segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Entrevista publicada na Folha de hoje

Pessoas, como eu disse, costumo postar aqui textos publicados na imprensa que dizem, de alguma forma, respeito aos temas que estamos estudando. No nosso primeiro tema, nosso recorte é pensar territórios e, dentro disso, as cidades e cultura.

A arquitetura pode ajudar a mudar uma região, mas não é a "penicilina" que cura a doença, diz o arquiteto norte-americano Ricardo Scofidio, 73, vencedor, ao lado de Elizabeth Diller e Charles Renfro, do concurso para a escolha da nova sede do MIS (Museu da Imagem e do Som), no Rio. Ele acredita no potencial da arquitetura para promover mudanças qualitativas em regiões como a que sediará o novo museu -hoje um ponto de prostituição em Copacabana.Scofidio é casado com Elizabeth Diller, com quem trabalha desde 1970. Entre outros projetos, eles foram responsáveis pelo novo Instituto de Arte Contemporânea de Boston e pelo Eyebeam Atelier, um museu-laboratório dedicado a novas mídias em Manhattan. O arquiteto dirige o escritório Diller Scofidio + Renfro, em Nova York. (DENISE MENCHEN)

FOLHA - Um dos aspectos mais marcantes do projeto do novo MIS é a tentativa de fazer do museu uma extensão do calçadão. Como surgiu essa ideia?

RICARDO SCOFIDIO - Quando começamos o projeto, sentimos de forma muito forte que a praia de Copacabana é um lugar muito democrático e que o museu, por ser um prédio público, deveria manter essa sensação. E o símbolo disso é o calçadão, um lugar onde todos caminham e passeiam e, por um momento, são iguais. Então quisemos verticalizar o calçadão, fazê-lo subir o prédio, tanto do lado de dentro quanto do de fora. Esse é um museu sobre a cidade, não é um museu que deveria passar a imagem de que é voltado apenas para pessoas com certo nível educacional.

FOLHA - No mundo todo, há uma tendência de criar museus mais atrativos e sedutores, como é o caso do MIS. Museus, no entanto, são feitos para durar décadas. É possível fazer um projeto que mantenha sua atratividade ao longo do tempo?

SCOFIDIO - Sim. Para mim, o problema é quando os museus se mumificam. Eles preservam algo, mas é a preservação de algo morto. E um museu deveria ser vivo e atual. E essa eu acho que é uma das coisas maravilhosas do MIS, a sua conexão com a cultura e o momento atual da cidade. E o fato de ter um restaurante e um piano bar nesse museu vai fazer dele um novo museu, talvez o primeiro do tipo no mundo.

FOLHA - O orçamento previsto para a construção do museu, incluindo o custo do projeto, é de R$ 45 milhões (cerca de US$ 25 milhões). Será suficiente?

SCOFIDIO - Ainda não estou familiarizado com os custos do metro quadrado na construção civil brasileira. As pessoas com quem conversamos nos asseguraram que o orçamento é perfeitamente adequado para o prédio que nós queremos fazer.Por exemplo, o ICA (sigla em inglês para Instituto de Arte Contemporânea) em Boston custou mais ou menos a mesma coisa. E o importante é que nós vamos trabalhar com Marcio Kogan, arquiteto local que conhece a realidade brasileira.

FOLHA - O Rio tem duas experiências complicadas com projetos de grandes obras culturais. Um é o da Cidade da Música, do arquiteto francês Christian de Portzamparc. Inicialmente orçado em R$ 80 milhões, já custou mais de R$ 500 milhões e está com as obras paralisadas. O outro, que não chegou a sair do papel, foi um museu Guggenheim, com projeto de Jean Nouvel, que seria construído na região portuária, mas foi obstruído pela Justiça. Como o senhor avalia a viabilidade do projeto dentro desse orçamento e das possíveis dificuldades com a burocracia e a Justiça brasileiras?

SCOFIDIO - Não sei o suficiente sobre esses projetos para saber onde foi que ocorreu o problema, o que deu errado. O que eu sei é que, em todos os projetos que fazemos, nós não vamos embora e voltamos apenas quando o prédio já está pronto.Nós vamos desenvolver o projeto lado a lado com o MIS e com a Fundação [Roberto Marinho]. Vamos continuamente checar os custos à medida que formos avançando. Não vamos estourar o orçamento por causa do jeito que o museu foi projetado. Mas sempre há o imprevisível. Você cava um buraco e quem sabe o que vai encontrar?

FOLHA - O MIS será construído no local onde hoje funciona uma boate que, desde os anos 80, é um ponto de prostituição em Copacabana. O senhor tem outras experiências com projetos criados para promover uma grande mudança qualitativa na vizinhança, como é o caso desse?

SCOFIDIO - Acredito que todo projeto gera uma mudança qualitativa na sua vizinhança. Veja o High Line, o parque suspenso que nós estamos fazendo em [uma ferrovia abandonada de] Manhattan. Ele vai mudar a vizinhança completamente.Vai haver novos projetos, o valor das propriedades vai subir... Tudo o que se faz como arquiteto provoca mudanças, e é preciso estar ciente disso. Eu não acho que seja algo exclusivo desse projeto.

FOLHA - Em São Paulo, desde 1998, mais de R$ 200 milhões foram investidos em equipamentos culturais na localidade conhecida como cracolândia, onde viciados em crack usam a droga livremente nas ruas. Agora o plano é investir outros R$ 12 milhões num projeto urbanístico para a área. Como arquiteto, como você avalia que o urbanismo e a arquitetura podem colaborar com a recuperação de áreas degradadas e quais os seus limites?

SCOFIDIO - Essa é uma pergunta difícil. Há muitas questões políticas envolvidas nisso que são provavelmente muito mais profundas do que o alcance da arquitetura. Eu não acho que você pode chegar com a arquitetura e resolver problemas sociais. Esses problemas devem ser atacados no nível político e humanitário. E aí, sim, a arquitetura pode ajudar. Mas a arquitetura não vai ser a penicilina que vai curar a doença.

FOLHA - O senhor chegou a visitar São Paulo? O que achou da cidade?

SCOFIDIO - Fui lá [na semana passada]. Visitei o Museu do Futebol e o Museu da Língua Portuguesa, ambos da Fundação [Roberto Marinho]. São muito bonitos. Mas fui do aeroporto para o escritório do Marcio Kogan, de lá para os museus e então de volta para o aeroporto. Não conheci a cidade. Isso vai ter que ficar para uma outra viagem. Sei que tem muita arquitetura interessante lá.

FOLHA - O senhor teve a oportunidade de visitar alguns marcos arquitetônicos no Rio?

SCOFIDIO - Nos poucos momentos livres que tive quis conhecer a arquitetura do [Oscar] Niemeyer. Vi a Casa das Canoas, o museu de Niterói [MAC, Museu de Arte Contemporânea] e passei pelo hotel na torre redonda, que está fechado [Hotel Nacional, em São Conrado], e por alguns dos seus trabalhos no centro. Essa é a arquitetura com a qual eu cresci. Foi muito importante para mim, como estudante, saber que isso estava acontecendo.

FOLHA - O sr. conhece o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que ganhou o prêmio Pritzker? O que acha dele?

SCOFIDIO - [Risos] Essa é uma pergunta engraçada. Existe uma razão pela qual ele ganhou o Pritzker. Eu não vou dizer que eu odeio o trabalho dele, é óbvio. Eu realmente gosto muito. Uma das coisas que descobrimos [durante a pesquisa para o MIS] foi Oswald de Andrade, um escritor que nos anos 20 escreveu um manifesto sobre o canibalismo. Ele falava sobre como o Brasil iria digerir a cultura europeia e fazer algo único. A nossa esperança é que nós digiramos um pouco da arquitetura de vocês para fazer da nossa arquitetura também algo único para o Brasil.

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