quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O que é o prazer de estudar?

Pessoas

A discussão em nossa lista, para além de questões pessoais, que eu não vou apontar aqui (e elas existem), tem também a ver com o prazer de estudar. Alex disse que estava tendo muito prazer em estudar. Outros dizem que não. No nosso encontro do dia 16, acho que esse deve ser um ponto a ser discutido.

Para ajudar a pensar sobre, sugiro o texto que está nesse site: http://cev.org.br/biblioteca/a-escola-prazer-o-lazer-numa-instituicao-voltada-para-obrigacoes

Ele trata mais do ensino fundamental e médio, ao que parece, mas também pode ser útil para nossas reflexões.

Um abraço, desde Quito,

Leandro

sábado, 26 de setembro de 2009

Aviso e novo cronograma

Pessoas, tudo bem?


Segue abaixo o nosso cronograma até o final de semestre, com os ajustes que eu disse em sala que faria. Na sala expliquei que, em função de mais uma viagem a trabalho, a aula do dia 2 de outubro será ministrada pelo professor Adalberto Santos (ele tb passará uma lista de presença na sala - digo isso pq vários alunos já estão com 3 ou quatro faltas - mais de 4 faltas e o aluno está reprovado).



Adalberto dará uma aula sobre arte e tradição, tema de suas pesquisas. Assim, nosso tema de educação começará a ser discutido no dia 16, com o texto do Boaventura Santos, que está na xerox em nossa pasta. Nesse dia, como todos sabem, vcs devem entregar o roteiro de leitura, é o último roteiro. Quem quiser esse texto em pdf, mande mail para leandro.colling@gmail.com



Na nossa aula de sexta, encerrou o prazo para entrega de trabalhos anteriores. NÃO VOU RECEBER MAIS NENHUM TRABALHO ANTERIOR, POR FAVOR, NÃO INSISTAM. O meu adiamento de alguns prazos, infelizmente, foi interpretado por muitos como falta de rigor nos prazos, ou falta de prazos. Portanto, somente aqueles com quem já conversei na última semana podem entregar as versões finais dos trabalhos no dia 16 de outubro.


Gostaria também de dizer que lamentei muito as ausências da última aula. Creio que as pessoas perderam uma oportunidade de dialogar com um artista transgressor (não estou aqui avaliando a qualidade artística das obras do referido artista).


Era isso, e até dia 16.


OUTUBRO
2 – Aula sobre arte e tradição, com professor Adalberto Santos, do IHAC. (Leandro não estará em sala nesse dia)
9 – Congresso na Bolívia (não teremos aula)
16 – Início das discussões sobre Educação, conhecimento, informação. Ler SANTOS, B. de S. Da Idéia de Universidade à Universidade de Idéias. In: Pela Mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1999, p.187 a 226. Entrega do roteiro sobre esse texto.
23 – Continuação das discussões sobre Educação, conhecimento, informação e Revisão dos conteúdos e divulgação das perguntas da prova
30 – prova (sorteio de perguntas divulgadas com antecedência. Prova sem consulta)


NOVEMBRO
6 – Entrega dos projetos e acompanhamento dos trabalhos em desenvolvimento
13 - acompanhamento dos trabalhos em desenvolvimento
20 – Entrega dos trabalhos projetados e apresentação em sala
27 – apresentação dos trabalhos em sala


DEZEMBRO
4 – Entrega dos trabalhos corrigidos e notas. Avaliação do semestre


Formas de avaliação acordadas:
Primeira nota: Roteiros de leitura dos textos obrigatórios: peso 10
Segunda nota: prova (peso 10)
Terceira nota (dividida em):
projetos de pesquisa e/ou artísticos: 1,0
apresentação dos trabalhos em sala: peso 1,0
texto e/ou produto artístico: 8,0

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Nossa próxima aula

O cantor e compositor da banda Solange tô aberta, Pedro Costa, participa de um bate-papo com alunos no IHAC, nesta sexta-feira, dia 25, às 18h30, na sala 101 do PAF 3.

A atividade fará parte do componetente curricular de Estudos da Contemporaneidade II, ministrado pelo professor Leandro Colling, que está discutindo o tema arte e transgressão.

“Pedro vai falar sobre a sua experiência e eu vou explicar como eles utilizaram a teoria queer para formar a banda e transgredir as fronteiras dos gêneros (inclusive musicais). Todos os interessados em participar estão convidados”, explica Colling.

Quem deseja conhecer a banda, pode acessar os seguintes sites: http://esquizotrans.wordpress.com/2008/10/29/sobre-solange-to-aberta e www.youtube.com/solangetoaberta

Para saber um pouco sobre teoria queer, acesse http://www.cult.ufba.br/maisdefinicoes/TEORIAQUEER.pdf

O VALOR COGNITIVO DA ARTE (texto de Aires Almeida) Lisboa,2005

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Que a arte tem valor é algo que ninguém contesta seriamente. Mas o que faz a arte ter valor? Formalismo, hedonismo e instrumentalismo estético são algumas das principais teorias candidatas a explicar o valor da arte. O formalismo defende que as obras de arte têm valor intrínseco e que este é independente de quaisquer aspectos extra-artísticos. O hedonismo defende que a arte tem valor porque é um meio para obter prazer. O instrumentalismo estético defende que a arte é valiosa porque nos proporciona experiências estéticas compensadoras. Por diferentes razões, nenhuma destas teorias do valor responde satisfatoriamente ao problema. Uma alternativa mais credível é o cognitivismo, de acordo com o qual a arte proporciona conhecimento, sendo esse conhecimento que justifica o valor da arte qua arte. Nesse sentido, argumenta-se que as obras de arte, incluindo muitas obras de música instrumental não programática, são objectos intencionais. Intencionalidade que decorre das suas propriedades expressivas e representacionais, sendo a música instrumental capaz de exprimir e também de representar emoções. Assim, o conhecimento proporcionado por muitas obras de música instrumental é um conhecimento experiencial do nosso repertório emocional e decorre das propriedades estéticas das obras musicais. Conclui-se, mostrando, por um lado, que o cognitivismo estético não está comprometido com a ideia de que todas as obras de arte têm valor cognitivo — mas apenas com a tese de que as obras de arte paradigmáticas têm, tipicamente, valor cognitivo — e, por outro lado, que também não está comprometido com qualquer teoria normativa da arte.
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Aluno: C_BERNAS

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Plágio

Pessoas, encontrei dois plágios em trabalhos. Dou nota zero para alunos que praticam esse crime.

"O plágio é crime tipificado no art. 184 do Código Penal e com cominação de pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa."

vejam mais em http://prtr.blogspot.com/2008/10/plgio-crime.html

Arte e contexto

Recebi esse texto, via mail, da professora Elaine. Vejam que interessante.


"Quanto vale um artefato de luxo sem a sua etiqueta de grife?

Um cara desce na estação do metrô de Washington D.C, vestindo roupa casual: jeans, camiseta e boné, encosta-se próximo à entrada, tira o violino da caixa e começa a tocar com entusiasmo para a multidão que passa por ali, bem na hora do rush. Ele coloca em sua frente o case do seu violino e aos poucos alguns apressados deixam uns trocados (chamados de "pennys e quarters") na case do seu violino.

Durante os 43 minutos que tocou, foi praticamente ignorado pelos pouco mais de 1.000 usuários do metrô. Ninguém sabia porém, que o músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, executando peças musicais consagradas num instrumento raríssimo, um violino feito a mão por Anthonio Stradivari em 1713.

Este pequeno violino foi fabricado no "golden period" do luthier, período este quando Stradivari teve acesso as melhores matérias primas. Hoje este violino é estimado em mais de 3 milhões de dólares. Durante este evento Joshua fez questão de usar o valioso violino.

Alguns dias antes Bell havia tocado o mesmo "set list" no Symphony Hall de Boston, onde os melhores assentos tinham o custo aproximado de 1.000 dólares. E, pasmem, todos os ingressos foram vendidos! A apresentação teve sessão esgotada em poucas horas.

A experiência, gravada em vídeo, mostra homens e mulheres de andar ligeiro, copo de café na mão ou celular no ouvido, crachá balançando no pescoço, indiferentes ao som do violino. A iniciativa realizada pelo jornal The Washington Post era a de lançar um debate sobre valor, contexto e arte.

A conclusão da experiencia: estamos acostumados a dar valor às coisas quando estão num contexto. Joshua Bell e seu raríssimo Stradivarius eram uma obra de arte sem moldura. Um artefato de luxo, porém sem uma etiqueta de grife.

O vídeo da apresentação no metrô de Washington está no You Tube. Basta > procurar por: "Stop and Hear the Music" -- ou acessar diretamente o link: http://br.youtube.com/watch?v=myq8upzJDJc

Pra se interessar pelo assunto, encontrei o link do artigo completo > redigido e publicado no jornal The Washington Post em janeiro de 2008:> > > http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2007/04/04/AR2007040401> 721.html


PS: apenas como último comentário, as apresentações de Joshua Bell em seu Stradivarius, custam aproximadamente USD 150.000,00 (cento e > cinqüenta mil dólares!!!) por uma apresentação de cerca de uma hora. Neste evento no metrô, o mesmo set list, com o mesmo músico e o mesmo violino Stradivarius arrecadou USD 32,17 (pouco mais de trinta e dois dólares!!!).

É o valor da obra de arte, sem a sua devida grife!"

Vejam tb o vídeo de uma apresentação dele em um teatro: http://www.youtube.com/watch?v=3hkvkbuctiU&NR=1

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Aviso importante

Os alunos e alunas que ainda não entregaram todos os roteiros de leitura (foram 3 até agora - textos de Sarita, Canclini e João Teixeira) podem entregar os trabalhos até a próxima sexta-feira, dia 18 de setembro, impreterivelmente.

Esses roteiros devem conter o seguinte: cinco idéias centrais de cada texto MAIS uma rápida análise de algo contemporâneo. Essa análise deve ser feita à luz de alguma ou algumas das idéias de cada texto. Por exemplo: como podemos analisar algo da nossa realidade com as discussões sobre território e territorialidade?

Na nossa próxima aula, o quarto roteiro deve ser entregue, sobre o texto de Marcelo Coelho (Crítica cultural - teoria e prática). O texto foi enviado para a nossa lista e também está na xerox da Facom. Quem não recebeu o texto pelo e-mail, é só pedir: colling@oi.com.br

Lembro ainda que outro texto deverá ser entregue dia 25 de setembro. Nesse texto, o aluno deve estabelecer relações entre o texto sobre crise econômica com o filme A arquitetura da destruição, exibido em sala na última sexta, dia 11 de setembro.

Ao trabalho.

Boa semana, Leandro

domingo, 13 de setembro de 2009

Ainda sobre nossa última aula

Pessoas, ao final de nossa aula da última sexta, lembrei dessa entrevista que fiz em 2000, quando eu era repórter do Correio.
Um abraço, Leandro


“Fui ao banheiro da UFBA e vi a suástica na parede’

Pingue-pongue / Paul Gilroy

Leandro Colling Correio da Bahia, 08/08/2000, caderno Folha da Bahia.

Professor de Sociologia e Estudos Afro-americanos da Yale University (Estados Unidos), Paul Gilroy, 44 anos, esteve em Salvador, no final do mês passado, participando do VII Congresso da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic). Além de palestrar, ele também lançou aqui o seu mais novo livro Against race (416 páginas, U$29,95). Gilroy ficou conhecido internacionalmente com o livro The black atlantic (280 páginas, U$14,95). Ambos foram editados pela Harvard University Press e podem ser adquiridos pelo site http://www.hup.harvard.edu/.

Nesta entrevista, traduzida pela professora Liv Sovik, ele retoma algumas das suas preocupações como a presença do fascismo na sociedade contemporânea, a redução dos negros a meros símbolos, a validade da crítica ao pensamento de Gilberto Freyre.

Folha - Gostaria de começar repetindo uma pergunta que a professora Luiza Bairros, ligada ao movimento negro da Bahia, fez após a sua palestra no Congresso da Abralic. O senhor sugeriu uma mudança de ênfase no conceito de diáspora, não apenas relacionando-o com a idéia de movimentação de pessoas. Qual é a aplicabilidade do conceito para os movimentos negros do Brasil?

Gilroy - O conceito de diáspora tem maior utilidade quando é mais ligado à história da violência e terror. A visão mais escolástica o vê como sinônimo de viagens e produz uma inocência que, para mim, é profundamente preocupante. É muito fácil somatizar o deslocamento se você está numa situação confortável. Na intervenção que ela fez, enfatizou a elasticidade do conceito. Eu acho que a elasticidade é um dos motivos pelos quais vale a pena brigar por esse conceito. O que me interessa é a forma em que resistem as inclinações disciplinares e autoritárias dos que querem construir a nação. Mesmo quando eles têm boas intenções, acabam envolvidos em outras dinâmicas. No momento em que o nacionalismo insurgente se torna um nacionalismo governamental, está aí um umbral que precisamos olhar com cuidado. Porque o nacionalismo, em todas as suas formas, é um conjunto de patologias.

F - Na palestra, o senhor falou que essa mudança de ênfase do conceito de diáspora pode interromper a lógica daquele que tem o poder de determinar a identidade cultural. Como isso pode ocorrer?

PG - Existem diversas camadas nesse processo. A primeira é a circulação das pessoas, em geral relutantemente. É uma viagem forçada e por obrigação. Em segundo lugar, está a circulação de culturas materiais. Os objetos, à medida que circulam, podem transcender o seu estatuto de simples ou meras mercadorias. Em terceiro lugar, temos a circulação de idéias e mentalidades, a sensibilidade com relação ao mundo natural, externo e interno. Todas essas camadas contribuem com esse processo. E, depois, entram os processos tecnológicos, os complexos tecno-culturais promovendo diferentes padrões ou modelos de solidariedade. O meio acadêmico se identifica muito melhor com o movimento de culturas textuais do que com outros complexos tecnológicos e as formas em que a vida das pessoas pode se conectar.

F - Ao falar da terceira camada desse processo, lembro do seu novo livro, Against race, onde o senhor defende que a mídia reduz as pessoas negras a meros símbolos. O senhor poderia desenvolver esta afirmação? Em que segmento da mídia, o senhor vê isso com mais ênfase?

PG - Quando eu escrevi esse livro, estava pensando na revolução fascista política dos anos 30. Eu vejo esse momento como uma inovação primária política. Uma das formas em que isso se registra é na discussão, já antiga, chamada de estetização da polícia. Eu queria desenvolver essa discussão tomando outro rumo. Não como a política é fruto do ser espectador e da diversão em massa, mas rumo à presença dos significantes icônicos. Os símbolos destilados que são parecidos com esses planetas pesados que nós conhecemos, onde a matéria é tão densa que uma colherinha de chá já fura a terra. O surgimento destes significantes icônicos está ligado com a proibição da fala que os regimes autoritários e totalitários exigem.

F - O senhor poderia dar um exemplo?

PG - O símbolo da Nike vira um choque posterior ao da suástica. Esse aspecto de associação se dá através das rotinas da cultura da empresa. Me interessei em saber o que acontece com o corpo do negro nessas circunstâncias. Para tomar um exemplo óbvio, que não é o de Pelé, cito a figura de Michel Jordan. Eu sei que há algumas resistências a essas questões aqui, mas eu sei que ainda estão presentes. Se você compra a roupa com a grife dele, a logomarca é uma imagem dele pulando no ar com uma bola na mão. Isso torna-se um ícone em si mesmo. Eu queria entender como essa mentalidade empresarial tratou desta política identitária. A necessidade de saber e ter certeza de quem se é em circunstâncias que produzem uma ansiedade em torno de quem se é. Isso foi colonizado por interesses empresariais.

F - Então, o negro se transformou apenas num símbolo de vitalidade e isso também tem importância, mas não uma importância substancial?

PG - Na história do pensamento da raça, que divide claramente os atributos do corpo com os atributos da mente, aos negros foram delegados os atributos do corpo há muito tempo. Mas o diferente é que neste momento pós-moderno, a atividade corporal adquiriu um novo prestígio que atravessa culturas. Eu já observei da janela do quarto do hotel (ele estava hospedado na orla da Barra), os cidadãos privilegiados que estão fazendo exercícios na academia ali em frente. Esta é a cena primal do pós-moderno. É diferente, me parece, do praticar capoeira na praia.

F - No seu novo livro, o senhor também fala que o poder de sedução do fascismo não morreu com o fim dos fornos na Alemanha. Onde o senhor identifica o fascismo com mais força?

PG - Quando eu fui ao banheiro na universidade (UFBA), vi uma suástica na parede. Eu sei que vocês têm aqui um movimento neonazista pequeno. Quando perguntei a respeito, alguém me falou que queriam deportar os judeus, homossexuais e outras pessoas do Nordeste. Me pareceu que não iria sobrar mais ninguém. Eu não estou tão preocupado com as pessoas que colocam um crachá com a sua filiação ao fascismo dos anos 30, ou anunciando isso com uma linguagem política. Estou interessado nas pessoas que repetem os hábitos, os gestos, a solidariedade e as hierarquias como a pureza daquela política, sem dizer que são membros daquele grupo. Mesmo as pessoas que foram oprimidas podem ser vulneráveis a essa sedução. Essa é uma mímese muito perigosa deste poder. Podemos ser vítimas de manhã e, à tarde, podemos ser quem realmente aplica este mesmo terror. Isto tem a ver com o meu argumento em torno da falta ética em torno do nosso anti-racismo. A história do sofrimento não pertence apenas às vítimas e seus dependentes, mas tem um significado maior. Se as pessoas avançam em boa fé, podem ousar lançar mão disso e serão julgadas a partir daí, a partir do que fazem com a sua história.

F - Na palestra e também no novo livro, o senhor disse defender a aceleração da morte da raça. Como essa proposta repercute entre os próprios negros, depois de todo um movimento que tenta a afirmação da raça?

PG - Não me interessa tanto a morte da raça quanto a morte do racismo. Isso é o mais importante. Eu acho que podemos trabalhar melhor contra o racismo quando nós não antagonizamos a diferença racial. Existe um argumento histórico também. Depois da revolução da biotecnologia, e o surgimento do que na palestra eu chamei de biocolonialismo, temos um patrimônio em nossas assinaturas do nosso DNA. Não acho que a definição de raça do Século XVIII vai sobreviver a este encontro. Não implica que a ciência vai desmontar o racismo para nós, mas nos lembra que o discurso racial muda com o tempo e que, com a biotecnologia e o biocolonialismo, ele está passando por uma grande mudança. É possível que as aspirações eugênicas que acompanharam este movimento nostálgico vão nos dar saudades da época da raça.

F - Ainda é importante fazer a crítica a Gilberto Freyre sobre a miscigenação e responsabilizar ele pela criação do mito da democracia racial no Brasil?

PG - Como forasteiro, eu observo que este mito permite que a burguesia não se sinta nada pressionada sobre o racismo que existe no Brasil. Até que este recurso não exista mais, esta crítica terá que ser feita. Mas é uma crítica que não deve ser descartada inteiramente porque é o nosso alerta de padrões ou modelos de interdependência que ainda são muito importantes. A negrofobia e a negrofilia podem co-existir.

F - É a primeira vez que o senhor vem ao Brasil? Quais as suas impressões sobre Salvador?

PG - Sim, é a primeira vez. Há muito tempo que eu queria vir, mas seria errado vir sem ter um ponto de diálogo. Eu queria ouvir o que as pessoas estão dizendo. As impressões são um pouco misturadas, mas chamou a atenção a ambivalência de um Pelourinho disneyficado. Na palestra, eu quis dizer que o Pelourinho não era um lugar de memória da maneira que eu esperava. É estranho quando você vê o material turístico que nós recebemos aqui, como visitantes privilegiados, e a palavra escravidão nunca ser mencionada. Nós somos informados que a indústria açucareira teve um grande boom no Século XVIII. Me parece que a incapacidade de falar a palavra escravidão não é um bom sintoma.

sábado, 12 de setembro de 2009

Ainda cidades - hoje na Folha

ANÁLISE

Paris mira o futuro para evitar catástrofe

FERNANDO SERAPIÃO

ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando Georges Pompidou idealizou o Beaubourg para o bairro do Marais, em Paris, nasceu um novo paradigma na arquitetura e no urbanismo universal: um potente edifício cultural, que misturasse arquitetura de vanguarda e intensa programação, poderia renovar espontaneamente áreas degradadas (a equação não é tão simples assim e nem sempre eficaz: vide a Luz, em São Paulo).

Uma década depois da abertura do prédio, outras regiões de Paris foram renovadas com essa estratégia: François Mitterrand construiu projetos culturais grandiosos -como, por exemplo, a pirâmide do Louvre e o Museu d'Orsay. Esses dois fatos consolidaram o início da era dos museus, que aposta em projetos arquitetônicos midiáticos e que teve o seu ápice longe de um tecido urbano histórico: Frank Gehry, um ex-caminhoneiro, colocou Bilbao no mapa global ao desenhar a filial espanhola do Museu Guggenheim.

De lá para cá, o aquecimento da economia mundial colocou a arquitetura contemporânea de cabeça para baixo: estranhos edifícios, encomendados por políticos e instituições, saíram das pranchetas das grandes estrelas do mundo arquitetônico.

Tal como aconteceu recentemente no MIS (Museu da Imagem e do Som) do Rio de Janeiro, os contratantes não pensam somente em bons projetos: preocupam-se, sobretudo, em criar "ícones arquitetônicos" (é necessário que se diga: quase ninguém chegou lá). Após a recente crise da economia mundial, os críticos mais ligeiros apostaram no fim dessa lógica perversa. O presidente dos EUA, Barack Obama, ajudou no raciocínio quando anunciou investimentos na construção de escolas, parques, habitações públicas etc.

Plano de Sarkozy

Mas coube novamente a um presidente francês criar novo paradigma. Deixando de lado os edifícios midiáticos, Nicolas Sarkozy idealizou o Grand Paris, um conjunto de ideias que pretende pensar o futuro das grandes metrópoles. Assim, a discussão deixa o âmbito estético e vai para o plano urbano, visando o bem-estar de todos, a sustentabilidade no pós-Kyoto. É a primeira vez que um presidente de um país central convoca grandes cérebros para pensar o assunto.

O problema imediato de Paris é a articulação entre o centro histórico, rico, e a periferia, de imigrantes pobres. E as soluções apresentadas são diversas. Agora, vem a fase mais difícil que será analisar a pertinência das ideias e, possivelmente, colocar algumas em prática. Só o tempo dirá se é ou não um golpe de marketing político. Seja como for, a ação tem, desde já, grande virtude: nos convoca a discutir o futuro realista da cidade, que fica entre a utopia e a catástrofe.

Assim, podemos deixar de lado o curto raciocínio da ampliação de avenidas ou da construções de novas pontes. Fica a pergunta: qual cidade tendes em mente?

FERNANDO SERAPIÃO é arquiteto e editor-executivo da revista "Projeto Design

Na FSP de hoje

MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma cidade flexível, repleta de parques por diversos bairros, transporte fácil e qualidade de vida acessível a todos os habitantes. Essa metrópole ideal, imaginada pelo arquiteto Christian de Portzamparc, é quase uma utopia, frente aos graves problemas enfrentados por locais tão diversos como São Paulo, Paris e Pequim.

"Paris, assim como São Paulo, está à beira do colapso", afirma Portzamparc, 65, o principal arquiteto em atividade na França e ganhador do Prêmio Pritzker (o Nobel da arquitetura), no ano de 1994.

"Quando eu falo na França que Paris vive os mesmos problemas de São Paulo, as pessoas acham que é um exagero, mas não é", diz ele. "As metrópoles são fenômenos novos. Suas dificuldades devem ser enfrentadas de novas maneiras."

À frente de um dos dez escritórios de arquitetura contratados pelo governo Sarkozy para reformular o urbanismo da Grande Paris em um período de 20 a 40 anos, Portzamparc esteve em Brasília na segunda e na terça para participar de seminário internacional sobre as metrópoles.

De lá, pela TV, viu o caos que se abateu sobre São Paulo após temporal, na terça. "É uma situação esperada. Privilegiar grandes vias expressas [como as marginais] e o transporte individual termina por criar coisas desse tipo."

Para Portzamparc, as grandes avenidas criam, pouco a pouco, bairros-enclaves, que não se relacionam com o restante da cidade de forma sustentável. "Em Paris, por exemplo, essa circulação expressa cria setores segregados. Isso cria espaços sem futuro, que vivem unicamente de um tipo de atividade. Uma cidade sustentável tem de ser flexível."

Por isso, o arquiteto observa semelhanças entre as atuais configurações da capital francesa e seus arredores e da Grande São Paulo. "A separação física e social, os problemas gerais de transporte, resultaram, em 1995, na grande onda de violência pela qual passaram Paris e outras cidades francesas. São Paulo não passou por isso, mas também vive um problema grave de circulação."

Pequim, que o urbanista visitou recentemente, também está optando por um modelo errado, segundo ele."É uma loucura, eles têm seis ou sete autoestradas periféricas e não investem nada em transporte público. Por que não? Porque todas as indústrias automobilísticas estão lá e vão investir em décadas de crescimento do mercado automobilístico na China, uma coisa imensa."

Soluções

O conceito de cidade flexível proposto por Portzamparc para Paris reinventa uma antiga ideia sua, a de quadra aberta, junto de grandes intervenções sobre o tecido urbano da capital e seus arredores. O plano cria "arquipélagos" verdes, parques espalhados por diversas regiões e espaços ociosos de linhas férreas.

Transporte coletivo é outro foco do programa, com a construção de um monotrilho (espécie de metrô) sobre o atual anel periférico da Grande Paris, além de outras linhas para integrar todas as cidades.

"Falo em quadras abertas há 20 anos, cujo centro é a rua, uma invenção extraordinária. Temos de revalorizar a rua, que é a verdadeira organização espacial de democracia, onde pobres e ricos andam lado a lado."

Brasil

Fascinado pela arquitetura brasileira feita por nomes como Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy (1909-1964, que projetou o MAM Rio), "a melhor do mundo quando a estudava na adolescência, nos anos 60", Portzamparc diz que espera que seu projeto no Rio, a Cidade da Música, seja concluído no final do ano que vem.

"Seria uma coisa desastrosa se não a finalizassem. Existem detalhes de acústica muito específicos que devem ser seguidos. O público de um concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira e da Osesp, por exemplo, merece receber um bom som."

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Na FSP de hoje

SILAS MARTÍ

DA REPORTAGEM LOCAL

No verão de 1974, Andy Warhol decidiu mudar seu estúdio para um prédio no outro lado da rua, da Union Square West para uma esquina da Broadway. Queria juntar no mesmo piso as obras e objetos que já ocupavam três andares do ateliê que deixava para trás -o mesmo onde levou tiros calibre 32 no baço, estômago, fígado, esôfago e nos pulmões disparados pela atriz Valerie Solanas, num atentado em 1968.

Sobreviveu e, seis anos depois, quis abrir uma nova Factory, nome que dava a seus estúdios. Não queria estranhos mexendo nas coisas e determinou que seus assistentes pessoais teriam de carregar tudo para o novo endereço. Então um deles, Vincent Fremont, desceu à rua e voltou com centenas de caixas modelo 42 F da A & A Carton Company.

"Disse que as caixas poderiam ser como cápsulas do tempo, e o Andy gostou muito disso", lembra Fremont, que dirigiu a Factory por 20 anos. "Ele passou a ter sempre uma caixa perto da mesa dele e jogava tudo dentro. Fez isso até morrer."

De 1974 a 1987, quando Warhol não sobreviveu a uma cirurgia na vesícula, conseguiu encher 610 caixas com tudo que passou na sua vida: desenhos, anotações, convites, fotografias, até restos de comida.

Agora o Museu Andy Warhol, em Pittsburgh, contratou quatro arquivistas para catalogar tudo que foi encaixotado pelo maior nome da pop art e pretende lançar neste mês um blog para destacar, semana a semana, os tesouros de Warhol.

Tem um pôster autografado de Jackie Kennedy nua, cópias assinadas de livros de Tennessee Williams, Truman Capote e Allen Ginsberg. Um pedaço embolorado de um bolo de casamento, pão mofado, pastilhas de menta. Cartas de Elizabeth Taylor e Arnold Schwarzenegger, convites para a festa de inauguração do Studio 54.

"Andy guardava tudo e todos os tipos de coisas, de envelopes vazios ou nunca usados a grandes cartas de celebridades", conta Matt Wrbican, arquivista do museu. Ele deve passar os próximos seis anos mergulhado nas pilhas de caixas, tempo que deve levar para inventariar o que sobrou da vida de Warhol.

É como se o artista que fez do escrutínio da condição de celebridade o mote central de sua obra agora virasse vítima da própria lógica, uma estrela fetichizada um tanto em vida e cada vez mais depois da morte.

Nos inventários dos itens de algumas caixas, obtidos pela Folha, estão instruções detalhadas para preservar até mesmo um pedaço de pão num embrulho plástico, já invadido por insetos que devoraram parte das sobras. Também foram contadas as balas Altoids esquecidas em várias embalagens -estão nas caixas 171 e 227.

Esse cuidado obsessivo se sustenta na visão de parte do entourage do artista, que vê o conjunto de suas cápsulas do tempo como obra. Ele mesmo considerava, como escreveu em seus diários, que essas caixas poderiam ser trabalhos em si. Pensou até em vender algumas delas, mas não conseguia se desfazer de quase nada.

"Encaramos mesmo isso como obra de arte, um trabalho em série, com 600 partes", diz Wrbican. "No diário, ele falava em vender isso tudo, só que às cegas, já que o comprador não poderia olhar o que estava na caixa antes de levar para casa."

Obsessão pelo comum

Warhol nunca foi em frente com a ideia porque gostava de acumular tudo, num colecionismo voraz de fragmentos do tempo, índices banais da época. "Ele não conseguia jogar nada fora", lembra Wrbican. "Andy gostava de tudo em grandes quantidades, não comprava um de nada, eram sempre dez, adorava ter muitos múltiplos de múltiplos", completa Fremont.

Mesmo das coisas sem valor. Warhol tinha obsessão pelo comum, a coisa qualquer, e gostava mais ainda se fosse algo que não era vendido. Roubava talheres de trens e aviões, fazia estoques de caixinhas de fósforo quando ainda eram distribuídas nos voos da Air France.

"Era um processo de documentar o seu tempo, a cultura em que ele vivia, as pessoas que conhecia", descreve Fremont. "É um momento congelado no tempo, um pedaço dos anos 70 e dos anos 80 que vai durar enquanto houver essas caixas, como num mapa do passado."

Fremont também acredita que os índices reais da vida ardida de Warhol possam esclarecer algumas questões e desmontar mitos que surgiram em torno da Factory e os excessos de purpurina e anfetaminas.

Se essa mitologia apagou parte do discurso, também ressalta uma contradição. "Ser fascinado pelo que já foi é diferente de ser fascinado por algo que existe agora", diz Christopher Makos, fotógrafo que trabalhou com Warhol e registrava suas viagens pelo mundo.

"Andy era conhecido por ser do momento, queria ver o último filme, ouvir o último disco. Nem ele entenderia esse fascínio de agora por seu próprio passado."

E o passado de Warhol ofusca o presente dos que sobreviveram à Factory. Makos deve sua carreira fotográfica aos registros que fez do artista e até hoje é chamado para expor retratos e trabalhos daquela época.

Já Paul Morrissey, que produziu os filmes de Warhol, se ressente de ter sido sempre relegado a um segundo plano nos créditos. Ele vê na história das caixas uma metáfora triste da personalidade de Warhol. "Ele era uma caixa vazia e usava seu nome para apresentar o trabalho dos outros", diz Morrissey.

Mas não importa para a história e seus fetiches. "Só existe um Andy", diz Peter Wise, outro assistente do artista. "Da mesma forma que só existe um Elvis ou um Deus."

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

CRISE QUE DESAFIA A CAPACIDADE DE MUDANÇA

Um ano de cores sombrias: 2009 aparece em todas as previsões como o primeiro ano da maior crise mundial desde o fim da Segunda Guerra. Mas o ano que se inicia no dia 20 de janeiro, com a posse do primeiro presidente negro americano, promete ser também um ano de fortes mudanças. Barack Obama foi eleito com a promessa da mudança e, por conta do muito prometer e de formar um gabinete de adversários reunidos em torno de uma grande mesa de negociações, à sombra de Abraham Lincoln, o novo presidente tem quase tudo para decepcionar as altas expectativas em torno de seu governo. Para evitar o pior, terá que priorizar: milhões de empregos para a classe média e um plano de saúde para todos os americanos são as metas anunciadas já para 2009. Para tanto, Obama fala em investimentos iniciais de US$ 700 bilhões. Terá, porém, que investir bem mais. Investimentos maciços do governo são a única luz no fim do túnel de 2009. Para tanto, será preciso ampliar a dívida, emitir títulos do Tesouro, reorientar a economia na direção de energias alternativas e da redução da dramática dependência americana do petróleo importado. No front da política externa, as promessas mais aguardadas são a retirada das tropas do Iraque, o aumento de efetivos no Afeganistão e o fechamento de Guantánamo. Quem decidiu ter um gabinete de adversários numa grande coalizão nacional, incluindo democratas, republicanos e independentes na máquina governamental, terá que muito rapidamente aprender a dizer não e desagradar uns e outros.

Não será tarefa fácil. A audácia da esperança, para usar o jargão de Obama, vai depender sobretudo da capacidade do presidente em administrar conflitos sem perder a liderança. Obama recebe o pior legado do governo anterior desde Harry Truman. Mas conta com um Congresso de ampla maioria democrata nas duas casas. A luta será sobretudo interna ao Partido Democrata: correntes muito diversas disputam a hegemonia dentro do novo governo. Obama prevê para si mesmo o papel de fiel da balança, e deve tornar-se rapidamente um arriscado equilibrista na corda bamba de um país em forte convulsão interna, causada pelo alto índice de desemprego, que já beira 9% da força de trabalho, e pelos dolorosos ajustes de mercado. O Congresso americano, ao aprovar a ajuda emergencial para a indústria automobilística, já sinalizou o que deve dar a tônica do ano de 2009: a ajuda do governo terá como contrapartida a renegociação dos direitos trabalhistas, em nome da garantia de competitividade, num mundo em que os mercados asiáticos, sobretudo a China, pagam menos e produzem mais. A garantia de emprego vai cobrar o preço da perda de benefícios, o que certamente redefinirá o padrão de vida americano e o impacto da crise no consumo e, em consequência, em outras economias, sobretudo as emergentes. Qual o tamanho da queda? Esta é a incógnita de 2009.

O melhor cenário: negociações hábeis e rápidas, capazes de diversificar a economia e produzir ações globais, negociadas internacionalmente, para reverter ou amenizar os impactos da recessão, com expectativa de melhoria no primeiro semestre de 2010. O pior cenário: conflitos internos e impasses internacionais nos fóruns de negociações podem fazer com que a crise se arraste bem mais tempo e leve a uma depressão de médio prazo. O cenário mais provável: Obama deve decepcionar quem tem altas expectativas de mudança e agradar quem pensa simplesmente em sobreviver a tempos difíceis. De um modo ou de outro, o mundo de 2009 nunca mais será o mesmo de antes da crise.

(texto de Marília Martins - diário de Nova Yorque)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Para ajudar a entender a crise

TENDÊNCIAS/DEBATES

As políticas keynesianas à prova

PAUL SINGER

O combate a crises oferece oportunidades de expandir serviços e infraestrutura vitais para a qualidadede vida dos mais carentes

KEYNES demonstrou que o nível de atividade e emprego, em qualquer economia de mercado, depende da demanda efetiva por bens e serviços de consumo pelas famílias e por bens e serviços de investimento pelas empresas. Quanto mais as famílias consumirem e as empresas investirem, tanto mais crescerão a produção e o emprego. Se, por algum motivo, os gastos de consumo e de investimento caírem, a produção e o emprego os acompanharão na queda.

A crise resulta do encolhimento da demanda efetiva (como Keynes, também não consideramos aqui efeitos do comércio externo e do gasto público, para facilitar o entendimento).

A queda da demanda efetiva em muitos países, a partir de 2008, tem por causa a redução do crédito, resultante da crise de inadimplência causada pelo estouro da bolha imobiliária em 2006. Entre 2001 e 2006, bancos de investimento passaram a oferecer abundantes financiamentos para a compra de moradias, em condições muito favoráveis, o que fez a demanda por imóveis crescer à frente da quantidade posta à venda. Logo, os preços dos imóveis subiam o tempo todo, caracterizando a bolha.

Em 2006, o número de compradores começou a cair, enquanto a quantidade de prédios e casas em construção ainda crescia. A falta de compradores fez com que os preços dos imóveis começassem a encolher, decretando o fim da bolha. As famílias que haviam comprado moradias a prazo, cujos valores caíam abaixo da dívida por pagar, suspenderam sua amortização, dando aos bancos e aos fundos que possuíam esses créditos em carteira prejuízos totalizando muitos bilhões de dólares.

As instituições financeiras atingidas não tinham mais como cumprir suas obrigações com as demais, assim também alcançadas pelo vórtice da inadimplência. O resultado se tornou patente em 2008: as finanças de todas as economias nacionais globalizadas foram tomadas pelo pânico. Mesmo os bancos pouco atingidos suspenderam as operações de crédito, com medo de os tomadores ficarem inadimplentes. O crédito se tornou ultraescasso e a crise atingiu empresas não financeiras. A crise da indústria automobilística, por exemplo, se deveu à queda das vendas, relacionada ao encurtamento dos prazos de pagamento dos carros, e a formação de estoques invendáveis deixou a indústria sem dinheiro para pagar fornecedores e empregados, que haviam construído os carros encalhados nos pátios.

Processos como esses atingem paulatinamente todas as atividades econômicas, que tendem a parar se nada for feito. A política anticíclica keynesiana consiste essencialmente em ações do setor público em substituição ao setor privado, paralisado pelo pânico. Os bancos públicos "salvam" tanto bancos privados em crise -oferecendo-lhes o crédito que eles se negam mutuamente- como empresas não financeiras em crise.

Além disso, as instituições governamentais podem ampliar a oferta de serviços públicos -educação, saúde, pesquisa, saneamento, segurança, justiça etc.-, pois, diferentemente das firmas privadas, não visam lucro e não correm o risco de quebrar.

Os governos são responsáveis pela construção, conservação e restauração da infraestrutura urbana -de transporte e energia, entre outras- e as promovem até o limite de seus recursos orçamentários, quase sempre aquém das necessidades. O combate a crises oferece oportunidades para expandir serviços e infraestrutura vitais para a qualidade de vida dos mais carentes. Além disso, governos democráticos distribuem renda diretamente aos mais pobres, sob a forma de Bolsa Família, cestas básicas, merenda escolar, habitação de interesse social e reforma agrária. Na medida em que essas políticas são financiadas por impostos arrecadados dos mais ricos, a demanda efetiva de consumo sobe, contribuindo diretamente para o aumento da produção, do emprego e do investimento.

Como os ricos entesouram rendas adicionais -ao passo que os pobres as gastam para satisfazer suas necessidades mais urgentes-, a redistribuição de renda financiada pelos impostos pagos pelos primeiros contribui com o aumento de produção, emprego e investimento e, portanto, com o combate à crise. Todas essas políticas ativam a economia e ao mesmo tempo a tornam socialmente mais justa. Elas terão sucesso, no entanto, apenas se puderem superar o pânico e restaurar a confiança na sociedade civil de que a economia está reagindo e de que os primeiros a ampliarem suas atividades produtivas serão recompensados. O que, na prática, não deixa de acontecer.

PAUL SINGER , 76, economista, é professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (Universidade de São Paulo) e secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).

FSP São Paulo, quinta-feira, 19 de março de 2009