sábado, 25 de abril de 2009

Texto Risério

Texto de Antonio Risério publicado no A Tarde de hoje. Lembrei do final de nossa aula de sexta.


Respondo à consulta de um leitor: que influência os africanos tiveram no desenho de nossas edificações e cidades? A resposta é: nenhuma. Os escravos que a África vendia para o Brasil traziam consigo seu repertório genético, suas línguas, seus deuses, visõesde-mundo, conhecimentos e técnicas.Mas, se foram fundamentais para a constituição biológica e para a formação estética e religiosa da sociedade brasileira, não é significativamente visível qualquer influência deles na dimensão urbanística e arquitetônica do país. Nos planos de nossas cidades, nos desenhos de seus bairros, na definição de um tipo de moradia.Günter Weimer acredita divisar tal influxo africano na configuração de Salvador.Acha que, enquanto “as ruas principais passaram pelo topo das colinas e eram reservadas aos senhores brancos”, as encostas da cidade se encheram de negros, que ali “puderam fazer efusiva aplicação do traçado das cidades africanas”. A tese não se sustenta. Os negros não ficaram concentrados nas encostas do sítio urbano. Distribuíram-se por toda a cidade.Pelos vales e pelas colinas, inclusive. E, nas encostas que desciam para o mar, viviam, também, pessoas de posses.Nos calundus dos séculos XVII e XVIII, temos um culto de origem africana – embora já sincretizado com elementos lusos e indígenas. Mas, no espaço físico em que o culto se realizava, não encontramos a forma de um templo que nos leve a criações arquitetônicas da África Negra. O que se vê é a “casa brasileira”. Tome-se o exemplo do calundu encontrado em Porto Seguro, em 1646. O rito acontecia à noite, na casa de Domingos Umbata. E nada indica que a casa tivesse qualquer traço físico incomum.Que a linguagem de sua edificação a distinguisse na paisagem arquitetural da vila. E o mesmo se pode dizer dos calundus de Branca, que a Inquisição flagrou na Vila do Rio Real, na Bahia, e de Luzia Pinta, que funcionava em Sabará, Minas Gerais, no século XVIII.O calundu acontecia numa casa corriqueira de feição popular. O que havia de africano não estava em sua construção, mas no ritual. Não se manifestava na materialidade arquitetônica, mas em dimensão simbólica. E isto vale para os terreiros de candomblé. Muniz Sodré acha que muito da organização dos palácios iorubanos foi incorporada na constituição do Axé do Opô Afonjá. Simbólica e ideologicamente, sim. Arquitetonicamente, não.Não há qualquer africanidade nítida, mas explícito lusitanismo tropicalizado, na casa de Xangô que sedia o terreiro. Basta comparar aquela casa com o santuário de Oxum, em Oxogbô. Umaltar em meio às árvores, uma forma orgânica que nada tem de parecido a uma casa portuguesa, sugerindo, antes, o sexo feminino. Um templovulva.E há um “detalhe”. Renato da Silveira chamou minha atenção. A Constituição Política do Império do Brasil, jurada em 1824, reza: “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso determinadas, sem forma alguma exterior de Templo”. Temos aí uma permissão e uma proibição. A permissão se dá na dimensão simbólico-ideológica: permite-se a existência de religiões que não a católica.A proibição incide sobre a expressão física dessas religiões, em termos de seus locais de encontro e rito. Não se pode ter forma alguma exterior de templo. É uma proibição arquitetônica.Os quilombos poderiam ter sido o espaço para a materialização de um urbanismo e de uma arquitetura de extração africana. Mas os arraiais de Palmares foram lusitanos. Os maiores chegaram a ter até quatro ruas, com as casas, cobertas de palma, alinhando-se lado a lado.No largo principal, no centro do povoado, ficavam os prédios do poder. A sede política do mandachuva local e a capela ou igreja. Sim: igreja, com imagens do Menino Jesus, de Nossa Senhora da Conceição e São Brás. No filme Quilombo, de Cacá Diegues, os palmarinos cultuam orixás. Não faz sentido. Os orixás são uma criação iorubana. E, na época de Palmares, ainda não havia iorubás por aqui. Eles só começaram a chegar depois, lá pelo final do século XVIII. Antes disso, a religião católica já se achava implantada em Angola, terra de origem dos negros de Palmares.

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