terça-feira, 28 de abril de 2009

Texto de Rubens Alves na FSP de hoje

RETORNO AO PAÍS de Lagado, país das universidades que Gulliver visitou numa de suas viagens. Estávamos nos familiarizando com uma hipótese levantada pelos cientistas do Departamento de Linguística quando o feriado interrompeu nossa excursão.

Pois os linguistas de Lagado afirmavam que as palavras, que o senso comum acredita serem meios de comunicação, na verdade são razão de todo o tipo de desentendimento. Na Torre de Babel não faltavam palavras. E, a despeito delas, veio a confusão...Propunham então os cientistas da linguagem que as palavras fossem eliminadas. Palavras são "sinais" cuja função é representar as coisas. E é precisamente nesse ponto que o desentendimento acontece: quando as palavras, "sinais" para representar coisas, não as representam. Então, se eliminarmos as palavras para representar as coisas e passarmos a usar, no seu lugar, as próprias coisas, não haverá possibilidade de desentendimentos.

As ideias não caem do céu. Alguma situação provoca o seu aparecimento. Qual foi a situação que fez com que eu me lembrasse da hipótese dos linguistas de Lagado?

Foi um lamentável desentendimento que sacudiu o mundo: o papa falou, usou palavras. Justamente ele, infalível representante de Cristo que só fala aquilo que o Espírito Santo segreda aos seus ouvidos, ele, grande mestre desse fascinante "jogo de contas de vidro" que se chama "teologia" e que, colocando a modéstia de lado, eu mesmo jogo com razoável habilidade... Pois ele usou uma única palavra e estabeleceu-se o pandemônio. Ele usou a palavra "camisinha"...

No jogo da ciência e do senso comum, quando se usa a palavra "camisinha" entende-se um artefato técnico que serve para controlar a natalidade e também para impedir doenças, a Aids em especial. A palavra "camisinha", assim, numa linguagem matemática, pertence ao "conjunto" de coisas práticas, tais como aspirinas, ataduras, desinfetantes, sabonetes, bicicletas, cortadores de unha e computadores. São objetos que se usa por aquilo que podem fazer. Simples ferramentas: não são virtudes, não são pecados.

Aí é que está o nó. Porque, no jogo linguístico da Igreja Católica, a palavra "camisinha" é carta de baralho diabólica. Só pode ser pronunciada como uma maldição. Ela, a camisinha de aparência inocente, é mais letal que a Aids -a enfermidade que pode matar o corpo. A camisinha é o pecado que pode matar a alma.

E foi assim que o "magister ludi", S.S. Bento 16, fiel às regras do jogo da teologia católica, declarou em Iaundé (Camarões) que a distribuição de camisinhas não ajuda, "pelo contrário, as camisinhas aumentam o problema (da Aids)".

A declaração universal do papa na África, continente onde mais de 20 milhões de pessoas estão infectadas com o vírus da Aids, revela a transcendental importância que a camisinha ocupa no pensamento católico oficial, como lugar estratégico na luta que se trava entre Deus e o Diabo.

Ah! Como a igreja mudou! Outras são as palavras que se usam! O amado e saudoso papa João 23 será lembrado como o papa que falava as palavras do ecumenismo, da fraternidade, da justiça social. Mas quais serão as palavras que evocarão a imagem de S.S. Bento 16? Espero que não seja aquela... Os católicos se envergonhariam...

Um comentário:

  1. Da mesma cineásta de XXY, Lúcia Puenzo e com a mesma atriz que interpreta "Alex", "El niño pez" é um longa que trata do assunto da homossexualidade entretanto não se prende apenas a isso.
    Está disponível na rede críticas, comentários e traillers.

    Gabriela Almada

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