sexta-feira, 4 de setembro de 2009

CRISE QUE DESAFIA A CAPACIDADE DE MUDANÇA

Um ano de cores sombrias: 2009 aparece em todas as previsões como o primeiro ano da maior crise mundial desde o fim da Segunda Guerra. Mas o ano que se inicia no dia 20 de janeiro, com a posse do primeiro presidente negro americano, promete ser também um ano de fortes mudanças. Barack Obama foi eleito com a promessa da mudança e, por conta do muito prometer e de formar um gabinete de adversários reunidos em torno de uma grande mesa de negociações, à sombra de Abraham Lincoln, o novo presidente tem quase tudo para decepcionar as altas expectativas em torno de seu governo. Para evitar o pior, terá que priorizar: milhões de empregos para a classe média e um plano de saúde para todos os americanos são as metas anunciadas já para 2009. Para tanto, Obama fala em investimentos iniciais de US$ 700 bilhões. Terá, porém, que investir bem mais. Investimentos maciços do governo são a única luz no fim do túnel de 2009. Para tanto, será preciso ampliar a dívida, emitir títulos do Tesouro, reorientar a economia na direção de energias alternativas e da redução da dramática dependência americana do petróleo importado. No front da política externa, as promessas mais aguardadas são a retirada das tropas do Iraque, o aumento de efetivos no Afeganistão e o fechamento de Guantánamo. Quem decidiu ter um gabinete de adversários numa grande coalizão nacional, incluindo democratas, republicanos e independentes na máquina governamental, terá que muito rapidamente aprender a dizer não e desagradar uns e outros.

Não será tarefa fácil. A audácia da esperança, para usar o jargão de Obama, vai depender sobretudo da capacidade do presidente em administrar conflitos sem perder a liderança. Obama recebe o pior legado do governo anterior desde Harry Truman. Mas conta com um Congresso de ampla maioria democrata nas duas casas. A luta será sobretudo interna ao Partido Democrata: correntes muito diversas disputam a hegemonia dentro do novo governo. Obama prevê para si mesmo o papel de fiel da balança, e deve tornar-se rapidamente um arriscado equilibrista na corda bamba de um país em forte convulsão interna, causada pelo alto índice de desemprego, que já beira 9% da força de trabalho, e pelos dolorosos ajustes de mercado. O Congresso americano, ao aprovar a ajuda emergencial para a indústria automobilística, já sinalizou o que deve dar a tônica do ano de 2009: a ajuda do governo terá como contrapartida a renegociação dos direitos trabalhistas, em nome da garantia de competitividade, num mundo em que os mercados asiáticos, sobretudo a China, pagam menos e produzem mais. A garantia de emprego vai cobrar o preço da perda de benefícios, o que certamente redefinirá o padrão de vida americano e o impacto da crise no consumo e, em consequência, em outras economias, sobretudo as emergentes. Qual o tamanho da queda? Esta é a incógnita de 2009.

O melhor cenário: negociações hábeis e rápidas, capazes de diversificar a economia e produzir ações globais, negociadas internacionalmente, para reverter ou amenizar os impactos da recessão, com expectativa de melhoria no primeiro semestre de 2010. O pior cenário: conflitos internos e impasses internacionais nos fóruns de negociações podem fazer com que a crise se arraste bem mais tempo e leve a uma depressão de médio prazo. O cenário mais provável: Obama deve decepcionar quem tem altas expectativas de mudança e agradar quem pensa simplesmente em sobreviver a tempos difíceis. De um modo ou de outro, o mundo de 2009 nunca mais será o mesmo de antes da crise.

(texto de Marília Martins - diário de Nova Yorque)

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