesquisadores, fontes de informação procuradas e respeitadas por jornalistas dos mais diversos veículos de comunicação.

Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail colling@oi.com.br.

domingo, 10 de maio de 2009

Entrevista sobre corpo, na FSP de hoje

MARTINE FOURNIER

Um dos grandes especialistas no corpo e em suas representações, o sociólogo francês Georges Vigarello fala, na entrevista abaixo, sobre temas como a evolução no tratamento da criança.Ele mostra também que a obsessão pelo corpo não é uma exclusividade dos tempos atuais.

PERGUNTA - O senhor mostra em "Le Corps Redressé" [O Corpo Reerguido] que, desde a Idade Média, educadores e pedagogos são obcecados pelo corpo reto... GEORGES VIGARELLO - Entre as normas relativas ao corpo, há uma muito importante, que é a exigência de uma postura reta. É claro que reencontramos essa exigência hoje.Mas muitas coisas mudaram desde o Renascimento, não somente na representação da retidão, mas sobretudo na maneira de obtê-la. Dito de outro modo, o corpo está no centro de uma relação pedagógica que evoluiu ao longo da história.Na Idade Média, esse objetivo já existia: por exemplo, recomendava-se ao jovem que não apoiasse os cotovelos na mesa ou, ainda, lhe diziam: "Não enfie a cabeça nos ombros, ou você poderá parecer um hipócrita. Não balance a cabeça de um lado para o outro, pois parece indeciso...".Na verdade, as posições do corpo são moralizadas. Nos séculos 16 e 17, a mão do mestre ou do educador é muito importante: é ela que se coloca sobre o corpo da criança para corrigi-lo.Encontramos exemplos nas "Mémoires de Mme. de Maintenon" (Memórias de Madame de Maintenon), que explica como sua doméstica apoiava a mão na barriga de sua ama para empurrá-la para trás, puxar seus ombros etc.Progressivamente, no século 17, a mão corretora vai encontrar um substituto nas malhas e corpetes que fazem as mulheres e crianças usarem. A profissão de fabricantes de corpetes foi criada nessa época.O corpete não era somente usado no caso de más-formações (o que era frequente), mas também cada vez mais de modo preventivo pelas crianças da aristocracia e da alta burguesia. Pode-se vê-lo em várias gravuras: o corpo da criança era sustentado no nível do peito por um peitoral e, no do pescoço, por um colarinho rígido.A educação do corpo consistia em uma restrição imposta. Essa prática irá perdurar ao longo de todo o século 18, embora ocorra então uma mudança essencial em termos de representação do corpo, e não somente no campo médico.

PERGUNTA - Quais são as mudanças que surgem no século 18? VIGARELLO - Surgem críticas muito severas a essas práticas corporais educativas. Entre as inúmeras vozes que se exprimem sobre a questão, Jean-Jacques Rousseau é o representante mais eloquente, especialmente no "Emílio" (1762).Essas críticas denunciam primeiramente o fato de que a criança sofre, sem nenhuma reação possível, o que lhe é imposto pelo adulto (vemos bem a ideia que surge: "É preciso libertar a criança").A segunda ideia subjacente é de que a criança tem força suficiente para poder dispensar o corpete: aparece assim a ideia do papel que podem ter os músculos na sustentação do corpo.Pois no século 18 começa a haver interesse por outro componente do corpo: a fibra, que constitui as redes nervosas e musculares, isto é, de toda uma atividade tensional. Vai-se então submeter a criança a exercícios físicos que a cansam, fazê-la andar descalça, obrigá-la a trabalhar de pé -inventam-se mesas com roldanas...De maneira mais geral, começa-se a conceber uma autonomia possível da criança: autonomia física, sem dúvida (resistência ao trabalho, ao cansaço, ao frio), mas também uma autonomia mais ampla. Estamos na época do Iluminismo, do nascimento de uma espécie de individualismo, mas também do respeito pelo indivíduo: tanto pelos adultos quanto pelas crianças, que são futuros adultos.É o início de uma inversão na relação pedagógica que virá no século 20.

PERGUNTA - Em que o século 19 revoluciona a pedagogia do corpo? VIGARELLO - O século 19 constitui uma ruptura absoluta, cuja importância ainda não mensuramos. Nas concepções médicas e higienistas da época, o músculo e o pulmão são objetos de todas as atenções.Mais concretamente, o século 19 inventa a ginástica. O princípio totalmente novo é o de que exercícios mecânicos seriam capazes de melhorar as forças e a eficácia do corpo. Manuais apresentam séries de exercícios numerados.A ambição é transformar o corpo para aperfeiçoar os músculos e os gestos, fazendo-o trabalhar em tipos de práticas mecanizadas e numeradas.O século 19, sobretudo em sua segunda metade, nos faz entrar em um espaço metrificado. Na fábrica ou na oficina, toda uma economia dos gestos começa a ser pensada, de modo que o trabalho do operário seja realmente rentável.Michel Foucault mostrou bem isso, tomando o exemplo da rentabilidade dos gestos no Exército. Há uma pesquisa da eficácia do corpo...É nesse quadro que nasce a ginástica escolar: todas as crianças efetuam ao mesmo tempo e no mesmo ritmo um certo tipo de movimento. Inventam-se as salas de ginástica e máquinas (manivelas, polias, roldanas, escadas) para obrigar o corpo a trabalhar.São os ancestrais de nossas academias de musculação... A concepção do mobiliário escolar também corresponde a esse tipo de inquietação diante do corpo. Números muito precisos indicam a distância entre o peito e a borda da mesa, a distância entre a altura do assento e a da carteira...

PERGUNTA - Na França, no fim do século 19, há conflito entre os defensores da ginástica e os defensores do esporte? VIGARELLO - O tempo parece produzir libertações em cascata. O corpo da criança em Rousseau é libertado em relação àquele que se trancava nas malhas e nos corpetes.O corpo da ginástica dá mais autonomia e disponibilidade à criança, enquanto o mantém nas formas de rigidez com exercícios precisos e forçados.Mas os anos 1880 veem surgir críticas extremamente severas e acirradas em relação à ginástica, considerada autoritária demais ou suscetível de promover uma cultura excessivamente militar...O esporte (corrida, ciclismo, canoagem...), cuja prática vem da Inglaterra, aparece nesse momento e é visto pelos que o praticam como uma verdadeira libertação.Nesses primeiros tempos não há uma orientação necessariamente higienista ou moral, como é o caso da ginástica.

PERGUNTA - Como o nascimento da psicologia irá operar uma nova ruptura na relação com o corpo? VIGARELLO - Os primeiros psicólogos começam a falar em sensações internas... Nos anos 1920, Jean Piaget falou em inteligência sensorial e motora e colocou em evidência o fenômeno da interiorização da motricidade.Mas é apenas a partir da segunda metade do século 20 que a psicologia irá influenciar as práticas, e mais precisamente nos anos 1960. O corpo não é mais concebido como uma simples mecânica, mas como portador de mensagens, de informações, de sensações vividas...Pede-se então ao sujeito que preste atenção no que ele percebe: não estamos mais na eficácia, mas sobretudo na afeição. A perspectiva é invertida, leva-se o sujeito a escutar a si mesmo.Outra mudança fundamental: não é mais uma norma abstrata, coletiva e genérica imposta de fora que predomina, mas a norma que cada um define para si mesmo.Então tomamos consciência de que existem várias maneiras de ser reto, de se portar, e que certas retidões correspondentes a normas individuais podem ser tão elegantes quanto outras...Estamos diante de um novo tipo de libertação. O pedagogo não é mais aquele que prescreve de maneira autoritária e inteligível, mas o que ajuda na percepção de cada um.Tomemos um exemplo sintomático: um esportista hoje pode dizer que "perdeu suas sensações"; isso era inimaginável nos anos 1930, quando ele devia simplesmente fazer o que lhe diziam! O corpo tornou-se o suporte de nossa identidade.Daí expressões cada vez mais individualizadas (o piercing ou a tatuagem, por exemplo) ou, ainda, as buscas de "reencontros" com o corpo (das quais a talassoterapia é um exemplo), como se esses reencontros nos permitissem ser realmente o que somos...Certas práticas, como as maratonas, esportes radicais ou outras práticas arriscadas, ou ainda as festas rave, com seus consumos e transes múltiplos, constituem uma maneira de explorar o corpo além de seus limites: a ausência de limitação do corpo toma o lugar das antigas transcendências.

Quem é


Professor na Universidade de Paris 5 e diretor de pesquisa da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris), Georges Vigarello é, atualmente, autor de obras como "História do Estupro" (Zahar) e "História da Beleza" (Ediouro).Neste último, ele analisa os conceitos de beleza do Renascimento até os dias atuais, mostrando suas transformações.Em tom acessível, Vigarello aborda também os diferentes ideais de perfeição, a adoção dos cosméticos, as práticas dos perfumistas e a arte do penteado, entre outros temas.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Aviso importante

Pessoas queridas.

Na aula da última segunda, eu prometi que deixaria hoje (quarta), na xerox, o texto obrigatório do módulo 4, de ciência e tecnologia. Novamente não vou poder cumprir minha promessa. Mas saibam que não é por descuido ou culpa minha.

A professora Elaine Norberto, do IHAC, e que também ministra o mesmo CC para outras turmas, sugeriu um trecho da tese de doutorado dela para as nossas discussões. Ocorre que a tese dela foi escrita em francês e ela está traduzindo o tal trecho. Ela se comprometeu a me mandar o trecho até domingo de noite, dia 10 de maio. Imediatamente, postarei o texto no blog. Na nossa próxima aula, discutimos se, por causa desse atraso, precisaremos reorganizar nosso calendário, o que é perfeitamente possível, ok?

Lembro a todos que na nossa próxima aula de segunda, dia 11, voltaremos a discutir os textos de Dejours e iniciarei a discussão do texto de Baumann. Os dois textos já estão na xerox da Facom há um bom tempo.

Um abraço, Leandro