segunda-feira, 14 de junho de 2010

Na Folha de S.Paulo de hoje

Suicídios expõem vida em fábricas da China

Operários enfrentam xingamentos e treino militar

Por DAVID BARBOZA
SHENZHEN, China - A primeira morte na fábrica neste ano foi em 23 de janeiro.
O corpo do operário Ma Xiangqian, 19, foi achado às 4h30 em frente ao prédio do seu alojamento. A polícia concluiu que ele se atirou de um andar alto.
Parentes dele, inclusive uma irmã de 22 anos que trabalhava na mesma empresa, a Foxconn Technology, disseram que ele odiava o emprego no qual estava desde novembro -um turno de 11 horas, sete noites por semana, forjando metal e plástico para fazer peças eletrônicas, em meio a vapores e poeira. Ou pelo menos esse foi o trabalho de Ma até que, em dezembro, uma discussão com seu supervisor o fez ser rebaixado para a limpeza dos banheiros.
O contracheque de Ma mostra que ele trabalhou 286 horas no mês anterior à sua morte, sendo 112 horas extras, cerca do triplo do limite legal. Por tudo isso, mesmo com o adicional de hora extra, ganhou o equivalente a US$ 1 por hora.
"A fábrica estava sempre abusando do meu irmão", disse, chorosa, a irmã dele, Ma Liqun.
Desde a morte de Ma, houve outros 12 suicídios ou tentativas de suicídios em duas unidades da Foxconn em Shenzhen, onde os empregados vivem e trabalham. Essas fábricas, com cerca de 400 mil empregados, produzem para multinacionais como Apple, Dell e Hewlett-Packard.
A maioria dos outros suicidas se encaixa no mesmo perfil: 18 a 24 anos, relativamente novos na fábrica, caindo de um edifício.
A onda de suicídios intensificou o escrutínio sobre as condições de vida e trabalho na Foxconn, maior fornecedor terceirizado de produtos eletrônicos do mundo. Reagindo ao clamor, a Foxconn concedeu nos últimos dias dois grandes aumentos salariais. No último, em 6 de junho, a empresa anunciou que, após um período de experiência de três meses, o salário dos seus operários na China poderá chegar a quase US$ 300 por mês, mais do que o dobro do que era semanas atrás.
Sociólogos e outros acadêmicos veem as mortes como sinais extremos de uma tendência mais ampla: a de uma geração de trabalhadores que rejeita as dificuldades que seus predecessores experimentavam ao compor o exército de mão de obra barata responsável pelo milagre econômico chinês.
Em vez de acabarem com as próprias vidas, muitos operários da Foxconn -dezenas de milhares- simplesmente vão embora. Em entrevistas recentes aqui, empregados diziam que o funcionário típico da Foxconn fica poucos meses na empresa antes de pedir demissão, desmoralizado.
Os operários se queixam de treinamentos do tipo militar, de xingamentos dos superiores e de "autocríticas" que têm de ler em voz alta, além de ocasionalmente serem pressionados a trabalhar até 13 dias consecutivos para completar uma grande encomenda- mesmo que isso signifique dormir no chão da fábrica.
Embora haja na China um limite de 36 horas extras semanais, vários operários contaram que estão acostumados a superar muito esse tempo.
"Eles saem [do emprego] tão rápido porque não conseguem se ajustar à vida na fábrica", disse Wang Xueliu, líder de uma equipe de produção, há seis anos funcionário da Foxconn. Ele também pretende pedir demissão em breve, mas para montar com o irmão uma fábrica de velas para exportação.
Muitas outras fábricas chinesas também enfrentam uma rotatividade elevada. Em todo o sul industrial do país, há uma grave escassez de mão de obra, já que legiões de migrantes rurais, que antes afluíam a esses empregos, agora estão escolhendo outras opções. Muitos buscam o setor de serviços, ou empregos mais próximos de suas cidades.
A Foxconn disse que está tentando oferecer condições mais dignas, mas seu executivo Louis Woo admitiu que há muito por fazer para melhorar o local de trabalho e a cultura administrativa.
A família de Ma Xiangqian negociou uma indenização com a Foxconn, que não quis comentar o caso.
"Ele era meu filho único", disse o pai de Ma Xiangqian, Ma Zishan, um pequeno produtor de plantas e árvores ornamentais vendidas nas grandes cidades. "Filhos únicos são muito importantes no interior. O que eu vou fazer?"

2 comentários:

  1. Bastante pertinente com o tema tratado em sala de aula no módulo 4. O texto demonstra em números a precarização do trabalho: 286 horas/mês; 112 horas extras(apesar de o limite da legislação ser 36h/mês); jornada de 11 horas/dia;salário equivalente a US$ 1,00/hora (já contemplado o adicional de hora extra; US$ 300 de salário mensal (já com 0 aumento concedido de 100% ultimamente. Detalhe: a empresa em tela é terceirizada da HP, Dell, Aplle.

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  2. A mão de obra barata é a força motriz do capitalismo contemporâneo. Quanto ganha um operário da Ford em Camaçari, se comparado ao seu colega de empresa situado em uma fabrica nos Estados Unidos? É uma conseqüência da globalização... talvez, mas se considerarmos que as revoluções industriais no século XIX ocorreram na Inglaterra e outros territórios da Europa, em condições de trabalho semelhantes à contemporânea chinesa Foxconn, - com o ignominioso incremento de mão de obra infantil e a percersa exploração da mão de obra feminina em períodos de guerra - então, estaremos testemunhando um ciclo da história mundial. Isto não atenua os fatos, ao contrário, a identificação deste ciclonos permite interagir sobre o real sentido do desenvolvimento presente, ou seja, se o mesmo não nos leva ao ocaso. Escandalosas as condições da Foxconn, mas a Nike também não opera em condições semelhantes? Aliás, não foi na contextualidade da Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX que as reflexões marxista vieram à luz, sendo elas diante da realidade apresentada na Foxconn perfeitamente atuais? E nós, que somos coniventes, se não responsáveis enquanto demanda mundial, pela perpetuação desta escravidão moderna, quando consumimos avidamente aqui no Brasil - porque é muito "confortável" falarmos dos países desenvolvidos - os produtos as máquinas da Dell, as moderníssimas impressoras da HP, ou os charmosos IPhones da Aplle, para nos inserirmos na globalização? Nos justificamos ao redor do mundo que as "veias" globalização é a comunicação, mas, como qualquer macro sistema econômico na história, a substância que aflui nestas "veias" é o capital-dinheiro, tendo como a força motriz de sua circulação a mão de obra barata das antigas - quiçá seculares - fabricas estratégicamente espalhadas pelo mundo. Seu intuito é espalhar e assim diluir o custo da produção, e não necessariamente difundir seus produtos por estes territórios, pois não os considera de imediato como mercados, mas como fontes de produção melhor garantidoras de lucratividade que as moderníssimas fabricas europeias. A face do imperialismo, quando não levado a cabo por Estados, assim se mostra... ou melhor, se camufla sob o consumo mundial. É importante refletirmos sobre o sentido da globalização presente!

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