sexta-feira, 30 de abril de 2010

Texto sobre política

Oi pessoas.
Nas próximas aulas (na turma de segunda, será no dia 3 de maio) iremos assistir um vídeo com o professor Marco Aurélio Nogueira. Para compreender melhor os argumentos dele, leiam o texto no link abaixo, sobre um debate dele com outro professor. 
Um abraço, boa leitura e bom final de semana.
Leandro

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Leituras sobre Maquiavel e outras explicações

Na aula desta última segunda, um aluno estranhou que Maquiavel tenha sido apontado por Bobbio como um influente autor para pensar a democracia moderna. Procurei na internet algum texto curto e de fácil compreensão para entender o assunto um pouco mais.

Achei esse bem sucinto e fácil de compreender: Leiam em http://www.eap.ap.gov.br/revista/upload/artigo4.pdf

Também ficou nebuloso o nosso debate sobre a democracia na teoria medieval. Ali a discussão, na teoria medieval, é sobre o seguinte: o fato de existir uma monarquia (principado) significa que o povo não tem poder? Alguns autores defendiam que os principados, uma vez que não tenham mais legitimidade perante ao povo, caíam.

Ou seja, o povo tinha poder também nas monarquias, embora não votassem em seus príncipes. Outra discussão dentro da teoria da democracia medieval trata sobre a distinção entre quem tem o poder de fazer as leis (que sempre deveria estar nas mãos do povo) e de quem teria o poder de executar, de exercer o poder (que poderia estar nas mãos da monarquia ou nas mãos de alguém escolhido pelos legisladores, o que dá, também, margem para o início da concepção moderna de democracia).


Outra confusão foi a diferença entre Aristocracia e Oligarquia. Eis pequenos trechos retirados também do dicionário de Bobbio:

"Aristokratia, literalmente "Governo dos melhores", é uma das três formas clássicas de Governo e precisamente aquela em que o poder (krátos = domínio, comando) está nas mãos dos áristoi, os
melhores, que não eqüivalem, necessariamente, à casta dos nobres, mesmo se, normalmente, os segundos são identificados com os primeiros..."


"mais que de Aristocracia se fala de oligarquia, ou seja, daquela forma de Governo que será considerada por Aristóteles como um desvio da Aristocracia, na medida em que, na oligarquia, os
poucos governam no interesse dos ricos e não da comunidade, ao contrário do que acontece na
Aristocracia, uma das três formas de Governo (Política, III, 8, 1979b). Na república ideal delineada por Platão, o termo Aristocracia vem carregado dos valores primigênios do mundo grego, como exaltação da aretè, entendida não tanto como o arcaico e originário "valor" na guerra (um dos elementos em que se formava e fundava a classe antiga da nobreza grega) mas mais como virtude de sabedoria e conhecimento. Compete, na verdade, aos melhores, aos sapientes, aos sábios, enquanto perfeitos, conhecedores e possuidores da verdade, guiar o Estado, que é Estado ético, para alcançar o verdadeiro bem (República, II-V)."


Espero ter colaborado, bons estudos. Leandro

Mais um pouco sobre gênero - na FSP de hoje

CONTARDO CALLIGARIS

Novas mulheres
É bem possível que os homens estejam piorando, mas elas estão cada vez melhor


" SONHOS ROUBADOS" , de Sandra Werneck, entrou em cartaz na sexta-feira passada. Alguns críticos trataram do filme junto com o de Laís Bodanzky, "As Melhores Coisas do Mundo" (sobre o qual escrevi na minha última coluna). A razão desses comentários conjugados é que os protagonistas do filme de Bodanzky são adolescentes de classe média, enquanto o filme de Werneck conta a história de três meninas da periferia. Portanto, juntando as duas películas, teríamos um retrato da adolescência brasileira ou, no mínimo, de seus dois extremos. É nesse estado de espírito sociológico que fui assistir a "Sonhos Roubados" e que li o livro de Eliane Trindade, "As Meninas da Esquina" (de 2005, relançado agora pela Record), que reúne os diários de seis jovens mulheres, três das quais, com condensações e adaptações, são as protagonistas do filme de Werneck.
Mal precisei esperar até a metade do filme para que meu estado de espírito mudasse (e o mesmo aconteceu ao avançar na leitura do livro): rapidamente, eu me apaixonei pelas protagonistas e me esqueci da periferia, que é o pano de fundo da história. Por quê? Simples: é verdade que as três jovens são vítimas da desigualdade social brasileira, mas é também verdade que elas não têm vocação alguma para o papel de vítima. Ao contrário, elas são as admiráveis heroínas de suas histórias.
Jéssica, Daiane e Sabrina vivem de expedientes, entre fugas da escola, pequenos empregos, famílias patéticas e prostituição ocasional. Nessas condições francamente adversas, elas não deixam de inventar a vida.
Jéssica e Sabrina não desistem de ser mães. Daiane não desiste de encontrar uma profissão e uma família -se não um pai, pelo menos uma mãe. As três não desistem de sair à noite à procura de um amor que nunca dá certo, de um pouco de aventura e de umas risadas entre amigas.
De repente, o título do filme, "Sonhos Roubados", parece injusto para com as protagonistas, pois elas, justamente, lutam para que seus sonhos não sejam roubados.
Disse que Jéssica, Sabrina e Daiane enfrentam condições adversas. A condição mais adversa de todas são os homens, que são insignificantes ou funestos. A galeria é devastadora.
Há o pai de Daiane, que morre de medo de ser pai. Há o avô de Jéssica, simpático por ser beberrão e inepto.
Há o ex-marido de Jéssica, fantoche nas mãos de sua própria mãe. Há o tio de Daiane, que abusa da sobrinha-enteada. E há a fileira dos violentos e boçais, encabeçada pelo namorado de Sabrina.
Com esses homens, Jéssica, Sabrina e Daiane não podem contar. Eles são sombras, incapazes de assumir um amor (seja ele paterno ou conjugal), uma amizade e, na verdade, qualquer compromisso: são todos nanicos morais. A única exceção é o presidiário encarnado por MV Bill -o que me levou a pensar (seriamente) que talvez homem só melhore mesmo na cadeia. Nas periferias e nas favelas, os núcleos familiares estáveis se organizam, em geral, ao redor de mulheres.
A explicação recebida por esse fenômeno diz que um lugar social desfavorecido, subalterno ou marginal corrói a "virilidade" dos homens e, portanto, torna-os ou nulos ou violentos (como se eles precisassem compensar na marra a virilidade perdida).
Mas será que essa debandada masculina é apenas um fenômeno de nossas periferias? Ou será que, periferia ou não, os homens de hoje (para usar uma expressão da Carol do filme de Laís Bodanzky) são mesmo um pouco (ou muito) "cuzões"?
Não sei responder, mas o fato é que o filme de Sandra Werneck não me deixou nem um pouco aflito. Ao contrário, saí do cinema alegre, pensando: é bem possível que os homens estejam piorando, mas, por sorte, as mulheres estão cada vez melhor. Como assim?
Nas primeiras décadas depois dos anos 1960, parecia que as mulheres, para afirmar sua independência e conquistar sua cidadania, teriam que renunciar a ser "mulher", pois, por exemplo, a maternidade e o próprio desejo sexual eram considerados como caminhos de submissão ao homem e ao patriarcado.
Pois bem, as meninas de "Sonhos Roubados" não renunciam ao sexo nem à maternidade; elas podem até se servir de seus charmes para arredondar o fim de mês ou o fim de semana. Mas não por isso elas dependem dos homens. Talvez seja porque não há homens de quem depender. Talvez seja porque elas são as novas mulheres -mulheres sem a culpa de serem "mulher".

ccalligari@uol.com.br

sábado, 24 de abril de 2010

Na Folha de S.Paulo de hoje

CESAR MAIA

Juventude e política

DESDE OS ANOS 80 a mobilização da juventude e a sua participação política vinham diminuindo. As mobilizações dos jovens em grandes manifestações nas ruas foi minguando. Nas campanhas eleitorais, os debates acalorados, com "torcidas" dos candidatos extravasando os auditórios, quase desapareceram. Precipitadamente, analistas falavam de um processo de alienação, produto da sociedade de consumo.
Provavelmente, a causa de fundo não tenha sido nenhuma razão estrutural, mas as mudanças na própria atividade política. À medida que os extremos políticos convergiam para o centro, produto de uma certa desideologização após a queda do Muro de Berlim, as razões espontâneas de mobilização perderam impulso.
Uma razão central está no que muitos politólogos chamam de "partidocracia". Ao tempo em que ocorre a convergência ao centro, os partidos se fecham e se consideram eles mesmos detentores da representação popular a partir do voto da população. A "partidocracia" produziu claros desestímulos à participação dos jovens, que não viam os canais de participação, mobilidade e ascensão partidárias. Os parlamentos foram se burocratizando como desdobramento desse processo. E o efeito maior foi o desestímulo à participação dos jovens e a sua desmobilização.
Nos últimos anos, há uma nítida reversão desse quadro, desmentindo os que imaginavam que as causas eram estruturais e permanentes. Se uma parte dos jovens busca a participação política com expectativa de ascensão partidária e acesso a mandatos, a grande maioria busca a participação política para influenciar as decisões. A internet quebrou aquela obstrução. Mesmo que a maioria dos partidos não desenvolva canais de acesso a mandatos e a espaços políticos, o fato é que, em relação àqueles que querem participar da política, a internet implodiu as máquinas partidárias. O uso da internet é proporcionalmente maior entre os jovens, reforçando essa tendência. Esses descobrem que os edifícios partidários podem ser alcançados em qualquer andar, sem precisar mostrar carteirinha ao porteiro nem usar os seus elevadores.
A participação é livre, pode-se dizer o que se quer, multiplicar o que se pensa, formar redes numa multiplicidade de temas e numa frequência maior que os políticos com mandato, mobilizar a opinião pública.
Já vivemos num ambiente muito diferente, com ampla participação dos jovens, que, filiados ou não a partidos,opinam, pressionam e chegam à sociedade, independente da vontade e da autorização dos caciques de plantão. Com isso, a participação dos jovens voltou a dar dinamismo ao processo político.
Os partidos que entenderem isso estarão conectados ao futuro.

cesar.maia@uol.com.br
CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Dica preciosa

Oi pessoas, uma aluna informou que se encontra na internet, para download gratuito, o maravilhoso Dicionário de Política do Norberto Bobbio. Foi falar desse autor na próxima aula de segunda (estamos atrasados na quarta, em virtude do feriado do dia 21), antes ou depois da nossa discussão de democracia, que terá como base o texto da professora Céli.

Quem puder, leia sobre Democracia no Dicionário de Bobbio, das páginas 319 a 329. É preciso baixar todo o Dicionário, que tem mais de mil páginas.

Para baixar, clique aqui.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Para pensar

No carrossel da pedofilia (entrevista com Richard Parker*)

Jornal O Estado de São Paulo - 7 de setembro de 2008.

Mônica Manir

A Operação Carrossel teve duas rodadas até agora. Na primeira, deflagrada em dezembro de 2007, a Polícia Federal cumpriu 102 mandados de busca e apreensão, e três pessoas foram presas, acusadas de
pedofilia. Na segunda, desencadeada em parceria com a CPI da Pedofilia, a PF juntou farta quantidade de pornografia infantil em 113 endereços, de onde o material partia via internet. E mais quatro pessoas, pegas em flagrante, foram detidas. Todo esse arquivo de imagens com crianças e adolescentes entre 2 e 17 anos está sendo compartilhado com pelo menos 70 países, onde milhares de pedófilos foram rastreados a partir das investigações feitas no Brasil desde a primeira Carrossel.

Se o assunto pode causar vertigem, no antropólogo Richard Parker a reação é de pé atrás. Não que ele seja contra esse tipo de cooperação internacional, ainda mais diante de questão que afeta tantos indefesos. "Mas acho importante não cair no pânico moral, na caça às bruxas, porque há o risco de se esquecer exatamente desses indefesos." Diretor presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar da Aids desde a morte de Betinho, seu fundador, e co-coordenador do Observatório de Políticas de Sexualidade, Richard Parker deu esta entrevista de Nova York, onde lecionará neste outono. Em outubro volta ao Brasil para continuar na empreitada que iniciou há mais de 20 anos: a luta pelos direitos sexuais, que começou com o movimento LGBT e tem sido engordada nos últimos tempos com o tráfico de mulheres e a própria pedofilia.

O conceito de pedofilia mudou com o tempo?

Não há dúvida de que mudou. A pedofilia é um conceito construído por especialistas, um guarda-chuva incluindo práticas que, em outras culturas e outros tempos, não necessariamente eram entendidas como
pedófilas. Na Grécia antiga, por exemplo, as relações sexuais entre adolescentes e adultos, principalmente entre homens, consistiam num tipo de tutela por parte do mais velho, quase de um professor
transmitindo orientações que poderiam ajudar a se desenvolver em todos os sentidos. Outro exemplo, mais antropológico, são as relações sexuais entre rapazes e homens adultos em diversas sociedades do
Pacífico como ritual de transição da juventude para a vida adulta. Havia a idéia ali de que a transmissão de sêmen era a transmissão da essência da masculinidade. Tanto uma quanto outra são construções da
sexualidade que faziam sentido naqueles contextos, algo completamente distinto do que costuma ocorrer na nossa sociedade, que não tem esse tipo de prática nem crença.

Ainda existem rituais assim no mundo?

Sim, vários, e eu poderia me estender por horas falando de todos os documentos etnográficos que temos da África, da Ásia, da América Latina. Há diversos rituais que têm a ver com a construção da
masculinidade, às vezes envolvendo relações sexuais com homens mais velhos, às vezes não. A construção da masculinidade é uma preocupação social e cultural de quase todas as sociedades. Como em muitas delas
as mulheres têm a responsabilidade maior de cuidar das crianças e dos jovens, são elas que educam e transmitem as crenças sociais e os comportamentos mais apropriados tanto para meninas como para meninos.
No caso das meninas, esses ensinamentos se prolongam vida afora, já que elas continuam lidando com as mães e com outras parentes. Além disso, as mulheres têm indicadores ou representações simbólicas
corporais claras, como o desenvolvimento dos seios e a menstruação, que ajudam a simbolizar a maturidade.

Como ocorre com os homens?

É visto como mais difícil se transformar em homem porque os garotos têm de ser arrancados do contexto feminino para construir uma masculinidade adulta. Repare como acontece hoje em muitas sociedades
ocidentais. Há uma preocupação grande, menos ritualizada, mas há, de os homens adultos educarem os rapazes para que se tornem homens "corretamente" dentro da ótica social. Ensinam a jogar futebol, a
falar, a andar e ainda a ter a primeira relação sexual com uma prostituta. E o rito do bordel. Judicialmente, isso pode cair na classificação de pedofilia, mas certamente não é entendido assim pelo
pai que leva o filho muito jovem ao bordel, nem pelo filho que está sendo educado dessa maneira, por vezes com muito prazer.

Quando a pedofilia passou a ser tão fortemente condenada?

De meados do século 19 até 1900, mais ou menos, a sexualidade virou objeto de estudo científico. Até então a religião regia a moralidade em torno do assunto. Ela continua sendo uma das mais importantes
fontes de valores morais com relação à sexualidade, mas a ciência, a psiquiatria e a sexologia surgem durante esse período, num processo muito intenso de classificar práticas sexuais como normais e anormais.
É nesse período que nasce o conceito de homossexualidade. Existiam relações entre pessoas do mesmo sexo, mas não existia o conceito. A categoria de homo, inclusive, surge antes da de hétero para nomear
esse suposto desvio. Já a categoria de pedofilia faz parte desse processo de construção e classificação científica de maneira conturbada. A antropóloga feminista Gayle Rubin argumenta que, do
mesmo modo que existe uma hierarquia de gênero que normalmente dá poder aos homens, existe uma hierarquia da sexualidade, na qual algumas manifestações da diversidade sexual humana são avaliadas pela
ciência e pela religião como positivas ou negativas. De um lado tem o sexo bom; do outro, o ruim. A pedofilia, juntamente com o masoquismo, está no ponto mais baixo dessa hierarquia. Veja a avaliação que as
pessoas ao redor fazem dela. Não há nada visto como tão condenável, tão questionável quanto as relações pedofilicas de adultos que se aproveitam da falta de defesa de jovens e crianças para tomar
vantagens sexuais.

A pedofilia é estigmatizada porque corrompe a inocência?

A grande razão da sua estigmatização é justamente a pressuposta inocência da criança e do jovem. As idéias de inocência que temos de ambos em relação à sexualidade ainda são pouco compreendidas,
precisamos entender melhor isso. A minha preocupação é muito menor com a inocência do que com a desigualdade de poder. É quando o adulto força outra pessoa a entrar em relações que eventualmente ela não queira ou não tem capacidade de administrar psicologicamente. Uma das dimensões da pedofilia menos estudada é aquela que acontece dentro de casa, entre parentes. São casos assustadores, obviamente, mas temos de abrir essa discussão. O pânico moral fecha o diálogo, em vez de aprofundar. Isso me preocupa quando escuto os discursos que ouço aí ou aqui, nos EUA, que em termos de moralismo é sempre muito pior do que no Brasil.

O Brasil está em quarto lugar no consumo mundial de material de pedofilia. Essa posição no ranking tem a ver com erotização precoce?

Não é de hoje que se tem preocupação com a sexualização precoce no Brasil. Lendo clássicos sobre a história do povo brasileiro, escritos por Gilberto Freyre e outros, você não verá a palavra "pedofilia", mas
perceberá como a sexualidade acontece cedo na vida de crianças e adolescentes desde os primórdios. Hoje, a erotização é estimulada na mídia, na música, na publicidade. Ao mesmo tempo, há uma série de restrições dizendo ao jovem que ele não tem direito a decidir sobre suas próprias relações sexuais. Os coitados são os mais prejudicados porque recebem recados contraditórios sobre como se comportar. Acho, porém, que o fator primordial nesse quarto lugar do Brasil é a pessoa usar seu poder para passar por cima do direito do outro. Você vê isso no trânsito e em vários aspectos do cotidiano. O adulto se acha com poder em todos os sentidos.

Em que medida o grande acesso do brasileiro à internet pode ter ajudado na proliferação da pornografia infantil?

O poder dos mais velhos se junta à era da reprodução digital, que permite vida nova à pornografia. Quando as pessoas não tinham essas facilidades em casa, existia um comércio pornográfico diferente. E não
se pode esquecer da prostituição infantil, que em alguns lugares se organiza à moda antiga, mas que também tem uma vivência pela internet, uma dimensão mais moderna. À medida que a exploração econômica ou
física infelizmente aparece enraizada na sociedade, essas tecnologias, que tem grande possibilidade de liberar as pessoas em outros contextos, facilitam a opressão.

Pedofilia pode ser entendida como doença? A castração química, com a injeção de hormônios femininos para diminuir o desejo sexual de pedófilos, já foi sugerida como alternativa de tratamento.

Eu me preocupo com supostas curas nesse sentido. A história para tratamento de, entre aspas, doenças de comportamento sexual é lamentável. Em nome de curar supostas doenças, grandes violências têm sido praticadas sem resultado. Há pouco se falava em cura da homossexualidade... Não quero com isso fazer apologia à pedofilia. A imposição de um poder para forçar outros a fazer o que não querem é inaceitável. Agora, a maneira de trabalhar essa situação deve passar não pela medicalização, mas pelo respeito aos direitos humanos.

A atração sexual por crianças pode ser classificada como orientação sexual, como pregam alguns especialistas em sexualidade?

Essa conceitualização não nos ajuda muito. Já "é difícil trabalhar questões de orientação sexual dentro do seu uso mais comum, ou seja, tratar o mesmo sexo ou o sexo oposto como objeto do desejo. Ao se ampliar esse conceito para o desejo por crianças e jovens, só se confunde mais um campo já bastante arenoso conceitualmente.

Em visita aos EUA, o papa mostrou preocupação com os casos de pedofilia na Igreja. Essa discussão foi adiante no país?

Não há dúvida de que há um grande escândalo na Igreja, sobretudo nos EUA, mas em outros lugares também. A Igreja tem escondido a incidência de relações entre padres e jovens de uma maneira absolutamente inaceitável e hipócrita. Ela nega a necessidade de abrir a discussão intramuros. Sua opção de tapar o sol com a peneira é tão preocupante quanto a incidência de relações pedófilas entre os religiosos.

Existem mais pedófilos-do que pedófilas?

Certamente. Acho que é um reflexo da dinâmica de gênero na sociedade, do suposto direito da masculinidade de dominar. Mas também acho que existe uma subnotificação de mulheres que utilizam seu poder de maioridade para eventualmente cometer atos menos expostos. Para um jovem rapaz, assumir que uma mulher poderia forçá-lo a fazer algo que não gostaria de fazer no campo da sexualidade pode violar sua
identidade como homem. É outra área sobre a qual falta uma compreensão maior.

Alguns políticos propuseram uma campanha nacional contra a pedofilia. Seria uma alternativa eficaz para combatê-la?

Não sei os detalhes da campanha, é muito difícil dizer se seria boa ou ruim. O que percebo é que alguns preferem o histerismo. Acho necessária uma discussão pública ampla, tentando entender oo que é esse fenômeno que está aí. Estamos num terreno em que as pessoas falam coisas que não conhecem em nome dos indefesos. É boa hora para não recorrer a julgamentos e implementar programas e políticas públicas
responsáveis visando realmente a defender direitos que podem estar sendo violados.


* Richard Parker é professor Adjunto no Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), professor titular e chefe do Department of Sociomedical Sciences e diretor do Center for Gender, Sexuality and Health na Mailman School of Public Health da Universidade de Columbia em Nova Iorque, além de Voluntário da Associação Brasileira Interdisciplinar da Aids.

domingo, 18 de abril de 2010

No Mais, da FSP de hoje

POLÍTICA EXTREMA

UM DOS MAIS INFLUENTES HISTORIADORES VIVOS, ERIC HOBSBAWM DIZ QUE A CRISE ECONÔMICA LEVOU À REDESCOBERTA DE MARX E QUE O EQUILÍBRIO MUNDIAL DEPENDE DAS POTÊNCIAS EMERGENTES



DA "NEW LEFT REVIEW"
Aos 92 anos, o historiador britânico Eric Hobsbawm continua um feroz crítico da prevalência do modelo político-econômico dos EUA. Para ele, o presidente americano Barack Obama, ao lidar com as consequências da crise econômica, desperdiçou a chance de construir maneiras mais eficazes de superá-la.
"Podemos desejar sucesso a Obama, mas acho que as perspectivas não são tremendamente encorajadoras", diz, na entrevista abaixo. "A tentativa dos EUA de exercer a hegemonia global vem fracassando de modo muito visível."
Hobsbawm discute ainda questões globais contemporâneas -como as tentativas de criar Estados supranacionais, a xenofobia e o crescimento econômico chinês- à luz do que expressou em livros como "Era dos Extremos" e "Tempos Interessantes" (ambos publicados pela Cia. das Letras).

 

PERGUNTA - "Era dos Extremos" termina em 1991, com um panorama de avalanche global -o colapso das esperanças de avanços sociais da era de ouro [para Hobsbawm, 1949-73]. Quais são as mudanças mais importantes desde então?
ERIC HOBSBAWM -
 Vejo quatro mudanças principais. Primeiro, o deslocamento do centro econômico do mundo do Atlântico Norte para o sul e o leste da Ásia. Isso já estava começando no Japão nas décadas de 1970 e 80, mas a ascensão da China desde os anos 1990 vem fazendo uma diferença real.
Em segundo lugar, é claro, a crise mundial do capitalismo, que vínhamos prevendo, mas que, mesmo assim, levou muito tempo para ocorrer. Em terceiro, a derrota retumbante da tentativa dos EUA de exercer a hegemonia global solo a partir de 2001.
Em quarto lugar, a emergência de um novo bloco de países em desenvolvimento, como entidade política -os Brics [Brasil, Rússia, Índia e China]-, não tinha acontecido quando escrevi "Era dos Extremos".
E, em quinto lugar, a erosão e o enfraquecimento sistemático da autoridade dos Estados: dos Estados nacionais no interior de seus territórios e, em grandes regiões do mundo, de qualquer tipo de autoridade de Estado efetiva. Isso se acelerou em um grau que eu não teria previsto.PERGUNTA - O que mais o surpreendeu desde então?
HOBSBAWM -
 Nunca deixo de me espantar com a pura e simples insensatez do projeto neoconservador, que não apenas fez de conta que a América fosse o futuro, mas chegou a pensar que tivesse formulado uma estratégia e uma tática para alcançar esse objetivo. Pelo que consigo enxergar, ele não tinha uma estratégia coerente, em termos racionais.
Em segundo lugar -fato muito menor, mas significativo-, o ressurgimento da pirataria, algo que já tínhamos em grande medida esquecido; isso é novo.
E a terceira coisa, que é ainda mais local: a derrocada do Partido Comunista da Índia (Marxista) em Bengala Ocidental [no leste da Índia], algo que eu realmente não teria previsto.
PERGUNTA - O sr. visualiza uma recomposição política daquilo que foi no passado a classe trabalhadora?
HOBSBAWM -
 Não em sua forma tradicional. Marx [1818-83] acertou, sem dúvida, quando previu a formação de grandes partidos de classe em determinado estágio da industrialização. Mas esses partidos, quando foram bem-sucedidos, não operaram puramente como partidos da classe trabalhadora: se queriam estender-se para além de uma classe estreita, o faziam como partidos do povo, estruturados em torno de uma organização inventada pela classe trabalhadora e voltada a alcançar os objetivos dela.
Mesmo assim, havia limites à consciência de classe. No Reino Unido, o Partido Trabalhista nunca conquistou mais de 50% dos votos. O mesmo se aplica à Itália, onde o Partido Comunista era muito mais um partido do povo.
Na França, a esquerda era baseada sobre uma classe trabalhadora relativamente fraca, mas que conseguiu se reforçar como sucessora essencial da tradição revolucionária.
O declínio da classe operária manual na indústria parece, de fato, ter atingido seu estágio terminal.
Houve três outras mudanças negativas importantes. Uma delas, é claro, é a xenofobia -que, para a maior parte da classe trabalhadora é, nas palavras usadas certa vez por [August] Bebel, "o socialismo dos tolos": proteja meu emprego contra pessoas que estão competindo comigo.
Em segundo lugar, boa parte da mão de obra e do trabalho nos setores que a administração pública britânica qualificava no passado como "graus menores e manipulativos" não é permanente, mas temporária. Assim, não é fácil enxergá-la como tendo potencial de ser organizada.
A terceira e mais importante mudança é, a meu ver, a divisão crescente gerada por um novo critério de classe: a saber, a aprovação em exames de escolas e universidades como critério de acesso a empregos. Pode-se dizer que se trata de uma meritocracia, mas ela é medida, institucionalizada e mediada por sistemas de ensino.
O que isso fez foi desviar a consciência de classe da oposição aos patrões para a oposição a representantes de alguma elite: intelectuais, elites liberais, pessoas que se erguem como superiores a nós.
PERGUNTA - Que comparações o sr. traçaria entre a crise atual e a Grande Depressão?
HOBSBAWM -
 [A crise de] 1929 não começou com os bancos -eles só caíram dois anos mais tarde. O que aconteceu, na verdade, foi que a Bolsa de Valores desencadeou uma queda na produção, com um índice muito mais alto de desemprego e um declínio real muito maior na produção do que havia ocorrido em qualquer momento até então.
A depressão atual levou mais tempo sendo preparada que a de 1929, que pegou quase todos de surpresa. Deveria ter sido claro desde cedo que o fundamentalismo neoliberal gerou uma instabilidade enorme nas operações do capitalismo. Até 2008, isso pareceu afetar apenas as áreas periféricas -a América Latina nos anos 1990 e no início da década de 2000; o Sudeste Asiático e a Rússia.
Parece-me que o verdadeiro indício de algo grave acontecendo deveria ter sido o colapso da Long-Term Capital Management [fundo de investimentos sediado nos EUA], em 1998, que provou como estava errado o modelo inteiro de crescimento. Mas o incidente não foi visto como tal. Paradoxalmente, a crise levou vários empresários e jornalistas a redescobrirem Karl Marx como alguém que tinha escrito algo interessante sobre uma economia globalizada moderna.
A economia mundial em 1929 era menos global do que é hoje. Isso exerceu algum efeito, é claro. A existência da União Soviética não exerceu efeito concreto sobre a Depressão, mas seu efeito ideológico foi enorme: significava que havia uma alternativa.
Desde os anos 1990, temos assistido à ascensão da China e das economias emergentes, fato que vem realmente exercendo um efeito concreto sobre a depressão atual, na medida em que esses países vêm ajudando a manter a economia mundial muito mais equilibrada do que ela estaria sem eles.
PERGUNTA - E o que dizer das consequências políticas?
HOBSBAWM -
 A Depressão de 1929 levou a um desvio avassalador para a direita, com a exceção notável da América do Norte, incluindo o México, e da Escandinávia.
O efeito da crise atual não é tão nítido. Podemos imaginar que grandes mudanças políticas devem ocorrer não apenas nos EUA ou no Ocidente, mas quase certamente na China.
PERGUNTA - O sr. antevê que a China continue a resistir ao declínio?
HOBSBAWM -
 Não há nenhuma razão em especial para prever que a China pare de crescer de uma hora para outra. A depressão causou um choque grave ao governo chinês, na medida em que paralisou muitas indústrias, temporariamente. Mas o país ainda se encontra nos estágios iniciais do desenvolvimento econômico, e há espaço enorme para expansão.
É claro que o país ainda enfrenta grandes problemas; sempre há pessoas que se perguntam se a China vai conseguir continuar unida. Mas acho que as razões reais e ideológicas para que as pessoas desejem que a China se mantenha unida continuam muito fortes.
PERGUNTA - Que avaliação o sr. faz da administração Obama?
HOBSBAWM -
 As pessoas ficaram tão satisfeitas com a eleição de um homem como ele, especialmente em um momento de crise, que pensaram que certamente seria um grande reformador, que faria o que Roosevelt [1933-45, responsável pelo New Deal, série de programas econômicos e sociais contra a Grande Depressão] fez.
Mas Obama não o fez. Ele começou mal. Se compararmos os primeiros cem dias de Roosevelt aos primeiros cem dias de Obama, o que salta à vista é a disposição de Roosevelt em aceitar assessores não oficiais, em experimentar algo novo, comparada à insistência de Obama em se conservar no centro. Acho que ele desperdiçou sua chance.
PERGUNTA - A solução de dois Estados, conforme visualizada no momento, é uma perspectiva digna de crédito para a Palestina?
HOBSBAWM -
 Pessoalmente, duvido que ela exista no momento. Seja qual for a solução possível, nada vai acontecer enquanto os americanos não decidirem mudar totalmente de posição e aplicar pressão sobre Israel.
PERGUNTA - Existem lugares do mundo nos quais o sr. acha que projetos positivos e progressistas ainda estejam vivos ou tenham chances de ser reativados?
HOBSBAWM -
 Na América Latina, com certeza, a política e o discurso público geral ainda são conduzidos nos velhos termos do iluminismo -liberais, socialistas, comunistas.
Esses são os lugares onde se encontram militaristas que falam como socialistas -que "são" socialistas. Encontram-se fenômenos como [o presidente] Lula, baseado em um movimento da classe trabalhadora, e [o presidente boliviano Evo] Morales.
Para onde isso vai levar é outra questão, mas a velha linguagem ainda pode ser falada, e os velhos modos políticos ainda estão disponíveis.
Não estou inteiramente certo quanto à América Central, embora existam indícios de um ligeiro "revival" da tradição da revolução no próprio México -não que isso vá muito longe, na medida em que o México já foi virtualmente integrado à economia americana.
É possível que projetos progressistas possam renascer na Índia, devido à força institucional da tradição secular de Nehru [que se tornou premiê após a independência do país, em 1947]. Mas isso não parece penetrar muito entre as massas.
Além disso, o legado dos velhos movimentos trabalhistas, socialistas e comunistas na Europa continua bastante forte.
Desconfio que, em algum momento, a herança do comunismo, por exemplo nos Bálcãs ou até mesmo em parte da Rússia, possa se manifestar de maneiras que não podemos prever. O que vai acontecer na China eu não sei. Mas não há dúvida de que eles [os chineses] estão pensando em termos diferentes, não em termos maoístas ou marxistas modificados.
PERGUNTA - O sr. sempre foi crítico do nacionalismo como força política. Também se manifestou contra violações de soberania nacional cometidas em nome de intervenções humanitárias. Após a falência do internacionalismo nascido do movimento trabalhista, que tipos são desejáveis hoje?
HOBSBAWM -
 Em primeiro lugar, o humanitarismo, o imperialismo dos direitos humanos, não tem muito a ver com internacionalismo. É indicativo ou de um imperialismo renascido, que encontra nele uma desculpa adequada para cometer violações de soberania de Estados -podem ser desculpas absolutamente sinceras-, ou então, o que é mais perigoso, é uma reafirmação da crença na superioridade permanente da região que dominou o planeta do século 16 até o final do século 20.
O internacionalismo, que é a alternativa ao nacionalismo, é uma coisa espinhosa. Ou é um slogan politicamente vazio, como foi, concretamente falando, no movimento trabalhista internacional -não queria dizer nada específico-, ou é uma maneira de assegurar uniformidade para organizações centralizadas e poderosas como a Igreja Católica ou a Internacional Comunista.
O internacionalismo significava que, como católico, você acreditava nos mesmos dogmas e participava das mesmas práticas, não importa quem você fosse ou onde vivesse. O mesmo acontecia, teoricamente, com os partidos comunistas. Não é realmente isso o que queríamos dizer com "internacionalismo".
O Estado-nação foi e continua a ser o quadro em que são tomadas todas as decisões políticas, domésticas e externas. É possível que o islã missionário e fundamentalista constitua uma exceção a essa regra, abarcando Estados, mas isso ainda não foi demonstrado concretamente.
PERGUNTA - Há obstáculos inerentes a qualquer tentativa de extrapolar as fronteiras do Estado-nação?
HOBSBAWM -
 Economicamente e na maioria dos outros aspectos -inclusive culturalmente, até certo ponto-, a revolução das comunicações criou um mundo genuinamente internacional, no qual há poderes de decisão que se transnacionalizam, atividades que são transnacionais e, é claro, movimentos de ideias, comunicações e pessoas que são mais facilmente transnacionais do que antes.
Na política, contudo, não se vê nenhum sinal de que isso esteja acontecendo, e é essa a contradição básica no momento. Uma das razões pelas quais não vem acontecendo é que, no século 20, a política foi democratizada em grau muito grande -a massa da população comum se envolveu nela. Para essa massa, o Estado é essencial para suas operações cotidianas normais e para suas possibilidades de vida.
Tentativas de fragmentar o Estado internamente, pela descentralização, foram empreendidas, em sua maioria nos últimos 30 ou 40 anos, e algumas delas não deixaram de ter algum sucesso -na Alemanha, com certeza, a descentralização vem tendo alguma medida de sucesso e, na Itália, a regionalização vem sendo benéfica.
Mas as tentativas de criar Estados supranacionais não têm funcionado. A União Europeia é o exemplo mais óbvio disso.
Ela foi prejudicada, até certo ponto, pelo fato de seus fundadores terem pensado precisamente em termos de um Superestado análogo a um Estado nacional, apenas maior -sendo que essa não era uma possibilidade, creio, e hoje com certeza não é.
PERGUNTA - O nacionalismo foi uma das grandes forças motrizes da política no século 19 e em boa parte do século 20. Que o sr. diz da situação atual?
HOBSBAWM -
 Não há dúvida alguma de que o nacionalismo foi, em grande medida, parte do processo de formação dos Estados modernos, que exigiu uma forma de legitimação diferente da do Estado tradicional teocrático ou dinástico. A ideia original do nacionalismo era a criação de Estados maiores, e me parece que essa função unificadora e de expansão foi muito importante.
Um exemplo típico foi o da Revolução Francesa, na qual, em 1790, pessoas apareceram dizendo: "Não somos mais delfineses ou sulistas -somos todos franceses".
Em uma etapa posterior, dos anos 1870 em diante, vemos movimentos de grupos no interior desses Estados impulsionando a criação de seus Estados independentes.
Era reconhecido, mesmo que não pelos próprios nacionalistas, que nenhum desses novos Estados-nações era, de fato, étnica ou linguisticamente homogêneo.
Mas, depois da Segunda Guerra [1939-45], os pontos fracos das situações existentes foram enfrentados, não apenas pelos vermelhos, mas por todos, pela criação proposital e forçada da homogeneidade étnica. Isso provocou uma quantidade enorme de sofrimento e crueldade e, no longo prazo, também não funcionou.
Não posso deixar de pensar que a função dos Estados separatistas pequenos, que se multiplicaram tremendamente desde 1945, mudou. Para começo de conversa, eles são reconhecidos como existentes.
Antes da Segunda Guerra, os Miniestados -como Andorra, Luxemburgo e todos os outros- nem sequer eram vistos como parte do sistema internacional, exceto pelos colecionadores de selos. A ideia de que tudo, até a Cidade do Vaticano, hoje é um Estado, potencialmente membro das Nações Unidas, é nova.
A função histórica de criar uma nação como Estado-nação deixou de ser a base do nacionalismo. Pode-se dizer que não é mais um slogan muito convincente.
Hoje, porém, o fator xenofóbico do nacionalismo é cada vez mais importante. Quanto mais a política foi democratizada, maior foi o potencial para isso. Trata-se de algo muito mais cultural que político -basta pensar na ascensão do nacionalismo inglês ou escocês nos últimos anos-, mas nem por isso menos perigoso.
PERGUNTA - O fascismo não incluía essas formas de xenofobia?
HOBSBAWM -
 O fascismo ainda foi, até certo ponto, parte da investida para criar nações maiores. Não há dúvida de que o fascismo italiano foi um grande passo à frente na conversão de calabreses e úmbrios em italianos; mesmo na Alemanha, foi apenas em 1934 que os alemães puderam ser definidos como alemães, e não alemães pelo fato de serem suábios, francos ou saxões.
É verdade que os fascismos alemão e europeu central e oriental foram acirradamente contrários a outsiders -judeus, em grande medida, mas não apenas eles.
E, é claro, o fascismo forneceu uma garantia menor contra os instintos xenofóbicos.
PERGUNTA - As dinâmicas separatistas e xenofóbicas do nacionalismo atuam hoje nas margens da política mundial?
HOBSBAWM -
 Sim, embora existam regiões em que o nacionalismo causou danos enormes, como no sudeste da Europa.
Ainda é verdade, é evidente, que o nacionalismo -ou o patriotismo, ou a identificação com um povo específico, que não precisa necessariamente ser definido por critérios étnicos- seja um enorme fator de legitimação dos governos.
Isso é claramente o caso na China. Um dos problemas da Índia, hoje, é que não existe nada exatamente assim por lá.
PERGUNTA - Como o sr. prevê a dinâmica social da imigração contemporânea hoje? Haverá a emergência gradual de outro caldeirão cultural na Europa, não dessemelhante ao americano?
HOBSBAWM -
 Mas o caldeirão cultural nos EUA deixou de sê-lo desde os anos 1960. Ademais, no final do século 20, a migração já era algo realmente muito diferente das migrações de períodos anteriores, em grande medida porque, ao emigrar, as pessoas já não rompem os vínculos com o passado no mesmo grau em que o faziam antes.
É possível continuar a ser guatemalteco mesmo vivendo nos EUA. Também há situações como as da UE, nas quais, concretamente, a imigração não gera a possibilidade de assimilação. Um polonês que vem para o Reino Unido não é visto como nada além de um polonês que vem trabalhar no país.
Isso é claramente novo e muito diferente da experiência de pessoas da minha geração, por exemplo -a geração dos emigrados políticos, não que eu tenha sido um-, na qual nossa família era britânica, porém culturalmente nunca deixávamos de ser austríacos ou alemães; mas, apesar disso, acreditávamos realmente que deveríamos ser ingleses.
Acredito realmente que é essencial conservar as regras básicas da assimilação -que os cidadãos de um país particular devem comportar-se de determinada maneira e gozar de determinados direitos, que esses comportamentos e direitos devem defini-los e que isso não deve ser enfraquecido por argumentos multiculturais.
A França integrou, apesar de tudo, mais ou menos tantos de seus imigrantes estrangeiros quanto os EUA, relativamente falando, e, mesmo assim, o relacionamento entre os locais e os ex-imigrantes é quase certamente melhor lá. Isso acontece porque os valores da República Francesa continuam a ser essencialmente igualitários e não fazem nenhuma concessão pública real.
Seja o que for que você faça no âmbito pessoal -era também esse o caso nos EUA no século 19-, publicamente esse é um país que fala francês. A dificuldade real não será tanto com os imigrantes quanto com os locais. É em lugares como Itália e Escandinávia, que não tinham tradições xenofóbicas prévias, que a nova imigração vem criando problemas sérios.
PERGUNTA - Hoje é amplamente disseminada a ideia de que a religião tenha retornado como força imensamente poderosa. O sr. vê isso como um fenômeno fundamental ou mais passageiro?
HOBSBAWM -
 Está claro que a religião -entendida como a ritualização da vida, a crença em espíritos ou entidades não materiais que influenciariam a vida e, o que não é menos importante, como um elo comum entre comunidades- está tão amplamente presente ao longo da história que seria um equívoco enxergá-la como fenômeno superficial ou que esteja destinado a desaparecer, pelo menos entre os pobres e fracos, que provavelmente sentem mais necessidade de seu consolo e também de suas potenciais explicações do porquê de as coisas serem como são.
Existem sistemas de governo, como o chinês, que não possuem concretamente qualquer coisa que corresponda ao que nós consideraríamos ser religião. Eles demonstram que isso é possível, mas acho que um dos erros do movimento socialista e comunista tradicional foi optar pela extirpação violenta da religião em épocas em que poderia ter sido melhor não o fazer.
É verdade que a religião deixou de ser a linguagem universal do discurso público; e, nessa medida, a secularização vem sendo um fenômeno global, embora apenas em algumas partes do mundo ela tenha enfraquecido gravemente a religião organizada.
Para as pessoas que continuam a ser religiosas, o fato de hoje existirem duas linguagens do discurso religioso gera uma espécie de esquizofrenia, algo que pode ser visto com bastante frequência entre, por exemplo, os judeus fundamentalistas na Cisjordânia -eles acreditam em algo que é evidentemente tolice, mas trabalham como especialistas nisso.
O declínio das ideologias do iluminismo deixou um espaço político muito maior para a política religiosa e as versões religiosas de nacionalismo. Mas muitas religiões estão claramente em declínio.
O catolicismo está lutando arduamente, mesmo na América Latina, contra a ascensão de seitas evangélicas protestantes, e tenho certeza de que está se mantendo na África apenas graças a concessões aos hábitos e costumes sociais que eu duvido que tivessem sido feitas no século 19.
As seitas evangélicas protestantes estão em ascensão, mas não está claro até que ponto são mais que uma minoria entre os setores sociais com mobilidade ascendente, como era o caso antigamente com os não conformistas na Inglaterra.
A única exceção é o islã, que vem continuando a se expandir sem nenhuma atividade missionária efetiva nos últimos dois séculos.
Parece-me que o islã possui grandes trunfos que favorecem sua expansão contínua -em grande medida, porque confere às pessoas pobres o sentimento de que valem tanto quanto todas as outras e que todos os muçulmanos são iguais.
PERGUNTA - Não se poderia dizer o mesmo do cristianismo?
HOBSBAWM -
 Mas um cristão não crê que vale tanto quanto qualquer outro cristão. Duvido que os cristãos negros acreditem que valham tanto quanto os colonizadores cristãos, enquanto alguns muçulmanos negros acreditam nisso, sim. A estrutura do islã é mais igualitária, e o elemento militante é mais forte no islã.
Recordo-me de ter lido que os mercadores de escravos no Brasil deixaram de importar escravos muçulmanos porque eles insistiam em rebelar-se sempre. Esse apelo encerra perigos consideráveis -em certa medida, o islã deixa os pobres menos receptivos a outros apelos por igualdade.
Os progressistas no mundo muçulmano sabiam desde o início que não haveria maneira de afastar as massas do islã; mesmo na Turquia, tiveram que encontrar alguma forma de convivência -aliás, esse foi provavelmente o único lugar onde isso foi feito com êxito.
PERGUNTA - A ciência foi uma parte central da cultura da esquerda antes da Segunda Guerra. O sr. acha que o destaque crescente das questões ambientais deverá reaproximar a ciência da política radical?
HOBSBAWM -
 Tenho certeza de que os movimentos radicais vão se interessar pela ciência. O ambiente e outras preocupações geram razões fundamentadas para combater a fuga da ciência e da abordagem racional aos problemas, fuga que se tornou bastante ampla a partir dos anos 1970 e 80. Mas, com relação aos próprios cientistas, não creio que isso vá acontecer.
Diferentemente dos cientistas sociais, não há nada que leve os cientistas naturais a se aproximarem da política. Historicamente falando, eles, na maioria dos casos, têm sido apolíticos ou seguiram a política padrão de sua classe.
PERGUNTA - Em "Tempos Interessantes" [publicado em 2002], o sr. expressou reservas ao que eram, na época, modismos históricos recentes. O sr. acha que o cenário historiográfico continua relativamente inalterado?
HOBSBAWM -
 Minha geração de historiadores, que de modo geral transformou o ensino da história, além de muitas outras coisas, procurou essencialmente estabelecer um vínculo permanente, uma fertilização mútua, entre a história e as ciências sociais; era um esforço que datava dos anos 1890.
A disciplina econômica seguiu uma trajetória diferente. Dávamos como certo que estávamos falando de algo real: de realidades objetivas, embora, desde Marx e a sociologia do conhecimento, soubéssemos que as pessoas não registram a verdade simplesmente como ela é.
Mas o que era realmente interessante eram as transformações sociais. A Grande Depressão foi instrumental nesse aspecto, porque reapresentou o papel exercido por grandes crises nas transformações históricas -a crise do século 14, a transição ao capitalismo.
Éramos um grupo que procurava resolver problemas, que se preocupava com as grandes questões. Havia outras coisas cuja importância diminuíamos: éramos tão contrários à história tradicionalista, à história dos governantes e figuras importantes, ou mesmo à história das ideias, que rejeitávamos isso tudo.
Em algum momento da década de 1970, ocorreu uma mudança acentuada. Em 1979-80 a [revista de história] "Past & Present" publicou uma troca de ideias entre Lawrence Stone e mim sobre o "revival da narrativa" -"o que está acontecendo com as grandes perguntas "por quê'?".
Os historiadores oriundos de 1968 não se interessavam mais pelas grandes perguntas -pensavam que todas já tinham sido respondidas. Estavam muito mais interessados nos aspectos voluntários ou pessoais. O [periódico] "History Workshop" foi um desenvolvimento tardio desse tipo.
Por outro lado, houve alguns avanços positivos. O mais positivo destes foi a história cultural, que todos nós, inegavelmente, tínhamos deixado de lado. Não prestamos atenção suficiente à história do modo como ela de fato se apresenta a seus atores.
PERGUNTA - Se o sr. tivesse que escolher tópicos ou campos ainda inexplorados e que representam desafios importantes para historiadores futuros, quais seriam?
HOBSBAWM -
 O grande problema é um problema muito geral. Segundo padrões paleontológicos, a espécie humana transformou sua existência com velocidade espantosa, mas o ritmo das transformações tem variado tremendamente.
Os marxistas focaram, com razão, as transformações no modo de produção e em suas relações sociais como sendo geradoras de transformações históricas.
Contudo, se pensarmos em termos de como "os homens fazem sua própria história", a grande questão é a seguinte: historicamente, comunidades e sistemas sociais buscaram a estabilização e a reprodução, criando mecanismos para prevenir-se contra saltos perturbadores no desconhecido. Como, então, humanos e sociedades estruturados para resistir a transformações dinâmicas se adaptam a um modo de produção cuja essência é o desenvolvimento dinâmico interminável e imprevisível?
Os historiadores marxistas poderiam beneficiar-se da pesquisa das operações dessa contradição fundamental entre os mecanismos que promovem transformações e aqueles que são voltados a opor resistência a elas.

Esta entrevista foi publicada originalmente na edição de janeiro/fevereiro da revista britânica "New Left Review".Tradução de Clara Allain.
FOLHA ONLINE
Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/101031

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Aviso e dica


Pessoas, nesta semana de dilúvio encerramos nosso segundo módulo.

Na próxima aula, iniciaremos a discussão sobre poder a partir de um texto do professor Roberto Machado. O texto já está em nossa pasta na xerox da Facom. O texto é o prefácio do livro Microfísica do poder, de Foucault. No entanto, o livro que está disponível na internet não conta com esse prefácio, por isso, o nosso texto está apenas na pasta da xerox, ok? A referência do texto: MACHADO, Roberto. “Por uma Genealogia do Poder”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal.

Na turma de segunda, esqueci de escolher alguns alunos para iniciar a discussão desse novo texto. Por favor, quais são os voluntários?

O demais textos desse terceiro módulo nós definiremos nos próximos dias. Aguardem os avisos aqui.

Outra coisa: quem deseja mais detalhes da perspectiva teórica que eu apresentei no final da minha aula desta semana, tanto na segunda quanto na quarta, encontra uma boa síntese e história no texto que está disponível no seguinte endereço: http://www.alb.com.br/anais16/prog_pdf/prog03_01.pdf

Um abraço e boas leituras, Leandro

Cultura baiana

Oi, já que falamos sobre identidade e cultura baiana nos últimos dias, eis uma provocação que merece ser discutida, nem que seja por aqui.

leiam http://blogs.estadao.com.br/marcelo-rubens-paiva/acontece-que-ele-e-baiano/

terça-feira, 13 de abril de 2010

Duas dicas

Pessoas. Na aula de ontem (segunda, dia 12), discutimos identidade e gênero. Por acaso (?), dois eventos que ocorrem em Salvador na próxima sexta-feira, dia 16, tratam dessas questões que abordei em sala. Eis eles:

O primeiro

A advogada Maria Berenice Dias vai estar em Salvador no próximo dia 16 de abril, sexta-feira, em mais uma frente de sua cruzada para construir Comissões da Diversidade Sexual e Combate à Homofobia nas seções regionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Referência na área de direito homoafetivo, Dias pretende mobilizar o movimento social LGBT e os advogados baianos. O evento ocorre no Centro Cultural da Câmara Municipal de Salvador, a partir das 19 horas, e terá como anfitriãs as vereadoras Marta Rodrigues (PT) e Vânia Galvão (PT).

A jurista gaúcha tornou-se a primeira juíza e a primeira desembargadora do Rio Grande do Sul. Com renome nacional, montou a Maria Berenice Dias Advogados, que atua em áreas como direito homoafetivo, dentre outras, e é responsável pelo site http://www.direitohomoafetivo.com.br/index.php. O grupo conta com escritório na Bahia e em mais 12 estados e no DF. A jurista tem uma série de livros e artigos publicados, a maioria na área do direito homoafetivo.

O trabalho de Dias para criar as comissões da OAB teve sucesso no Rio Grande do Sul, Pernambuco, Mato Grosso e na cidade de Guarulhos, no interior de São Paulo, e está avançando em mais 4 estados. Ela pretende inserir a Bahia nesse mapa. "Quero aproveitar a oportunidade para fazermos uma reunião, para viabilizarmos a criação da comissão também na Bahia.", afirma. Para a vereadora Marta Rodrigues, será um "momento  importante para discutir o direito ao nome social, à adoção por casais homoafetivos e à união civil de pessoas do mesmo sexo, e colocar essa pauta na agenda do debate jurídico do estado". Renildo Barbosa, da PROHOMO e do Fórum Baiano LGBT, também saudou a iniciativa e tem se mobilizado para divulgar o evento no movimento e no meio jurídico.


O segundo

Palestra: Genética, Política, Raça e Orientação Sexual

Professor Dr. Peter Fry, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Quando: 16 de abril de 2010

Onde: Centro de Estudos Afro- Orientais UFBA (Inocêncio Galvão, 42 - Largo. 2 de Julho - Centro - Salvador)

Horário: 17h

Mais informações: 3283-5509 ou pelo e-mail fabrica@ufba.br

sábado, 10 de abril de 2010

Lembrando de nossas aulas IV

Extrema direita avança na Hungria e no resto do Leste Europeu

Gloria Torrijos
Em Viena


A direita radical, xenófoba e ultranacionalista representada pelo partido Jobbik (Movimento para uma Hungria Melhor) poderá se transformar nas eleições legislativas da Hungria, em 11 e 25 de abril, na segunda força política, desalojando os socialistas do MSZP, no governo, do qual se prevê que sofra um duro revés e caia do primeiro para o terceiro lugar.

A estrita política orçamentária aplicada pelos socialistas em troca do empréstimo de 20 bilhões de euros (cerca de R$ 48 bilhões) pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a União Européia (UE) para salvar a Hungria da falência é impopular entre sua população, que viu maiores impostos, menores ajudas estatais, cortes nas aposentadorias e o cancelamento do 13º salário anual. As razões que alimentam o sucesso do jovem Jobbik – que, embora criado em 2003, participou pela primeira vez isoladamente das eleições para o Parlamento Europeu em 2009, nas quais obteve 15% dos votos (três lugares) - são o descontentamento, a falta de esperança, tensões sociais e agressões, devido à grave crise econômica do país centro-europeu, a pior em sua democracia.

O prognóstico, segundo as últimas pesquisas, de que o Jobbik consiga até 18% dos votos se baseia na falta de confiança nos socialistas, por obrigarem a apertar o cinto, e o desgaste de oito anos no poder.

Mas também porque o Jobbik atiçou o ódio "contra os bodes-expiatórios tradicionais nesta região europeia": ciganos, judeus e homossexuais. A isso somam-se "teorias de conspirações mundiais", analisa Anton Pelinka, catedrático de ciências políticas e estudos do nacionalismo na Universidade Centro-Europeia em Budapeste.

Essa tática encontra um campo fértil entre os populistas de direita nos países da região, em contraposição ao medo da imigração que domina os discursos da direita populista na Europa Ocidental, afirma Pelinka.

Os bancos e as multinacionais são, para o Jobbik, outros culpados, dos quais exige que "paguem impostos" e dos segundos "que paguem mais", e assim "a Hungria voltará a ser dos húngaros".

A intensa campanha eleitoral do Jobbik, mais que a de nenhum outro partido e que quase não é repercutida nos grandes veículos da imprensa local, contribui para seu grande apoio.

Quase diariamente o Jobbik, encabeçado por jovens políticos radicais com conhecimentos de mídia, realiza cerca de 12 atos eleitorais na área deprimida do leste da Hungria, dos quais participam seu líder, Gabor Vona, e o padre Lóránt Hegedus, conhecido por seus slogans antissemitas.

A falta de cobertura jornalística também é compensada pelo Jobbik, considerado neofascista por sua semelhança com o movimento da Cruz Gamada - aliado do Terceiro Reich da Alemanha nazista -, com o contato pessoal de seus ativistas, que vão de porta em porta. Parece que essa estratégia dá frutos entre uma parte do eleitorado.

Com a criação da Guarda Húngara, embora proibida nos tribunais, o "exército" do Jobbik, que marcha marcando o passo, com bandeiras e saudações paramilitares, pelos assentamentos ciganos, amplia o sentimento de medo contra "os inimigos da pátria".

Embora essa força desempenhe um papel decisivo nas eleições e para muitos seja uma ameaça à democracia, as pesquisas preveem uma vitória segura da Aliança de Jovens Democratas, do carismático ex-primeiro-ministro Viktor Orban, que exerceu essa função de 1998 a 2002 e que chegou a ela com apenas 35 anos.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Lembrando de nossas aulas III

FERNANDO RODRIGUES

O voto das mulheres
BRASÍLIA - O voto feminino apresenta até o momento um comportamento curioso na eleição presidencial deste ano. As duas mulheres candidatas para valer na disputa, Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), ainda não conseguiram usar o fator gênero para alavancar suas campanhas.
O demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE, fez uma análise de seis pesquisas de intenção de voto deste ano -duas delas do Datafolha. Em todos os levantamentos, José Serra (PSDB) leva vantagem sobre a petista Dilma Rousseff no eleitorado feminino.
Serra e Dilma praticamente empatam quando se isola apenas o voto dos homens. Ou seja, a dianteira que o tucano continua a manter deriva da preferência maior que recebe das eleitoras mulheres.
José Eustáquio diz não saber a gênese da dificuldade de Dilma com o eleitorado feminino. Uma pista pode ser o histórico de votação de Lula: "O atual presidente do Brasil sempre teve menos votos entre as mulheres em todas as cinco eleições presidenciais que disputou".
Se tivesse conseguido a mesma proporção de apoio entre homens e mulheres, diz o especialista, Lula teria vencido no primeiro turno as eleições de 2002 e de 2006.
Há também a hipótese do machismo disfarçado, latente na sociedade brasileira -mais conservadora do que se imagina. Eustáquio diz que, conforme estuda o tema, mais dúvidas tem: "Será que o eleitorado feminino está menos propenso a votar em Dilma por um machismo do estilo "mulher não vota em mulher"? Ou, ao contrário, o eleitorado feminino resiste a Dilma por projetar na candidata um machismo que talvez atribua a Lula, como em outras eleições?".
Decifrar esse enigma sobre o comportamento do voto feminino será vital para quem quiser ganhar a eleição. O PT, Dilma e Lula ainda parecem longe de uma resposta.

fernando.rodrigues@grupofolha.com.br

Lembrando de nossas aulas II

LIVROS

Crítica/ "Freud Obras Completas - Volumes 10, 12 e 14"

Edição preserva qualidade de Freud
Tradução de Paulo César de Souza, feita diretamente do alemão, revela o talento literário do criador da psicanálise

LUÍS CARLOS MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A obra de Freud caiu em domínio público em janeiro, ou seja, pode agora ser traduzida e publicada por qualquer editora interessada. Paulo César de Souza, premiado duas vezes por suas traduções de Brecht e de grande parte da obra de Nietzsche, alia a competência do germanista reconhecido a um grande sonho pessoal: o desafio de traduzir a obra de Freud.
Nesta feliz conjuntura, a "nossa clara língua majestosa" (expressão de Fernando Pessoa citada pelo tradutor em seu prefácio), depois de tanto penar com traduções, em geral muito ruins, feitas do inglês, do francês e do espanhol, começa agora a acolher nela a escrita freudiana traduzida diretamente do alemão.
Nos últimos anos, alguns volumes já haviam sido publicados pela editora Imago, detentora dos direitos autorais para o português, traduzidos por uma equipe sob a direção de Luiz Alberto Hanns.
Aqui, no entanto, vou me ater a alguns comentários sobre as "Obras Completas", em vinte volumes, traduzida por Paulo César, dos quais três acabam de ser publicados, com a previsão de mais dois ainda para este ano. Oportunidades não faltarão para se falar também da tradução sob a direção de L.A. Hanns, possibilidades de leitura que, em sua diversidade, vão reavivar o estudo do pensamento da obra de Freud, viga-mestra da psicanálise.
Ambas estão sendo feitas do alemão e por pessoas que têm a medida da importância da obra, da extrema complexidade das ideias que nela são desenvolvidas. Portanto, podemos considerar que ambas são traduções confiáveis, o que é uma fato novo de inestimável importância para quem lê ou estuda Freud em português.
Com a tradução de Paulo César de Souza, parece que não teremos nenhum risco de tropeçar em neologismos ou em artefatos, como palavras marcadas aqui e ali com signos pré-convencionados. Diante das escolhas mais difíceis, Paulo César opta por palavras conhecidas da língua, de maneira que a prosa flui agradavelmente.
Podemos apostar que enfim vamos ter a oportunidade de conhecer, de saborear, o tão falado Freud escritor, este "mestre da prosa alemã" contemplado com o prêmio Göethe em 1930, e que conduz o leitor com simplicidade, elegância e grande versatilidade de estilo pelos labirintos de um pensamento infatigável, irriquieto, impelido pelo esforço em cercar um objeto de estudo por natureza fugidio; pego numa formulação, ele já requer novos esforços para ser reencontrado em outras perspectivas.

"Agieren"
A limitação estará em poder dar conta das derrapagens, dos excessos com os quais se depara a psicanálise. Vejamos um exemplo tirado do artigo "A Dinâmica da Transferência", de 1912, e que se encontra no primeiro volume da série agora publicada.
No último parágrafo, Freud, fazendo uma aproximação da transferência com os sonhos, destaca a dificuldade em trazer "os impulsos inconscientes" para o terreno da lembrança, ou seja, terreno no qual o paciente pudesse reconhecê-los na dimensão de sua própria experiência e dos seus desejos, de sua história. Ao contrário, estes tendem "a reproduzir-se, de acordo com a atemporalidade e a capacidade de alucinação do inconsciente".
Ele (o paciente) "atribui realidade e atualidade aos produtos do despertar de seus impulsos inconscientes; ele quer dar corpo a suas paixões, ...". Em nota de rodapé, o tradutor indica que "dar corpo" corresponde a "agieren" no texto de Freud, e fornece algumas opções de tradução usadas em outras línguas, em quase todas a paixão sendo posta em ação.
Embora a palavra "paixão" já designe uma condição de grande intensidade, próxima de desencadear atos desmedidos, Freud neste contexto precisou dizer que, nesta condição transferencial, a exacerbação passional leva a ações, as paixões são agidas, atuadas. A clínica pós-freudiana reconheceu neste poder de "agieren", por vezes silencioso, sobre o psiquismo do psicanalista uma importância decisiva.
Ora, ao traduzir o "agieren" ... suas paixões" por "dar corpo a elas", o tradutor atenua enormemente a formulação de que o autor necessita para dar a medida do que está descrevendo e do desafio técnico que representa e que vai estar no centro de suas preocupações. "Ele quer dar corpo a suas paixões" respeita o modo de falar do leitor, mas amortece um excesso transferencial, que corre o risco de tornar-se incontrolável, para a qual o psicanalista está apontando.

Desafios clínicos
O mesmo na escolha de instinto em vez de pulsão para traduzir a palavra "trieb" -na obra de Freud um conceito essencial. Opção que de novo protege o texto, este não sofre com um neologismo, mas perde a especificidade que Freud lhe dá e que lhe é indispensável: o seu caráter de compulsão, presente no verbo compelir (obrigar, forçar, coagir, constranger, impelir, empurrar).
Mas, isto dito, reconheçamos que o tradutor fez a sua parte admiravelmente; cabe aos leitores e estudiosos da obra, principalmente quando forem psicanalistas, fazer o trabalho de leitura e trazer o texto para o miolo de onde vêm: os desafios da prática clínica.

LUÍS CARLOS MENEZES é psicanalista e psiquiatra, formado pela Associação Psicanalítica da França (APF) e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e do Instituto Sedes Sapientiae.


FREUD (1911-1913) "O CASO SCHREBER" E OUTROS TEXTOS - OBRAS COMPLETAS VOLUME 10

Autor: Sigmund Freud
Tradução: Paulo César de Souza
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 50 (378 págs.)
Avaliação: ótimo

FREUD (1914-1916) ENSAIOS DE METAPSICOLOGIA E OUTROS TEXTOS - OBRAS COMPLETAS VOLUME 12

Quanto: R$ 48 (314 págs.)
Avaliação: ótimo

FREUD (1917-1920) "O HOMEM DOS LOBOS" E OUTROS TEXTOS - OBRAS COMPLETAS VOLUME 14

Quanto: R$ 52 (434 págs.)
Avaliação: ótimo

PS: o tradutor é baiano e mora em SSA.

Lembrando de nossas aulas I

Crítica/ "A Morte de Freud - O Legado de Seus Últimos Dias"

Ensaio jornalístico traz comentário banal sobre o fim da vida do autor
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

"Eu, prof. Freud, afirmo que, após a anexação da Áustria pelo Reich alemão, tenho sido tratado pelas autoridades alemãs e, particularmente, pela Gestapo com todo o respeito e consideração devidos à minha reputação científica; que eu poderia viver e trabalhar em plena liberdade (...) e que não tenho a mínima razão para fazer qualquer reclamação."
Este é o teor do documento que Sigmund Freud, aos 81 anos, foi obrigado a assinar para que pudesse refugiar-se, junto com a família, na Inglaterra. O criador da psicanálise contou com a ajuda de amigos importantes, como a princesa Marie Bonaparte, e com o interesse do presidente americano Franklin Roosevelt, para enfim sair de uma Viena entregue à ferocidade antissemita.
Não havia alternativa. Freud subscreveu o texto que lhe fora imposto, mas acrescentou de próprio punho um adendo irônico: "Posso recomendar a Gestapo a qualquer pessoa".
Histórias desse tipo não são raras em "A Morte de Freud - O Legado de Seus Últimos Dias", pequeno ensaio jornalístico de Mark Edmundson que conta em detalhes o período que vai de 14 de março de 1938, quando Adolf Hitler é recebido triunfalmente em Viena, a 23 de setembro de 1939, quando Sigmund Freud morre depois de receber, a seu pedido, as injeções de morfina que encerrariam os sofrimentos causados pelo câncer.
No exílio londrino, Freud é visitado por personalidades como Virginia Woolf e Salvador Dalí, enquanto escreve o capítulo final de "Moisés e o Monoteísmo".
Colaborador de revistas como "The New Republic" e "Harper's", Mark Edmundson tem boas histórias a contar sobre esses encontros, assim como sobre o amor que Freud dedicava à sua cadela de estimação. Acompanhamos também a sorte de alguns dos personagens de seu círculo familiar (as irmãs de Freud permaneceram em Viena; três delas morreram nos campos de extermínio).

Banalidades
Dirigido a um público leigo, "A Morte de Freud - O Legado de Seus Últimos Dias" não pretende trazer informações inéditas ou interpretações originais. Mesmo levando em conta essa ambição modesta, deve-se dizer que Edmundson abusa dos seus direitos à banalidade.
No fim da vida, diz o autor, Freud "se manteve firme e corajoso; teve até mesmo a equanimidade de produzir novas pérolas de sabedoria, de tempos em tempos". Referindo-se ao médico de Freud, o autor escreve: "Deve ter sido difícil para Schur acreditar que diante dele estava talvez o mais poderoso e influente intelectual de seu século".
Para quem não se incomoda com frases como essas, nem se cansou de ver citada, como se fosse novidade, aquela de Marx sobre "tudo que é sólido se desmancha no ar", o livro de Mark Edmundson pode ser uma boa indicação.


A MORTE DE FREUD - O LEGADO DE SEUS ÚLTIMOS DIAS

Autor: Mark Edmundson
Tradução: Luciano Trigo
Editora: Odisseia
Quanto: R$ 29, 90(232 págs.)
Avaliação: regular

terça-feira, 6 de abril de 2010

Ainda a universidade - Na FSP de hoje

TENDÊNCIAS/DEBATES

USP, até quando para tão poucos?

DANTE PEIXOTO, JOANA SALÉM e PAULO TAUYR


Até quando teremos esse descaso com as políticas de permanência estudantil?
Até quando o diálogo será apenas um discurso?



DESDE QUE foi fundada, a USP sempre fechou suas portas para a ampla maioria da população. Isso devido não apenas ao excludente processo do vestibular e à insuficiência no número de vagas oferecidas mas também ao descaso com a necessidade de permanência do estudante na universidade, fazendo com que muitos estudantes carentes não consigam nela permanecer após serem aprovados no processo seletivo.
As políticas de permanência estudantil são necessárias para tornar efetiva a gratuidade do ensino público, garantida pela Constituição. São elas que asseguram que aqueles que não têm condições de se manter por recursos próprios tenham uma rede de apoio (moradia, alimentação, transporte) propiciada pela universidade.
Portanto, longe de ser privilégio ou benefício concedido "por caridade" pela universidade, a existência de políticas de permanência estudantil é um direito que faz com que o direito à educação se torne efetivo e concreto, e não um privilégio de poucos.
A USP tem um orçamento de aproximadamente R$ 3 bilhões, dos quais destina à permanência estudantil menos de 3%. Em 2010, o valor global destinado às políticas de permanência cresceu de R$ 85 milhões para R$ 87 milhões, entretanto o montante distribuído de acordo com critérios socioeconômicos diminuiu de R$ 38 milhões para R$ 31 milhões, o que representa cerca de 1% do orçamento da USP. A permanência estudantil, portanto, não é uma prioridade para a administração da universidade. Além disso, há distorção nos critérios.
Nos últimos anos, a Coordenadoria de Assistência Social (Coseas), ligada à reitoria, passou a utilizar critérios acadêmicos para a seleção dos alunos para as bolsas. É um contrassenso: o aluno de baixa renda que ainda não acessou o direito à assistência pode, compreensivelmente, apresentar menor desempenho acadêmico por conta de condições adversas que justamente o fazem buscar o direito.
A Reitoria da USP, desde 2006, vem propagandeando sua política de inclusão social, chamada Inclusp. Contudo, é uma política tímida, que visa aumentar de 26% para 30% o número de alunos provenientes de escolas públicas ingressos na USP.
Só em São Paulo, os estudantes da escola pública representam 82% do alunado, contra 18% da escola privada. Há uma inversão no acesso à universidade sustentada pela exclusão social estruturante do projeto histórico da USP, que, apesar de pública, é controlada pelos mesmos grupos de poder há décadas. Do contrário, de onde vem a extrema dificuldade da USP para se democratizar? E, sobretudo, até quando será assim?
Essas críticas e propostas têm sido apresentadas pelos estudantes ano a ano e solenemente ignoradas pelos reitores. Dito isso, chegamos, então, à atual situação levantada pelo reitor João Grandino Rodas ("USP, "quousque tandem'?", "Tendências/Debates", 28/3): os estudantes do Conjunto Residencial da USP que ocupam a sede da Coseas.
Tal situação se deu porque os estudantes não viram outra alternativa. Além da patente insuficiência e distorção das atuais políticas, a Coseas tem se mostrado ausente no diálogo, e existem relatos de invasões de privacidade por parte do órgão, com controle de reuniões e assembleias. Além disso, os estudantes, maiores interessados, devem ter acesso aos critérios de seleção das bolsas e participar, com professores, administradores e assistentes sociais, da formulação desses critérios.
Por fim, não podemos deixar de pontuar nossa discordância com as insinuações do reitor, que desprestigia e chama de minoritários os movimentos que a comunidade universitária desenvolveu ao longo das últimas décadas.
São esses movimentos os principais responsáveis pela manutenção da qualidade que a USP ainda tem hoje, pois eles lutaram por ampliação dos recursos, autonomia financeira, contratação de professores, ampliação das vagas e ampliação das políticas de permanência e resistem aos que querem colocar a USP a serviço dos interesses eleitorais do governo estadual.
Assim, restam as perguntas que não calam: até quando teremos esse descaso com as políticas de permanência estudantil? Até quando o diálogo será apenas um discurso? Até quando, USP, será de tão poucos e para tão poucos?


DANTE PEIXOTO, 23, estudante de engenharia ambiental da USP,JOANA SALÉM, 23, estudante de história da USP, e PAULO TAUYR, 28, estudante de pós-graduação em arquitetura da USP, são membros do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP.