terça-feira, 19 de abril de 2011

Sobre racismo

Pessoas.
Ontem começamos a debater as cotas.
Hoje sai esse texto na Folha de S. Paulo.
Para combatermos o racismo e outros preconceitos, uma pergunta é vital para cada um de nós: o meu discurso, as minhas práticas, a minha forma de ler o mundo é influenciado/a pelas relações de poder racistas? Terminei a aula de ontem dizendo para alguns alunos: às vezes reproduzimos discursos racistas e nem sabemos. Pensem nisso. O combate ao racismo começa no questionamento dos nossos discursos.
Um abraço, Leandro




TENDÊNCIAS/DEBATES
É o racismo, estúpidos!

JOSÉ VICENTE



O racismo é perigosamente destrutivo e enganador; tanto quanto repudiá-lo, também é indispensável combatê-lo sem trégua e sem piedade


Dez anos depois da primeira Conferência Mundial contra o Racismo e a Xenofobia de Durban, África do Sul, as mazelas e os perigos do racismo acenderam a luz vermelha e a ONU, instituindo 2011 como o Ano Internacional dos Afrodescendentes, volta a conclamar a comunidade de nações a se debruçar sobre os equívocos e a ineficiência das políticas antirracistas, por conta do recrudescimento dos níveis de racismo e discriminação racial contra os negros no mundo.
Recentes bananas oferecidas aos jogadores brasileiros Neymar e Roberto Carlos, as agressões verbais, os sons imitativos de macacos e as vaias das torcidas nas praças esportivas contra jogadores negros dão a dimensão da gravidade da situação, obrigando a Fifa e órgãos ligados ao esporte a tomar medidas severas para prevenção, punição e combate ao racismo, dentro e fora dos gramados.
Surrealismo, ambiguidade, hipocrisia, cinismo, desfaçatez, indiferença e tantos outros adjetivos jorram na literatura quando se analisa a tão vilipendiada trajetória do negro no Brasil. Todos apontam o racismo e ninguém consegue encontrar um racista. Junta-se a eles, a partir de agora, a estupidez.
Estúpido, este foi o adjetivo com que o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT/SP), definiu seu colega Jair Bolsonaro (PP/ RJ), por ocasião de suas maldades racistas e preconceituosas contra a cantora negra Preta Gil e os homossexuais em geral por meio de veículos de comunicação de massa.
O adjetivo em questão, seguramente, pode ser estendido a seus colegas congressistas Jaime Campos (DEM/ MT), que se referiu ao ministro negro do STF, Joaquim Barbosa, como "moreno escuro", por ter esquecido seu nome, Marcos Feliciano (PSC/SP), que responsabilizou a África e os negros africanos por todos os males do mundo, e ao senador Demóstenes Torres (DEM/GO), que, no plenário do STF, disse que a mulher negra gostava de ser seviciada pelo senhor.
Como inocentes úteis, tais nada inocentes parlamentares, protegidos pela impunidade, destilam em praça pública os venenos que reservavam para ambientes privados.
Flertando com os veículos de comunicação, são a fina e rejuvenescida flor daquela corrente que faz um mau uso do direito de expressão para fins pessoais inconfessáveis, colocando o mandato popular a fomentar, voluntária ou involuntariamente, mas de modo igualmente irresponsável, o ódio racial.
Como a resultante dos estúpidos é a estupidez, a retórica dissimulada em ideia livre e democrática é, na verdade, a correia de transmissão para os também estúpidos integrantes das gangues organizadas que, em São Paulo, no ambiente cibernético e à luz do dia, pregam e praticam a perseguição, a agressão e a eliminação de negros, de judeus e de homossexuais.
É o combustível que encoraja os estúpidos das forças policiais, que, na Bahia, conforme noticiou esta Folha, dizimam a juventude negra brasileira. É o estímulo final aos seguranças de shopping centers e supermercados de grife, que vigiam os negros nas passarelas e batem em sua caras nas salas de segurança e em estacionamentos.
O racismo é perigosamente destrutivo e sutilmente enganador. Ele tateia sutilmente pelas frestas e se mistura sinuosamente como naturalidade cotidiana; tanto quanto repudiá-lo, é indispensável combatê-lo sem trégua e sem piedade.
Sem diminuí-lo e sem ignorá-lo. A ONU e a Fifa estão corretas, assim como o deputado Vaccarezza. É o racismo, estúpidos!


JOSÉ VICENTE, advogado, mestre em administração e doutorando em educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, é reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares.

5 comentários:

  1. Haiti
    Caetano Veloso
    Composição : Caetano Veloso e Gilberto Gil
    Quando você for convidado pra subir no adro
    Da fundação casa de Jorge Amado
    Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
    Dando porrada na nuca de malandros pretos
    De ladrões mulatos e outros quase brancos
    Tratados como pretos
    Só pra mostrar aos outros quase pretos
    (E são quase todos pretos)
    E aos quase brancos pobres como pretos
    Como é que pretos, pobres e mulatos
    E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
    E não importa se os olhos do mundo inteiro
    Possam estar por um momento voltados para o largo
    Onde os escravos eram castigados
    E hoje um batuque um batuque
    Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
    Em dia de parada
    E a grandeza épica de um povo em formação
    Nos atrai, nos deslumbra e estimula
    Não importa nada:
    Nem o traço do sobrado
    Nem a lente do fantástico,
    Nem o disco de Paul Simon
    Ninguém, ninguém é cidadão
    Se você for a festa do pelô, e se você não for
    Pense no Haiti, reze pelo Haiti
    O Haiti é aqui
    O Haiti não é aqui
    E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
    Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
    Plano de educação que pareça fácil
    Que pareça fácil e rápido
    E vá representar uma ameaça de democratização
    Do ensino do primeiro grau
    E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
    E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
    E nenhum no marginal
    E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
    Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
    Brilhante de lixo do Leblon
    E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
    Diante da chacina
    111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
    Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
    E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
    E quando você for dar uma volta no Caribe
    E quando for trepar sem camisinha
    E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
    Pense no Haiti, reze pelo Haiti
    O Haiti é aqui
    O Haiti não é aqui

    ResponderExcluir
  2. Alguém saberia informar se as cotas destinadas aos indígenas na UFBA são preenchidas?

    ResponderExcluir
  3. Artigo: Cotas, uma reparação necessária
    Data: 10/02/2009



    A política de cotas raciais e sociais para o ingresso nas universidades públicas não se pauta pela oposição entre negros e brancos, como querem fazer crer alguns de seus críticos. É uma questão de reparação. Ao contrário dos imigrantes que chegaram ao país no pós-Abolição, os negros não receberam terras e não tiveram acesso a serviços fundamentais como saúde e educação, este último um fator fundamental para a conquista da cidadania. Desta forma, continuaram cativos da ignorância, sem perspectiva de ascensão cultural e social. Eis a origem da imensa dívida social do conjunto da sociedade brasileira em relação a este segmento da população que hoje representa 49,5% de nossa população.

    Diversos estudos, dentre os quais o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) de 2008, demonstram que os não-brancos no Brasil estão em desvantagem em relação aos brancos em itens como renda, educação, saúde, emprego, habitação e segurança pública. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), utilizando apenas as políticas públicas universais, levaremos 65 anos para alcançar a igualdade econômica entre negros e brancos. Um quadro que reforça a necessidade da aplicação provisória de ações voltadas à elevação das condições gerais da população negra, dentre as quais se destaca a política de cotas.

    A adoção de políticas de cotas, inclusive, não é uma novidade na história de nosso país. Dentre os muitos exemplos temos o Decreto-Lei 5.452/43 (CLT), que prevê, em seu art. 354, cota de dois terços de brasileiros para empregados de empresas individuais ou coletivas; a Lei nº 5.465/68, que prescreveu a reserva de 50% de vagas dos estabelecimentos de Ensino Médio Agrícola e nas escolas superiores de Agricultura e Veterinária a candidatos agricultores ou filhos destes (mais conhecida como "Lei do Boi"); a Lei nº 8.112/90, que prescreve, no artigo 5º, § 2º, reserva de até 20% para os portadores de deficiências no serviço público civil da união; a Lei nº 8.213/91, que fixou, em seu art. 93, reserva para as pessoas portadoras de deficiência no setor privado; e a Lei nº 9.504/97, que preconiza, em seu art. 10, § 3º, "reserva de vagas" para mulheres nas candidaturas partidárias. Nunca houve contestação a estas políticas que cumpriram seu papel.

    Neste sentido, é positiva a tramitação no Congresso Nacional do projeto que estabelece o sistema de cotas. O texto estabelece uma reserva de 50% das vagas para estudantes que tenham cursado o ensino médio na rede pública, ou como bolsistas integrais na rede privada. Sobre estas vagas incidirá uma sub-cota destinada aos negros e indígenas, de acordo com o percentual destas populações aferido em cada estado pelo IBGE. A política de cotas deverá ser empregada em caráter provisório, até que sejam equacionadas as distorções raciais em nosso sistema educacional.

    ResponderExcluir
  4. continuação...
    A medida está em sintonia com a Constituição da República, que determina em seu Artigo 3º ser dever do Estado construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais. O racismo impede o livre exercício da cidadania e o acesso democrático ao desenvolvimento. Deve, portanto, ser eliminado para permitir que o país se desenvolva com eqüidade social. Vale lembrar que o pluralismo que se instaura com a aplicação das ações afirmativas traz inegáveis benefícios à economia de nosso país. Pois seria um erro estratégico deixar de oferecer oportunidades efetivas de educação e de trabalho a todos os segmentos da população, o que afetaria de forma substancial a competitividade e a produtividade econômica do país. Portanto, agir de forma afirmativa é também zelar pela pujança econômica do Brasil.

    As políticas de ação afirmativa reconhecem e valorizam a pluralidade étnica que marca a sociedade brasileira e, ao tratar de maneira desigual os desiguais, avança no caminho da justiça social e da igualdade de oportunidades.

    Edson Santos
    Ministro-chefe da SEPPIR/ PR



    SEPPIR
    ontinuação...

    ResponderExcluir
  5. Cotas não é sinônimo de desmerecimento, de menosprezo ou de que quem é beneficiário delas sejam inferiores a quem consegue estar no mesmo espaço sem fazer uso delas. Elas estão aí por muito custo e luta de pessoas que acreditam que apesar de vivermos numa democracia e no sonho lúdico de todos termos igualdade de direitos, nossa realidade histórica é outra, precisamos nos debruçar na história deste país e do mundo para compreender nossa realidade hoje, como uma construção de lutas de poder que desaguaram na sociedade de hoje. Mas o exercício não para por aí, se quisermos trabalhar a insatisfação que o efeito das cotas, ou seja as de outras políticas aplicadas no nosso país devemos primeiramente saber o ontem, para melhor sabermos como aplicar soluções para o amanhã.

    ResponderExcluir