sábado, 24 de outubro de 2009

No A Tarde de hoje

Antonio Risério

Escritor

Quando Antonio Carlos Magalhães decidiu construir o Centro Administrativo na Avenida Paralela, teve genteque achou que ele tinha enlouquecido. “O governador está louco, quer levar o governo pro meio do mato!” – era um dos comentários que então seouviam. Mas não havia nadade louco na ideia. Era, simplesmente, a primeira vez que se pensava Salvador emtermos metropolitanos.

O secretário de Planejamento, na época, era Mário Kertész. E ele soube escolher com quem trabalhar. Mário procurou Lúcio Costa, o urbanista que projetou Brasília. E Lúcio (embora reclamasse da Paralela, uma avenida bonita, mas desconfigurando, desnecessariamente, o desenho topográfico da região, cortando colinas) fez o traçado da avenida do viaduto de acesso ao Centro. E de todas as avenidas do CAB. Mais tarde, em meio ao processo deconstrução dos prédios, entrou em cena, por sugestão de AlexChacon e Roberto Pinho, o arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé. Era uma dupla, Lúcio-Lelé, pra ninguém botar defeito.

Mas houve reação. Empreiteiros locais se rebelaram logo contra o projeto em pré-moldado de Lelé. Aquilo poderia ser até bonito, mas não seria assim tão lucrativo para eles. A verdade é que Lelé projetava obras nuas, a serem executadas por um sistema nada convencional de construção. Obras difíceis de sofrerem superfaturamento. E empreiteiros costumam não gostar disso. Mas o trabalho foi feito.

Como CAB, houve um deslocamento do centro comercial da cidade. Na mesma década de 1970, tivemos a implantação do Polo Petroquímico de Camaçari. Tudo mudou. Surgiram na cidade, inclusive, bairros novos.

Mas quero falar da Avenida Paralela hoje. O que era deserto apresenta agora congestionamentos de trânsito. Pessoas fazem exercícios físicos no canteiro central da avenida. A Paralela, como o CAB, passou a fazer parte de nossa paisagem e de nossas vidas. Mais que isso: a Paralela, hoje, nos oferece um retrato perfeito de Salvador.

A começar pelas construções religiosas. Temos a Igreja da Ascensão do Senhor, no Centro Administrativo. Mas temos, também, um templo evangélico. E diversos terreiros de candomblé, que se concentram na Invasão das Malvinas, também chamada Bairro da Paz. Terreiros pra tudo quanto é gosto, por sinal.

E que se declaram de diversas “nações”: angola, ijexá, jeje, keto, etc. Até a umbanda se faz presente, no Centro Espírita Caboclo Tumba Jussara, na 7ª. Travessa Ubatã, número 12.Vemos, na Avenida Paralela, os extremos reais e vitais desta nossa cidade. A sede administrativa estadual, com todas as suas muitas secretarias, e o comércio de “crack” e cds piratas.

O prédio da Odebrecht, as jovens prostitutas e a favela sinuosa, com seus becos quase sempre perigosos. Um bairro confuso, cervejeiro e ruidista como o Imbuí. A revendedora de automóveis de luxo e a oficina furreca, reciclando fuscas. As novas faculdades particulares – que mais sugerem “shopping centers” supostamente pedagógicos – e o analfabetismo.

Projeta-se um condomínio caro ao lado de um conjunto habitacional classemediano e perto de barracos precários, que se esforçam para se manter de pé. Enfim, a Avenida Paralela, hoje, é um retrato concentrado de Salvador. Da vida atual da cidade que, bem ou mal, se metropolizou. Girando entre os camelôs do Iguatemi e os absurdos visuais de Lauro de Freitas, antiga Santo Amaro do Ipitanga. É um espaço que fervilha e esfervilha, durante todos os dias da semana, entre passarelas, táxis, indigentes, engravatados, policiais, lojas, sobrelojas, sublojas e postos de gasolina, que se revelaram bares da madrugada, com seus cheiros e sons intoleráveis.

Acho que nossos jovens estudiosos e pesquisadores, economistas, sociólogos e antropólogos têm ali um prato feito. Mas não só para “cientistas sociais” – também para jornalistas, cineastas, etc. Na verdade, a Avenida Paralela se converteu num segmento urbano altamente privilegiado para quem se disponha ao chamado “trabalho de campo”. Para quem queira ver de perto o que é, de fato, Salvador. Ou no que ela se transformou. Porque esta cidade não se resume à praia, nem se circunscreve ao seu centro histórico. É muito mais fragmentada e fragmentária do que nós, com todos os nossos clichês e estereótipos, costumamos imaginar.

Mais questões da avaliação

Pessoas, seguem as últimas perguntas de nossa avaliação:

Dialogando com o texto de Boaventura Sousa Santos, ligue pelo menos quatro idéias do autor com o surgimento e implantação do IHAC.

Um dos assuntos que atravessou pelo menos três temas discutidos no semestre têm relação direta com um pensamento conservador e elitista. Com base nisso, aponte como as cidades (Canclini), a arte (em Marcelo Coelho e no filme Arquitetura da Destruição) e a universidade (Boaventura Santos) são pensadas através de um pensamento conservador e como esses autores apresentam reflexões contrárias a esses conservadorismos e elitismos.

Ainda universidade

Pessoas, Cláudia enviou esse interessante link

http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1349665-5602,00.html

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Mais dicas

Modelo americano ou europeu: qual o melhor caminho para a Universidade brasileira?
http://www.espacoacademico.com.br/014/14bert.htm


Funcionamento do sistema de ensino superior americano
http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=2166

Perguntas da avaliação

Oi pessoas, conforme prometido, e conforme nosso cronograma, seguem as três primeiras questões de nossa avaliação, marcada para dia 30 de outubro.
As questões pretendem ligar os textos e produzir uma reflexão sobre a nossa realidade. Ou seja, depois de um esforço de entender os textos, partimos para uma ligação dos saberes (uma das fortes características de uma proposta interdisciplinar) e uma tentativa, através disso, de pensar "a realidade".
Um abraço, Leandro

1. Os territórios e as territorialidades, conforme destacou a autora do texto discutido em sala, Sarita Albaglia, possuem dimensões físicas, políticas, simbólicas e econômicas. Já Canclini refletiu sobre as cidades da América Latina. Como é possível pensar as cidades através dessas quatro dimensões destacadas por Sarita? E como essas reflexões podem ser aplicadas para pensar Salvador (ou um recorte dela, um caso) em específico?

2. O texto de Sarita fala da dimensão simbólica dos territórios (papel das identidades, sentimentos de pertencimento, papel da cultura), Caclini defende a transformação das cidades em capitais culturais (com infra-estrutura para produzir produtos culturais e também fomentar e festejar as comunidades multiculturais) e Marcelo Coelho faz uma defesa de uma visão não-conservadora sobre a arte (e, por tabela, também, de cultura). Como essas três reflexões podem ser conectadas, ligadas? Como essas reflexões podem nos fazer pensar sobre o contemporâneo e para saídas para os graves problemas de nossa sociedade?

3. A partir das reflexões sobre arte e transgressão, do texto de Marcelo Coelho e das discussões em sala de aula, avalie quais são as possibilidades transgressoras que o artista possui na sociedade atual e na baiana em particular. Caso deseje, cite casos específicos.

Algumas dicas

Pessoas.

Para fomentar o debate de nossa aula de amanhã, sobre educação superior, considero importante algumas reflexões para além do texto do Boaventura.

Boaventura cita um polêmico livro, chamado A cultura inculta. Para saber um pouco mais sobre isso, sugiro a leitura do curto artigo de outro professor português. Leiam em http://bocc.ubi.pt/~fidalgo/ubiversidade/O-que-eh-a-universidade.html

Gostaria que as nossas discussões também recaíssem sobre a chamada Universidade Nova. O reitor da UFBA tem escrito muito sobre isso. Achei na net um capítulo inteiro de um dos seus livros mais recentes. Vejam em www.anped11.uerj.br/doc14/protopia.doc

O texto é meio longo, selecionei esse trecho para postar aqui:

"Dizem alguns críticos da Universidade Nova que a sociedade brasileira mal está se recuperando das ações afirmativas nas universidades públicas e já tem que começar a pensar em algo novo. É função da universidade justamente fazer isso. O que enfim se espera da universidade? Sabemos que ela foi inventada para estar à frente da sociedade, para construir a cultura, para ser vanguarda na história. Quando o projeto Universidade Nova estiver em curso de implantação, possivelmente vamos ter que abrir alguma outra vanguarda. O fato de a universidade brasileira, historicamente, ter abdicado de construir o novo, fez com que a sociedade fosse buscar a inovação em outras instituições. Justamente por isso, a instituição universitária foi paulatinamente perdendo seu valor perante a cultura nacional.

Outros críticos se mostram céticos frente a qualquer possibilidade de mudanças na universidade sem antes termos resolvido o imenso débito histórico e político do ensino médio e fundamental. Argumentam que não faz sentido falar de reforma na universidade enquanto continuarmos com uma educação básica incapaz de efetivamente preparar seus alunos para prosseguir em sua formação intelectual. Pontificam, sisudos e solenes: precisamos renovar a escola pública em todos os níveis, depois vamos reformar a universidade. Penso, a partir de uma lógica oposta, que se trata de uma posição imobilista e paralisante. Não podemos esperar mais.

Uma reforma universitária verdadeira, justificada e focada na arquitetura curricular, poderá contribuir para (e, quem sabe, catalisar) a desejada transformação de todo o sistema educacional. No momento em que o sistema federal de educação superior mudar sua arquitetura curricular, redefinindo o conceito de formação universitária e, por conseqüência, a sistemática de recrutamento de novos estudantes, estou certo de que haverá um efeito reverso no ensino médio e quiçá também no ensino fundamental. Como e quando isso ocorrerá, é difícil prever e mesmo conceber. Mas não tenho dúvidas de que mudanças profundas na educação básica advirão do projeto Universidade Nova.

Faz parte dos pensamentos esperançosos que, neste livro, pretendi compartilhar com os eventuais leitores, a reflexão de que agora estamos mobilizando mais o debate sobre esses temas relevantes e assim ganhamos visibilidade e auto-afirmação. Por exemplo, colocar o Brasil no cenário educacional do mundo é responsabilidade da universidade. Para isso, é imprescindível que, nas relações complexas de trocas internacionais, tenhamos sistemas educacionais que sejam valorizados e compatíveis com os centros intelectuais e econômicos do mundo contemporâneo. Não podemos criar e fomentar, sob o pretexto da autonomia institucional e da soberania nacional, formas de perpetuação do nosso atraso. É claro que a universidade brasileira conta com centros de pesquisa de excelência e reconhecimento internacional, mas o avanço pontual não faz a instituição como um todo ser vanguarda. A universidade precisa de algo que a unifique nessa direção. E aí entra o projeto Universidade Nova.

Talvez por mera dialética, parece que as condições de superação do constrangimento histórico de termos uma universidade arcaica e inerte se acumulam, indicando algum horizonte de transformação.

Primeiro, as mudanças pretendidas pela Reforma Universitária de 1968 foram completamente digeridas e neutralizadas pelas forças do tradicionalismo na universidade. De fato, em menos de 10 anos, as universidades brasileiras que passaram por aquela reforma já haviam recuado, quase completamente, em relação às alterações de estrutura institucional e de arquitetura curricular.

Segundo, nem mesmo o deus ex-machina chamado “mercado de trabalho” parece mais se importar com os padrões de formação profissional dos egressos da educação universitária. Grandes corporações, empresas de pequeno e médio porte, instituições públicas (principalmente do judiciário), simplesmente retreinam todos os profissionais recrutados para compor seus quadros técnicos e executivos, como se a passagem pela instituição educacional e a conquista do diploma universitário apenas cumprissem a função de credenciamento e não de formação profissional.

Por último, os modelos de formação universitária que inspiraram nossas instituições de educação superior já se encontram totalmente superados em seus contextos originais. Quando o prazo de consolidação do Processo de Bolonha for alcançado (a data é 2010), o Brasil corre sério risco de ser o último país com algum grau de desenvolvimento científico, tecnológico e industrial a possuir uma arquitetura curricular com padrões e modelos estabelecidos na Belle Époque. Caso isso ocorra, o País do Futuro terá enfim cumprido sua sina de ser para sempre o “país dos bacharéis”.

Anísio Teixeira tinha clareza das estratégias necessárias para realizar a reforma universitária verdadeira, em um espírito plenamente concordante com as iniciativas do atual movimento pela Universidade Nova. Novamente, a palavra presciente do mestre Anísio (2005, p. 178-9) nos guia, como se fosse hoje:O desafio do presente é criar ordem e padrões de métodos e ação universitários na galáxia imprecisa, múltipla e vaga do ensino superior brasileiro, em expansão incoercível."


Para saber o que é o modelo de Bolonha e o de Harvard e uma certa crítica a Universidade Nova, ver http://www.isecure.com.br/anpae/316.pdf

Também selecionei um trecho desse texto:

"Efetivamente, os formuladores da Universidade Nova são reticentes em admitir coincidências com os modelos existentes nos EUA ou na Europa. Naomar de Almeida Filho, reitor da UFBA e principal sistematizador da idéia, intitula um dos principais capítulos de seu livro, Universidade Nova: textos críticos e esperançosos, de “Universidade Nova: Nem Harvard Nem Bolonha” (ALMEIDA FILHO, 2007, p. 259).

Entretanto, em essência, a Universidade Nova não é uma negação dos modelos existentes nos EUA ou em implantação na Europa (Processo de Bolonha), mas sim, uma mescla tímida de ambos. Há algo contraditório no discurso a favor da Universidade Nova. Por um lado, no título, Almeida Filho nega os modelos norte-americano (Harvard) e europeu (Bolonha); por outro, declara que “é imprescindível que, nas relações complexas de trocas internacionais, tenhamos sistemas educacionais que sejam valorizados e compatíveis (sem grifos no original) com os centros intelectuais e econômicos do mundo contemporâneo [EUA e Europa?]” (2007, p. 293).

Almeida Filho também afirma que a Reforma Universitária de 1968, inspirada no modelo norte-americano, foi deturpada pelo tradicionalismo na universidade brasileira. Mais que uma crítica ao modelo de 1968, o reitor da UFBA lamenta a respeito da incompletu de da Reforma inspirada no Relatório Atcon10. Segundo suas próprias palavras, “em menos de 10 anos, as universidades brasileiras que passaram por aquela reforma já haviam recuado, quase completamente, em relação às alterações de estrutura institucional e de arquitetura curricular”(2007, p. 293).

A lógica da Universidade Nova pode ser compreendida como um modo de se afastar do Processo Bolonha e se reaproximar do modelo norte-americano (não totalmente implantado em 1968), isto sem precisar montar a infra-estrutura necessária da universidade norte-americana e sem a necessidade de encaminhar a formação profissional na graduação como, de fato, continua acontecendo na Europa do Processo de Bolonha.

Como tem acontecido na história recente (séculos XX e XXI) da diplomacia brasileira, ao que tudo indica, o Brasil aprecia e admira as novidades européias, embora deixe-se levar pela força gravitacional dos EUA. Apesar do discurso otimista, o Brasil, com a Universidade Nova, corre o risco de transformar suas Universidades Públicas em Liberal Arts Colleges, abrindo mão de alcançar o padrão de qualidade das universidades de primeira linha dos EUA (Universidade de Harvard?).

Almeida Filho, antecipando-se à crítica, escreve que "Nos Estados Unidos, a educação fundamental e média, desde o início do séculoXX, é gratuita e universalizada. A elite brasileira critica a high-school americana por ser mais fraca que o nosso padrão do ensino médio. Este é um equívoco, pois se compara um sistema público de educação (o norte-americano) com uma elite de escolas privadas, especialistas em preparar jovens para ingresso em universidades públicas (brasileiras). O aluno norte-americano entra na universidade para um período de formação científica e cultural no undergraduate college, e só depois tem acesso a cursos de mestrado ou doutorado, definidores de profissões". (ALMEIDA FILHO, 21 ago 2007, < http://www.twiki.ufba.br/>)."

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Cinema e transgressão

Pessoas, essa matéria foi publicada no A Tarde de hoje. Penso que, no cinema, Lars é um bom exemplo de transgressão. Sugiro que todos vejam esse filme. Recomendo também Dogville.

Precedido por polêmica, o filme do dinamarquês Lars Von Trier entra em cartaz em cinco salas

JOÃO CARLOS SAMPAIO

Quando Anticristo (Antichrist) foi exibido pela primeira vez, na mais recente edição do Festival de Cannes, em maio passado, as reações da imprensa especializada foram contundentes. Seu diretor, o cineasta dinamarquês Lars Von Trier, que se tornou célebre pelos temas e projetos polêmicos, novamente conseguiu abalar corações e mentes. Mais uma vez colheu elogios e vaias, nunca indiferença.

É fácil entender o motivo de manifestações tão exaltadas, já que a obra resolve centrar os seus cem minutos de duração num mergulho claustrofóbico em direção ao imponderável dos jogos mentais envolvendo seus personagens. Com pouquíssimas locações e dois únicos tipos em ação – o casal interpretado pelos atores Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe –, a trama tem aspirações asfixiantes, atormentadoras.

O ator norte-americano Willem Dafoe, de 54 anos, atua num dos papéis que mais exigiram o gesto mínimo, a menor manifestação de expressões e gestos. Coisa rara numa carreira tão arrebatada por tipos grandiloquentes, seja numa caricatura independente de David Lynch, como Coração Selvagem (1990), ou em produções para grandes plateias, como na série do Homem-Aranha, em que ele aparece encarnando o Duende Verde.

Charlotte Gainsbourg, que é filha de Serge Gainsbourge Jane Birkin (famosos vocais da canção Je T\'aime Moi Non Plus, do filme Emanuelle), é uma atriz e cantora nascida em Londres, mas radicada na França. Sua atuação como a personagem feminina de Anticristo rendeu o prêmio de Melhor Atriz em Cannes, láurea que se soma ao reconhecimento que goza na França. Internacionalmente, é mais conhecida por atuar em filmes como Não Estou Lá (2007) e 21 Gramas (2003).

Tragédia

A trama de Anticristo se resume à observação em torno de uma tragédia que envolve o casal protagonista. Enquanto faziam amor, eles não perceberam que o filhinho deles desceu do berço e foi brincar na janela do apartamento, desafiando inocentemente a gravidade. A partir deste episódio, surge na tela a vida destroçada dos personagens, que passam por etapas que vão do sofrimento ao autoflagelo, separadas em capítulos.

Além do prólogo no apartamento, o filme passa por mais umas poucas ambientações, como um cemitério e um hospital. Depois, toda a ação se centra num bosque onde o casal mergulha rumo ao lado mais sombrio da alma.

O nome deles nunca é revelado, Von Trier se limita a mostrar os embates mentais, as crises e dilemas. Em suma, um laboratório sobre um homem e uma mulher em situação-limite. Lars Von Trier, 53 anos, pertence à casta de cineastas-autores que não temem a polêmica, muitas vezes criando fitas que fazem mais barulho do que propriamente contribuem para a evolução da linguagem. Ainda assim, não faltam grandes momentos na obra do realizador, que já em 1991 chamou a atenção com as inovações do drama Europa.

Trilogia

O filme fazia parte da trilogia de filmes iniciados com a letra E, uma das muitas brincadeiras do diretor com as questões de forma. Independentemente de jogos com letras, Europa é notável por vinhetas, que utilizam imagens projetadas sobre os atores. Em 1995, Von Trier se uniu a outros diretores da Europa nórdica e criou o manifesto Dogma 95, que ganhou grande publicidade em todo o mundo com sua rígida tábua de procedimentos que os cineastas deveriam tomar para fazer um cinema barato e fiel ao real. Na prática, apenas o filme Os Idiotas (1998) segue as normas do documento, mas ainda assim o diretor se permite burlar algumas regras.

O Dogma 95 foi muito criticado por suas esquisitas recomendações, como a de não usar trilha sonora. Dois anos depois de Os Idiotas, Lars Von Trier esqueceu completamente o discurso do manifesto e realizou o melodramático musical Dançando no Escuro, estrelado pela cantora Björk e pela diva Catherine Deneuve. O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2000.

O cineasta criou mais jogos com a forma ao lançar a proposta da trilogia iniciada, em 2003, com Dogville. O filme trouxe personagens atuando num palco de teatro, quase sem objetos de cena, e criando uma narrativa desconcertante.

Manderlay (2005) foi o segundo filme do projeto a ser lançado e nos próximos meses o diretor deve fechar a tríade com Washington.

Dimension Em paralelo toca o inusitado projeto de Dimension, um filme que será composto de imagens coletadas até 2024, seguindo a prática de gravar três minutos por ano. Por ideias assim, Lars Von Trier é sempre questionado, ao tempo em que consegue se manter em evidência.